The Jesus and Mary Chain no Coliseu de Lisboa: Regresso ao presente

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O regresso dos irmãos escoceses Jim and William Reid marca o regresso de umas das bandas mais representativas das sonoridades noise-pop e shoegaze dos anos ’80. Estamos a falar, como é obvio, dos The Jesus and Mary Chain, banda de East Kilbride (Glasgow), actualmente em tournée europeia depois de ter estreado o álbum Damage and Joy (Artificial Plastic Records) em 2017. Depois de anos de luz e sombra (a ruptura de 1999 devida aos conflitos internos dos dois irmãos Reid), a banda volta a reunir-se em 2007, mas só após dez anos decide apresentar um novo álbum.

No ano passado, os JAMC deram um concerto em Vilar de Mouros, juntamente com os The Mission e os Primal Scream de Bobby Gillespie, ex-baterista dos Jesus com os quais gravou o álbum de estreia “Psychocandy” em 1985. Houve quem dissesse que o concerto do passado dia 28 de Maio, no Coliseu de Lisboa, foi ainda melhor que o anterior.

O sabor do anos 80 voltou, mas não só como uma reminiscência, uma celebração de uma glória passada: a setlist foi uma combinação certa dos grandes sucessos dos anos 80 e 90 (que todos os fãs querem ouvir, para, por um momento, voltarem a ser adolescentes de cabelo desleixado e estilo post-punk) e do álbum mais recente.

Qual foi o maior tributo musical que os JAMC nos deixaram? Sem dúvida, a capacidade de conjugar as sonoridade do post-punk inglês (por exemplo dos Joy Division) com um sabor pop da New Wave na construção das melodias. Foram ainda os primeiros na década de 80 a reapropriar-se do feedback e distorção da guitarra para criar um ambiente ruidoso, primitivo e de forte impacto.

É tudo isto, misturado com o garage rock dos Stooges, as experimentações dos Velvet Underground e as modalidades de produção de Phil Spector. A banda de Glasgow tornou-se, de facto, percursora, assim como os My Bloody Valentine e os Cocteau Twins, do género shoegaze e foi de inspiração para muitas bandas de rock alternativo dos anos ’90.

Os primeiros álbuns, Psychocandy, de 1985, e Darklands, de 1987, são as produções mais representativas do seu estilo e ficarão sempre ligados à imagem da banda de Glasgow.

Considerados por muitos como os Sex Pistols dos anos 80 pelas irreverências mostradas no palco (os concertos de uma quinzena de minutos onde a banda tocava de costas viradas e destruía os instrumentos) que, às vezes, acabavam em brigas, os JAMC foram frequentamente contrariados pelos meios de comunicação e passaram também por censuras por causa das letras explícitas sobre a droga, a política ou a religião e pelos espetáculos turbulentos.

No concerto do Coliseu, encontrámos toda a intensidade de uma banda reconciliada (à luz das relações turbulentas dos irmãos Reid), que não abrange só o seu passado mas que sabe abordar o presente. Há muito do último Damage and Joy (produzido com o apoio de Youth, já baixista dos Killing Joke) e é mesmo com a música “Amputation” que abrem o concerto, à qual se seguem as faixas mais familiares “April Skies”, “Head on” e “Blues for a Gun”. A exibição é rock’n’roll puro, onde a guitarra de William Reid é omnipresente e inconfundível. Os jogos de luzes fazem parecer os músicos quase como silhuetas fantasmagóricas. A atitude álgida do cantor Jim Reid, com os seus gestos essenciais, é aquela de um frontman que sabe como lidar com o publico.

É agradável a balada “Black and Blues” que acolhe no palco a cantora Sky Ferreira, à qual se seguem as atmosferas sabbathianas de Moon Rider, a guitarra fuzz de “Far gone and out” e o punk ramonesiano de “Beetween Planets”, que faz saltar todos. Mais um mergulho no passado com “The Snakedriver” (lembram-se do filme The Crow com Brandon Lee?), “Teenage Lust” e o evergreen “Cherry Came Too”. “All Things Must Pass” é uma das melhores do último álbum, mas o momento mais excitante é o clímax final da faixa velvetiana “Some Candy Talk” em conjunto com “Darklands”.

Não falta o feedback das guitarras ao estilo JAMC de “Reverence”, quase um tributo aos Stooges (a repetição do refrão “I wanna die” faz lembrar “I wanna be your dog”). Após uma rápida pausa, é impossível fechar o concerto sem “Just Like Honey”, faixa-manifesto da banda, escolhida também pela realizadora Sofia Coppola como parte da banda sonora do filme Lost in Translation (2003). Entre o niilismo de “Cracking up” e o delírio barulhento de “In a Hole”, seguimos até ao final com a sonhadora “War on Peace” e a irreverente “I Hate Rock’n’Roll”.

Antigamente, os concertos dos JAMC acabavam por causas de rixas. Sem dúvida, acontecia num clima cultural e socialmente diferente, numa época onde também o espectáculo podia representar uma experiência forte, às vezes inconsciente. Agora (felizmente) já não costuma ser assim, embora estejamos a perder uma certa emotividade “à sombra” dos nossos smartphones. Foi muito bom ver que isso passou para segundo lugar no Coliseu. A maioria dos fãs antigos, mas também as caras mais novas largaram os telemóveis para curtir o concerto, num encontro temporal onde o passado e o presente se juntaram.

O mérito dos JAMC é o de terem segurado este “fil rouge” geracional, sendo coerentes com o próprio percurso artístico, sem fazerem paródia de si mesmos.


 

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