Mais do que a sua mecânica principal, onde podemos dar vida a todos os objetos que fotografamos, Viewfinder surpreende por nunca perder a sua vontade em surpreender o jogador e a dar-lhe novas mecânicas e puzzles ao longo da campanha.
Em Viewfinder, temos a possibilidade de tirar fotografias a qualquer parte do cenário ou qualquer objeto em campo para criar uma cópia perfeita. Com a fotografia, podemos colocar essa cópia em qualquer parte do nível e dar vida aos pedaços do cenário que imortalizámos na película. Mas não se trata apenas de um processo de cópia e cola, Viewfinder vai mais longe e deixa-nos moldar as fotografias à nossa vontade, não só através do local e perspetiva em que colocamos os objetos copiados em campo – que alteram fisicamente os cenários -, mas também pela sua reutilização enquanto peças de um enorme puzzle. Uma parede pode ser uma ponte; o céu pode abrir uma porta; uma janela pode ser um poço.
É através do visor da câmara que damos vida a uma nova realidade em Viewfinder. Se todos os cenários e objetos podem ser copiados e reintroduzidos em campo, até onde poderá ir a imaginação dos jogadores? A base é simples. Para uma maior familiaridade, a Sad Owl Studios procurou garantir que todos os níveis, por mais complexo que sejam, partilham o mesmo objetivo. Em Viewfinder, temos de encontrar o ponto de acesso aos teletransportes, seja ao garantir que se encontram a distância alcança-la ou a proporcionar-lhes a energia que necessitam para funcionar. Quando chegamos ao teletransporte, podemos passar para o próximo nível. No entanto, não existe propriamente uma abordagem definitiva para cada um dos puzzles. Sabemos que temos de ativar os teletransportes e que existem elementos incontornáveis para a resolução dos puzzles, como a utilização de baterias, mas Viewfinder deixa-nos experimentar. Imaginemos o seguinte cenário. Precisamos de uma bateria para ativar o teletransporte, mas a bateria está numa plataforma longínqua. Para a alcançarmos, podemos copiar uma parte do chão e colocá-la em campo, entre a nossa plataforma e o local onde se encontra a bateria. Mas podemos também fotografar uma parede inteira de um prédio e, de acordo com a nossa perspetiva, criar uma ponte que nos leve até à bateria.
Em cada nível existe um limite de fotografias que podemos tirar. Mesmo com a opção de rebobinar o tempo, como se estivéssemos perpetuamente numa cassete VHS, este limite é imperativo e mais um alicerce à nossa imaginação. Não é uma limitação negativa, mas sim um enaltecimento à liberdade de ação que Viewfinder apresenta tão bem. Com um número fixo de fotografias e um objetivo concreto, a nossa mente pode viajar e almejar vários tipos de abordagem sem sentirmos que o jogo está a limitar-nos ou a encaminhar-nos para um caminho que não queremos. Antes pelo contrário, Viewfinder é tão contemplativo como inteligente, com cada nível a ser uma parte do puzzle físico, mas também narrativo. Cada cenário é uma porta para os protagonistas que só conhecemos por palavras, vozes e objetos decorativos. Entre a contemplação e a utilização exímia do tempo, a nossa mente viaja e as soluções surgem. Não existem abordagens ridículas ou descabidas, apenas as nossas.
Se Viewfinder limitasse os seus puzzles à utilização e captura de fotografias, a sua experiência seria forte o suficiente para ser um dos melhores títulos do género deste ano. No entanto, a Sad Owl Studios vai mais longe, a patamares que não conseguia antever durante o primeiro contacto com o jogo. A demonstração, lançada no início de 2023, traçava uma jogabilidade assente na utilização de fotografias para resolver puzzles, mas Viewfinder leva a sua abordagem além das expetativas. Existem cinco zonas distintas ao longo da campanha e cada uma dessas zonas apresenta um novo elemento à fórmula basilar do jogo. Se começamos por encontrar imagens, como posters e pinturas – que também podemos colocar em campo e até explorar, como é o caso da gravura de moinhos que ganham vida quando posicionados no cenário –, e a tirar fotografias com a nossa máquina, rapidamente encontramos desafios que requerem maior imaginação e um novo leque de habilidades que elevam Viewfinder ao patamar de futuro clássico do género.
Esta abertura mecânica coincide deliciosamente com a narrativa e temáticas de Viewfinder, injetando um sentimento de progressão inesperado à jogabilidade. Em Viewfinder, nós exploramos um mundo virtual criado por quatro engenheiros, cientistas, artistas e pensadores da nossa realidade. Neste mundo fictício, tudo é possível. O que demoraria anos a ser testado no mundo real pode ser desenvolvido em meros dias, sem quaisquer transtornos. Durante a campanha de Viewfinder, descobrimos o carinho e entusiasmo com que os quatro membros da equipa interagiam com este novo mundo, e como as suas possibilidades expandiam-se ao longo do seu tempo no interior da realidade virtual. Descobrimos os seus interesses, gostos, medos e vontades através de diários, gravações e post-its deixados pela equipa.
Mas a equipa explora este mundo de possibilidades com um motivo muito particular e sério: a luta contra a crise ambiental. Os quatro engenheiros e criativos estão à procura de uma solução para o desastre natural que assola o nosso mundo e que se agrava de ano para ano. Num ambiente virtual, eles podem testar e conceptualizar novas tecnologias em busca de respostas. As mecânicas de Viewfinder acompanham essa progressão. Se a máquina de fotografia foi uma das criações da equipa, já os restantes elementos que compõem este jogo de puzzles nascem da frustração, curiosidade e urgência na sua luta por um futuro melhor. A narrativa de Viewfinder é um pequeno puzzle em si, que se desenvolve ao longo dos vários níveis da campanha e pelos cinco hubs que podemos visitar e conhecer ao nosso próprio ritmo. Mas as peças encaixam-se e vemos mais do que o entusiasmo pela descoberta – vemos também os seus perigos e os efeitos nos seus criadores.
Viewfinder passa a ser um processo de aprendizagem e montagem para a longa história desta equipa agora defunta. Começamos pela máquina de fotografia e vemos os progressos de cada criativo ao longo da sua estadia no mundo virtual. Os puzzles acompanham este progresso e vemos o mundo a expandir-se para mecânicas que envolvem a propagação do som, a utilização de filtros em tempo real, temporizadores para máquinas estacionárias, jogos de perspetivas e ainda espaços negativos que não conseguimos captar com a nossa máquina. Apesar da sua curta duração, a campanha está desenhada para ser inesperada e oferecer aos jogadores um novo elemento que não só adiciona alguma complexidade à progressão de Viewfinder, mas também uma camada de estratégia e imensa imaginação. A utilização de fotografias é a base, mas Viewfinder é muito mais do que isso. Nunca sabemos o que iremos encontrar a seguir.
Mas esta vontade em inovar e surpreender poderá ser frustrante para alguns jogadores. Viewfinder é justo e muito equilibrado na sua dificuldade, existindo sempre espaço para a experimentação e para diferentes abordagens em campo – possível através das suas mecânicas acessíveis, excelente leitura dos puzzles e cenários, e de uma dificuldade que nunca é frustrante e que progride conscientemente ao longo dos desafios -, mas a sua insistência em apresentar novas mecânicas e puzzles constroem uma campanha que nunca atinge os picos que deveria alcançar. Não tenho quaisquer problemas em enaltecer todos os puzzles que encontramos em Viewfinder, mas não consegui afastar a sensação de que estava também a interagir com os esquemas de algo ainda mais arrojado.
A campanha é muito curta, daquelas que deixam uma saudade enorme – que pode e deve ser colmatada através dos níveis opcionais, cuja dificuldade é muito mais acentuada e palpável –, e mesmo que a sua duração não seja um problema – porque não é –, a verdade é que existiram momentos em que senti que os puzzles estavam a construir algo maior e ainda mais surpreendente para Viewfinder atirar-me de volta para o hub sem uma recompensa eficaz. E o mais pressionante é que mesmo perante a ausência de níveis ainda mais envolventes e criativos, Viewfinder continua a ser um dos melhores videojogos que joguei em 2023, superando todas as minhas expetativas.
Termino Viewfinder envolto numa enorme saudade que me levará certamente a repetir os níveis em busca de pormenores que me possam ter escapado. Os puzzles e a sua acessibilidade são dois dos grandes trunfos de Viewfinder e admiro imenso a imaginação e determinação da Sad Owl Studios em transportar-nos para um dos conceitos mais fortes do ano. Um jogo de puzzle para todos, sem pretensões, e uma abordagem refrescante que ainda tem imenso potencial para ser desenvolvida e iterada pela Sad Owl Studios.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Plan of Attack.