Depois de um dia marcado por alguns altos e baixos, as atuações deste segundo dia prometiam momentos verdadeiramente incríveis, ou não tocassem nomes como Cigarrettes After Sex, Liars, Sevdaliza, entre outros.
Começámos cedo, desta vez para ver os Conjunto Corona, que destilaram boa disposição (e também shots de hidromel) no Vodafone Mexefest. Com eles, a festa está sempre garantida, em doses mais ou menos controladas, sendo sempre possível recordar nos seus espetáculos pérolas como o popular vídeo de Valentim Loureiro com “Gondomar! Gondomar! Gondomar”. É complicado perceber se os Conjunto Corona estão sempre no gozo ou se não passa tudo de estratégia. Afinal, temas como “Mafiando Bairro Adentro” e “Noite de Natal em Cima de Vila” falam de coisas tão díspares como bairros problemáticos do Norte ou a escassez de bacalhau. Com mais ou menos paródia, esta foi uma bela forma de começar a noite.
Seguimos para Iguana Garcia, este one-man show que mistura loops de guitarra e sintetizador para os condensar em beats eletrónicos e percussões ambientes. Variando entre o seu computador, teclado e guitarra, o homem distribuiu pelos presentes algumas cópias do seu disco de estreia, Cabaret Aleatório, que veio apresentar ao festival lisboeta. Um concerto onde deu para bater o pezinho nesta música pop de dança.
O concerto passou de rajada, pelo que deslocámo-nos com rapidez ao Coliseu dos Recreios para ver o nome mais esperado desta edição, os Cigarettes After Sex. E, de facto, só pela afluência do público, deu para perceber que quase todo o festival estaria ali metido naquela bonita sala lisboeta.
Apesar da estreia em Lisboa, a banda de El Paso, no Texas, já tinha estado no Vodafone Paredes de Coura onde despertou o interesse dos portugueses, e depois no NOS Primavera Sound, onde efetivamente estabeleceram uma relação de amor com o país. Nesta terceira vez em Portugal, o quarteto não fez por menos e deu um excelente concerto, conseguindo embalar um Coliseu cheio com esta indie melosa e empolada do seu álbum de estreia. Pois é, nas anteriores visitas não tinham, sequer, álbum editado.
Confesso que a primeira vez que ouvi a voz de Gonzalez pensei tratar-se de uma mulher, tal como aconteceu com a primeira que ouvi Rhye, mas efetivamente percebi estar perante um homem muito romântico e que vê no amor a sua grande inspiração para escrever.
De facto, a música da banda pode ser perfeita para ouvir depois do sexo, durante o ato ou até para ouvir junto à lareira.
Verdade seja dita que a música da banda de Greg Gonzalez não é para todos, e há mesmo quem diga que as canções são todas iguais e que estamos presos num loop durante uma hora. No entanto, são temas extremamente belos e que nos tocam no coração. Efetivamente é um estilo de música que não vai muito mais além, mas enquanto os Cigarettes After Sex comporem canções com este efeito narcótico, as suas melodias irão sempre embalar-nos. Agora, incomodativa? Só mesmo para quem não gosta disto.
O concerto apenas pecou pelo som não ser o mais ideal e a própria voz do vocalista ser algo imperceptível por vezes, o que pode não ter ajudado nas incríveis “Affection”, “Each Time You Fall in Love” ou “Keep on Loving You”. E alguma gente do público importava-se mais em tirar fotos para colocar no Instagram, o que não deixa de ser bastante triste.
Seguimos com a nossa demanda para ver uns minutos do concerto da jovem britânica Mahalia Burkmar, de apenas 19 anos.
Do pouco que vimos, o estilo “psycho acoustic soul”, como afirma a própria na sua conta do Instagram, encaixa que nem uma luva à espetacular voz desta miúda. Uma fusão de estilos pouco ortodoxa, que deixam Mahalia aventurar-se por vários percursos. É talento em bruto por lapidar que vamos, certamente, encontrar mais vezes no futuro.
Já Eva Rapdiva, rapper angolana que fez a sua estreia no Vodafone Mexefest, foi conquistando a difícil plateia aos poucos e poucos, que lá se rendeu perante as suas investidas. E tem coragem ao arriscar no hip-hop, algo que não é muito comum nos dias de hoje.
Dividimo-nos para Julia Holter e Everything Everything, mas nem um nem outro nos entusiasmaram.
Julia Holter, aqui a solo com o seu piano e mais um companheiro em palco, nota-se que perde muita força sem a banda ao vivo. Apresentando temas do mais recente álbum In The Same Room, Julia referiu recentemente numa entrevista que se senta ao piano e grava durante 10 ou 15 minutos, para depois ouvir esse trecho e começar a cantar.
Ora, apesar da compositora ter voz e talento, não senti no público do Tivoli aquele click de ligação. Tem canções melódicas, umas mais calmas, excelentes para o silêncio total, e outras onde se nota a falta a banda, pois é constante ver Julia nos seus devaneios. E foi esta versão mais experimental de Julia Holter que não nos cativou a atenção.
Já os Everything Everything não são uma banda para massas, e o meio Coliseu provou isso mesmo. Já passaram várias vezes pelo nosso país, mesmo por aquela sala, em 2013, e continuam sem conseguir mais do que isto. O falsete de Jonathan Higgs torna-se facilmente insuportável ao fim de um par de temas e a música da banda não é propriamente catchy. É mais de mesclar e deitar fora, neste caso, é ouvir uma ou duas e seguir viagem, tal como fizeram os que por ali passaram.
Já fui a muitos concertos ao longo da minha vida, mas recordo-me de poucos com uma aceitação tão boa por parte do público como foi o caso de Sevdaliza. E umas quantas declarações de amor também.
Nascida no Irão e a viver na Holanda, a artista veio ao Mexefest provar que uma artista independente, como fez questão de dizer, é capaz de realizar algo que há muito desejava. Com um bailarino em algumas músicas, um baterista e outro membro nos sintetizadores, Sevdaliza deu um dos melhores concertos da edição deste ano do festival lisboeta.
Ela dança e canta sem dificuldades, diluindo as sombras na beleza da sua voz. Ao Mexefest, Sevdaliza trouxe os EPs The Suspended e Children of Silk, editados em 2015, e o álbum de estreia, Ison, mostrando uma eletrónica próxima dos terrenos do trip-hop, mas andando de mão dada com géneros como o grime ou dubstep.
Perante um auditório cheio, a artista teve uma performance imaculada e muito aplaudida, mostrando que o que ouvimos em disco não é puro show-off. Temas como “Human”, “Marilyn Monroe”, “Bebin” ou “That Other Girl” mostraram o alcance vocal da cantora e levaram muita gente a levantar o rabo das cadeiras. Agradeceu aos portugueses porque nunca antes tivera uma receção calorosa na estreia em qualquer outro país e mostrou-se ainda uma ativista social ao rejeitar temas como a intolerância ou o racismo.
Uma bela estreia em Portugal. Quando Sevdaliza regressar, certamente que será recebida com todo o amor e carinho.
A tocar à mesma hora estava Liars, projeto do norte-americano Angus Andrew, agora a solo, mas com a companhia de um endiabrado baterista, e que quase destruía as colunas com a pujança sonora das suas músicas. Ou seja, o contraste total com Sevdaliza.
Angus Andrew apresentou-se no Vodafone Mexefest vestido de noiva, mas isso não o impediu de dançar e cantar freneticamente na estação do Rossio. Este é um punk eletrónico e eletrónico que dá vontade de headbanging e o público fez questão de aceitar esse convite.
Sem banda, mas com várias máquinas para fazer barulho, Liars é um projeto desconcertante, provocador e cheio de poder, com músicas como “Coins In My Caged Fist”, do novo álbum TFCF, ou “Mess on a Mission”, claro, a causar aquele desconforto agradável em toda a gente. Excelente escolha para encerrar o palco Estação Vodafone FM.
As nossas pernas já acusavam cansaço, mas não podíamos deixar o Vodafone Mexefest sem ir à discoteca criada por Moullinex no muito bem composto Coliseu dos Recreios. Estando acompanhado por amigos e convidados (Xinobi, Da Chick, We Trust, etc), o projeto de Luís Clara Gomes é a verdadeira celebração da liberdade e da música de dança, ou não fosse esse o mote dado pelo mais recente disco Hypersex.
Por onde quer que passe, a festa é garantida com Moullinex, e fica impossível não dançar ao som do house-pop festivo e libertador deste projeto nacional. E que bem tem crescido ao longo dos tempos.
Terminada mais uma edição do Vodafone Mexefest, percebe-se facilmente que o festival tem vindo a crescer cada vez mais e que a cada edição fica mais eclético, havendo opções para todos os gostos e mais alguns. Só se lamenta alguns horários de atuações e um ou outro nome mais deslocado, mas, depois do cartaz mais fraco no ano passado, o festival redimiu-se este ano. E de que maneira.