O clássico da PlayStation está de regresso com um ligeiro lifting, novos modos, extras e com zero vontade de fazer novos amigos.
Na sua estreia, Tomba! não foi o que podemos considerar como um lançamento de sucesso. Aquele que viria a ser o seu estatuto de clássico só surge anos depois, longe da PlayStation e do seu fortíssimo catálogo de exclusivos, numa era onde vários títulos de 32 bits começavam a ser descobertos por um novo público. Apesar de ter originado uma sequela, Tomba!, produzido pela extinta Whoopee Camp, talvez tenha tentado fazer demasiado numa era onde o experimentalismo ainda fazia parte da linguagem do game design, mas cujos resultados nem sempre eram apreciados pela indústria. Com as suas várias faces, nem todas elas em harmonia umas com as outras, o jogo de plataformas tentou ir além dos sistemas convencionais do género e fazer mais com a sua fórmula. No entanto, o que era Tomba! para o público de 1997?
A resposta mais convencional será identificá-lo como um jogo de plataformas em 2D, onde navegamos através de vários cenários repletos de desafios físicos que envolvem, maioritariamente, a utilização da habilidade de salto para chegarmos ao final de cada prova. Através do salto, Tomba é capaz de alcançar as plataformas, agarrar-se às saliências das mesmas e, até, ativar a escalada de edifícios que lhe permite alcançar novas zonas sem esforços. O salto também é utilizado em combate e, à semelhança de outros jogos do género, temos de saltar para cima dos inimigos para ativarmos a opção de arremesso para os derrotarmos. Também existe uma arma mais tradicional, na forma de uma bola de picos, que podemos utilizar para atordoar as criaturas do jogo, mas o salto é a mecânica principal com a qual interagimos com o mundo de Tomba!.
No entanto, a resposta não é satisfatória e fica cada vez mais incompleta à medida que analisamos e desconstruímos os vários sistemas que se encontram presentes em Tomba!. É verdade que temos um mundo 2D, numa perspetiva sidescrolling, que navegamos de forma semelhante a um jogo de plataformas, mas a jogabilidade não se limita ao género. Isto porque Tomba! não utiliza sequer uma campanha dividida por níveis e as suas várias zonas interligam-se para construir um mundo mais consistente, cujas zonas podemos revisitar sempre que queiramos. Existem plataformas, postes e outros auxiliares para utilizarmos, mas Tomba! injeta mecânicas RPG na sua fórmula ao permitir que a personagem não só evolua à medida que derrota os vários tipos de inimigos, mas também possa equipar calções que introduzem novas habilidades. Até a arma secundária pode ser substituída por outras melhores ou com diferentes tipos de ataque.
O mundo de Tomba! disfarça a sua linearidade e distingue-se constantemente da estrutura dos jogos de plataformas da época. É um jogo mais aberto e centrado na exploração, ainda que nunca perca a sua perspetiva e foco na navegação através de plataformas e dos tradicionais saltos do género. Na verdade, até a perspetiva pode ser contestada, já que a ação do jogo desdobra-se entre dois planos – dianteiro e traseiro -, permitindo-nos navegar através de dois caminhos diferentes que dão ao mundo do jogo uma profundidade de campo falseada. Existem até momentos onde a câmara abandona por completo a perspetiva sidescroller e assume uma câmara quase top-down quando entramos numa aldeia, permitindo uma maior liberdade de movimentos.
Não podemos, portanto, definir Tomba! apenas como um jogo de plataformas, talvez mais como uma aventura com elementos RPG. Esta aposta sente-se especialmente na existência de missões secundárias que podemos iniciar à medida que exploramos e falamos com todos os NPC. Podemos encontrar um objeto que dá início a uma longa aventura que nos coloca em busca de uma personagem ou então podemos receber uma missão diretamente dos NPC. Assim que começamos um dos objetivos secundários, temos uma nova abordagem sobre as zonas que exploramos anteriormente e começamos a reconhecer melhor os seus recantos à procura de uma resolução para a demanda que recebemos. Então exploramos e deparamo-nos com uma saudável variedade no level design e na forma como Tomba! equilibra os vários planos da jogabilidade com zonas escondidas que requerem uma maior destreza no salto e na navegação através das zonas de plataformas. Com tanta variedade, ainda que mascarada pelos sistemas dos jogos de aventura e plataformas, não é de estranhar que Tomba! fosse um videojogo difícil de caraterizar, como se o seu estatuto de culto lhe estivesse destinado à partida.
Em 2024, 27 depois da sua estreia, Tomba! não é tão indecifrável, antes um prelúdio para muitas das mecânicas e sistemas que encontramos atualmente no género de plataformas. Na verdade, talvez arrisque e vá mais longe na minha teia de elogios e conclua que Tomba! já era um sinal para a dissolução das bases rígidas dos géneros de videojogos, abraçando um estilo híbrido que hoje é tão comum – onde encontramos, por exemplo, mecânicas RPG em quase todos os jogos de ação e aventura. Graças à Limited Run Games e ao excelente Carbon Engine, Tomba! chega assim a um público muito mais aberto ao seu experimentalismo mecânico e ao tom humorístico que jorra o absurdo, com Tomba! Special Edition. É um jogo que tem uma alma atual, conservado no tempo, cuja idade só é sentida na rigidez dos seus controlos e na dificuldade pouco equilibrada, ou justa, que encontramos na jogabilidade – tal como a sua insistência em não ajudar os jogadores e a direcioná-los nos puzzles e missões mais crípticos.
Tomba! continua a ser uma experiência frustrante, se não jogarem dentro dos seus moldes. Não podemos abordar este clássico da PlayStation como se fosse inteiramente um jogo de plataforma, e como já definimos, Tomba! é tudo menos uma experiência previsível. Os saltos e o controlo da personagem não envelheceram graciosamente, e existem momentos frustrantes quando tentamos completar as sequências de salto como se estivéssemos perante um jogo que apenas procura ser um jogo de plataformas. Na verdade, Tomba! é metódico e cada salto deve ser bem pensado antes de ser realizado porque nem sempre sabemos o que nos espera do outro lado. Um salto pode falhar e ficamos indefesos perante um inimigo ou então o campo de visão, que podia ser mais afastado para que pudéssemos ver mais, não nos permite ter a certeza do que se encontra numa plataforma mais afastada. A navegação é mais lenta e funciona melhor quando temos de analisar melhor o espaço à procura de possíveis perigos, mas também do melhor caminho e dos itens que necessitamos para completar as missões secundárias.
Tomba! Special Edition não é uma remasterização ou uma tentativa de modernizar demasiado a versão original. A nível visual, Tomba! apresenta-se com uma resolução pensada para as plataformas e televisões atuais, com visuais mais legíveis fora das CRT, mas não encontramos novos modelos ou um trabalho profundo de modernização. É o mesmo jogo com os meus gráficos que encontrámos em 1997, só que adaptado para as plataformas atuais. As novidades surgem através dos extras. A Limited Run Games e as suas reedições através do Carbon Engine têm sido impecáveis no que toca ao acrescento de conteúdos adicionais. Se quiserem jogar Tomba! sem quaisquer modificações, não se preocupem, mas se procuram uma experiência mais variada e acessível, então podem contar com: novos filtros, save e load states, rewind, etc. Basta carregarem no R2 ou L2 para terem acesso a estas funcionalidades adicionais. No que toca a extras, a Special Edition conta com material promocional e vários vídeos sobre a produção de Tomba!, incluindo entrevistas com os criadores.
Tomba! estava destinado a ser um jogo de culto, mas a sua longevidade e popularidade podiam nunca chegar a um novo público se a Limited Run Games não arriscasse no seu relançamento. A preservação de videojogos volta a ser um tópico importante e progressivamente mais necessário quando olhamos para casos como Tomba!, um jogo tão experimental e anticonformista que podia ter ficado perdido para sempre numa consola há muito descatalogada. Tomba! não só está de regresso, munido de uma edição repleta de amor, como já foi confirmado que a sequela terá o mesmo tratamento. Mais um jogo salvo do enorme buraco negro que se expande em redor da história dos videojogos. Portanto, experimentem Tomba! e descubram um dos jogos mais peculiares da PlayStation original, com verrugas incluídas.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Overload PR.