Mais uma edição concluída, mais um ano de sucesso. E com tantos nomes de luxo, será certamente um Vodafone Paredes de Coura para recordar…
Sábado já se sabe, é dia de enchente de carros com o maior número de casuais (não confundir com a subcultura de frequentadores de estádios da bola), mas hoje nem tanto, tendo em conta que os passes gerais e os bilhetes para este dia estão esgotados há algum tempo.
Assim, numa lógica de dia onde tipicamente estão um ou dois cabeças com maior apelo inter-geracional, cabe a Sharon von Etten & The Attachment Theory animar o cair da noite. E Sharon muito feliz de estar cá, não obstante manter o estilo de pouco falatório com o público, sem nunca deixar de transmitir energia boa. A americana não para quieta – a certa altura parece uma aula de aeróbica -, mas o olhar não deixa de descair para a performance fortíssima da baixista Devra Hoff, posição que tem um particular carinho no nosso coração.
Já às 22h45, o salão de festas estava cheio a sério para receber o dueto francês Air, que já há algum tempo anda a desfilar na integra a sua obra maior, Moon Safari, desde o 25º aniversário da sua publicação em 1998. Tal como no ano passado no Hipódromo de Cascais, aqui se desfilaram as faixas da gravação mais famosa de Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel, a que seguiram várias das pérolas de momentos posteriores. Desta vez, porém, o retângulo no palco foi substituído por um polígono de igual forma projectado na tela, sem nunca abandonar a elegância absoluta dos de Versalhes, impecavelmente vestidos de branco quando arrancam com “La femme d’argent”, seguida de “Sexy Boy”, a faixa que os catapultou para o sucesso.
Em “All I Need” já se brinca com o original, com o baterista igualmente presente em palco a dar outras roupagens ao original, antes da ótima “Kelly Watch the Stars”, em que as jogadoras de ténis de mesa do vídeo que lhe faz companhia são agora substituídas por um gigante vídeojogo de Pong na tela. Com tal repertório, interações para quê?
Na verdade, é preferível olhar para as estrelas, mas depressa se repara que não há muitas há vista, invulgar neste palco longe das luzes das grandes cidades. Já na fase pós-disco, há a hipnose de “Venus”, “Cherry Blossom Girl”, e “Run”, antes da comunhão multidimensional dos pingos de chuva que começam a cair em “Playground Love”, hino maior dos Air feito para Sofia Coppola no seminal filme As Virgens Suicidas. São breves segundos, os fundamentais para deixar na iconografia do Vodafone Paredes de Coura mais uns instantes de perfeição. Só aqui. No fim, chega o fim da hipnose com “Don’t Be Light”, e os sorrisos de parte a parte.
A salada rica de Warmduscher, agrupamento que mistura o pós-punk com a eletrónica e quejandos, deu animação de qualidade para quem não teve medo de perder o seu lugar entre o final de Air e o início de Franz Ferdinand. Muita competência para os criadores de Too Cold To Hold, disco que entra com uma curiosíssima introdução por Irvine Welsh, o célebre escritor de Trainspotting.
Tudo isto leva aos Franz Ferdinand, que depois de colocarem a música do genérico de Police Squad, série televisiva com Leslie Nielsen que gerou depois os filmes Aonde é Que Para a Polícia. Após mais um sinal de que os escoceses nunca se levaram especialmente a sério, Alex Kapranos e companhia chegam à cena a agradecer ao vasto auditório pela terceira presença por estas partes, um dos seus “favourite places in the world”. E Kapranos não sabe dar maus concertos.
Com câmaras bem acima da sua cara – onde se vêm bem as rugas já marcadas que ainda pareciam bem disfarçadas a uma distância mais perdulária do concerto no Campo Pequeno onde os vimos da última vez em 2022 -, continua a não faltar ginga, aviso dado à cabeça com a maravilha de bater o pé no chão que é “The Dark of the Matinée”, ou pouco depois “Do You Want To”. Os dois primeiros discos dos Franz Ferdinand são intocáveis no panteão do pop/rock.
Sem nunca deixar o público arrefecer, destacam-se “Jacqueline” e “Michael”, antes do coro coletivo de “Take Me Out” – quem tem um hino não há de morrer pagão. Pelo meio há uma simpatia natural distribuída de forma de quem sabem o que faz, incluindo os parabéns a você a Bob Hardy, um dos resistentes desde o início do percurso no ano perto mas longe que é 2002.
“Evil and a Heathen” é belo aperitivo para o rebentamento popular que é (o aqui feliz) “This Fire”. Há quem diga que são banda arroz, aquela clássica adjetivação de quem esnoba, mas a verdade é que não há assim tantos que o preparam assim tão saboroso e malandrinho.
Logo a seguir, o tradicional vídeo resumo de uma edição que só se pode descrever de uma forma: feliz. Nuns dias de Verão soalheiro e com vários concertos para recordar, esta edição do Vodafone Paredes de Coura seguramente a mais cheia dos últimos anos… e sem existir propriamente uma grande explicação para isso, o que é ótimo. Estava cheio porque as pessoas queriam ir a Coura num ano de vendas abaixo da média e com vários festivais a fechar em Portugal e no mundo, como destacou João Carvalho na conferência de imprensa de encerramento.
Continuam a existir problemas, claro – desde logo os horários para que foram relegados os artistas nacionais (a exceção de que nos lembramos foi Capícua), mas a sensação à saída foi de um ano que, se não vier dar em vintage quando a fermentação do tempo fizer o seu trabalho, será, sem dúvida, um reserva especial.