Uma homenagem sentida a um dos maiores clássicos dos RPG de ação.
Trinity Trigger é o tipo de videojogo que dissipa qualquer cinismo que possamos ter no corpo. A sua homenagem ao passado é tão sincera e honesta que é difícil não sentirmos algum carinho e saudosismo por aquilo que está a homenagear. Trinity Trigger é a aventura que vivíamos aos sábados à tarde, nos dias de verão ou naquelas noites de chuva sempre de comando na mão e perdidos entre mundos mágicos e repletos de fantasia. Este é um regresso ao passado, à era da Super Nintendo e da PlayStation, para o bem e para o mal.
Se não são fãs de Secret of Mana e dos antigos RPG de ação, que trocavam os sistemas complexos de combinações e magias por aventuras mais descontraídas, Trinity Trigger vai passar-vos ao lado. Em 2023, o título da FuRyu talvez seja demasiado arcaico e desatualizado, com um mundo muito pequeno, que se divide entre masmorras repetitivas – com vários andares e os puzzles ocasionais – e cidades que pouco oferecerem em termos de personalização, e um sistema de combate mais acessível, cujas mecânicas nunca se tornam assoberbantes ou confusas. Esta é uma aventura que já viveram antes, sobre protagonistas escolhidos, daqueles que têm marcas de nascença que determinam a sua importância para o mundo do jogo, obrigados a lutar para parar uma guerra entre dois deuses.
As semelhanças entre Trinity Trigger e a série Mana, ou Seiken Densetsu, são incontornáveis – já que Yuki Nobuteru e Hiroki Kikuta fazem parte do seu desenvolvimento – e defendo que esta sequela espiritual respeita muito mais o legado da saga do que os remakes mal amados de Adventure of Mana e Secret of Mana. Tal como na série da Square, Trinity Trigger transporta-nos para um mundo onde o melodrama é substituído pela aventura, onde os protagonistas mal humorados e marcados pelo passado dão lugar a personagens divertidas, descontraídas e mais preocupadas na união do grupo do que propriamente em vingarem-se de um antagonista previsível. Em 2023, isto volta a ser refrescante, com Trinity Trigger a abraçar todos os clichés do género RPG para ser o mais fiel aos jogos que tantas horas nos roubaram.
Talvez o seu maior problema seja a estrutura e a sua aposta em zonas muito idênticas e sem grandes oportunidades de exploração. A estrutura é linear, como seria de esperar, com Cyan e o seu grupo de aventureiros a saltitarem entre cidades e masmorras enquanto procuram novas Armas – um nome super original para um RPG ainda mais original. Estas localidades são pequenas, relegadas a um número específico de edifícios, onde podemos encontrar lojas, falar com os habitantes e começar missões secundárias – tal como encontrar itens escondidos pelos móveis das casas –, onde não encontramos mais nada além dos caminhos para as próximas zonas de interesse. Trinity Trigger não gosta de perder tempo. As cidades servem para comprar e criar itens, e falar com NPC para termos mais exposição ao mundo que nos rodeia.
As masmorras não são muito melhores, mas destacam-se pela sua aposta em puzzles. A maioria destas zonas, que culminam sempre numa batalha contra um boss gigantesco, dividem-se por andares onde encontramos armadilhas, batalhas e alguns baús escondidos que obrigam-nos a investigar todas as zonas de interesse. Para evitarmos alguns dos perigos ou simplesmente para abrir novos caminhos, Trinity Trigger adora colocar-nos no meio de um simples puzzle, muitas vezes construído em torno de interruptores que temos de ativar. Não esperem quebra-cabeças intensos ou que requerem guias detalhados para que possam ser resolvidos, mas são distrações pontuais que quebram a monotonia do design das masmorras e que adicionam algum desafio à experiência deste RPG de ação.
O sistema de combate também não traz grandes novidades, mas destaca-se pela fluidez dos movimentos e a combinação entre várias armas. Peço desculpa por estar sempre a utilizar o mesmo exemplo, mas as semelhanças entre Trinity Trigger e Secret of Mana são propositadas, com o primeiro a utilizar o mesmo sistema de combate assente numa barra de stamina como o clássico da Square. Cada personagem tem uma barra circular de energia que limita o poder de cada ataque. Até chegarmos ao fim da barra é possível realizarmos ataques no seu poder original, mas quando ultrapassamos o seu limite, Cyan e companhia atacam como se tivessem facas de barrar manteiga. Ao contrário dos RPG de ação mais recentes, a barra de stamina não limita o número de golpes, mas sim o seu poder, obrigando-nos a recuar e a recuperar o fôlego antes de voltarmos à carga – tal como Secret of Mana.
Cyan não é a personagem mais habilidosa do género, limitado a um ataque rápido, uma habilidade especial – podemos selecionar a nossa opção preferida e evolui-la ao longo da campanha –, um ataque mais destrutivo e um desvio que lhe permite evitar golpes inimigos. Está feito, não precisam de mais nada. As influências de Secret of Mana, e de outros título da saga, fazem-se sentir novamente em Trinity Trigger através dos menus radiais, onde podemos selecionar poções, ervas e definir atalhos que nos ajudam ao longo dos combates. Reparem também na forma como expandimos o nosso armamento ao longo da campanha, com Cyan e companhia a adquirirem espadas, lanças, machados, etc, que não só lhes atribuem novas habilidades e ataques – podemos também evoluir as armas ao longo da campanha, como seria de esperar –, como ajudam-nos a desbloquear zonas inacessíveis com baús secretos.
Cada arma é indicada para determinados tipos de inimigos e é essencial trocar entre armas para tirarmos melhor partido do sistema de combate. Uma espada pode ser mais rápida, mas a lança tem uma maior área de ataque e o machado é sempre a melhor opção se quiserem apostar no dano puro e duro. A rotatividade das armas ganha ainda maior impacto quando olhamos para os companheiros de Cyan – Elise e Zantis -, que têm opções únicas. Elise é a única capaz de utilizar uma lança, por exemplo, tal como o poder do fogo, e Zantis é o mestre do machado e da eletricidade. Para termos acesso a estas armas, penso que já perceberam: é preciso trocar de personagens.
Cyan é o meio termo e senti, ao longo da campanha, que se tornava progressivamente na melhor opção e na mais equilibrada em combate, mas nas primeiras horas de Trinity Trigger, especialmente nos confrontos contra os bosses, a troca de personagens foi essencial. Se calhar não tão essencial como em…Secret of Mana! Pronto, eu paro, mas é para indicar que não existe um sistema de magia como em Secret of Mana, aqui substituído por armas elementais. Bolas, existe outra semelhança e eu não posso descartá-la porque é importante. Trinity Trigger pode ser jogado com mais dois amigos, um para cada companheiro de Cyan.
Trinity Trigger sabe a memórias. A simplicidade da sua campanha, a acessibilidade do seu combate e o foco na troca e na colaboração entre um leque colorido de personagens transportou-me de regresso a 1990. Um soco nostálgico que conseguiu derreter o meu coração cínico. Claro que podemos apontar os defeitos de Trinity Trigger – já vos disse que tenta ser à força uma sequela espiritual de Secret of Mana? – e é necessário indicar que o sistema de combate é limitado, até quando apresenta algumas opções de personalização, como novas habilidades e a adição regular de novas Armas.
Também é importante indicar que o seu estilo visual é desinteressante, com cenários muito básicos – que seguem as regras do género até ao tutano, com biomas como florestas, montanhas, cidades de gelo, fogo e afins – e um design de masmorras que nunca desafia a forma. Ora salas com inimigos, ora salas com puzzles, ora corredores ou escadas. Mas é impossível não sentir o calor da manta de memórias quando as cinemáticas animadas dão vida à arte de Raita Kazama e pontuam a ação como fizeram há 20 ou 30 anos atrás. Esse é o tipo de jogo que Trinity Trigger. Isso e muito parecido com Secret of Mana.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Decibel PR.