Uma estreia nas consolas que acontece demasiado tarde e que acaba por revelar mais os problemas de The Glass Staircase do que servir como uma boa introdução para um jogo lançado originalmente há quatro anos.
2019 foi há quatro anos. Para aqueles que passam o seu tempo, livre ou mais ocupado, na Internet, certamente que a vossa perceção levar-vos-á a pensar que quatro anos são, na verdade, muitos mais; talvez mil anos ou até outro exagero. O que importa notar é que muito acontece em quatro anos e cada vez mais é impossível parar a máquina do tempo. Vivemos numa era de excessos, do lixo do bom ou do bom-bom, onde é cada vez mais fatalmente difícil encontrar uma direção, um norte, na indústria dos videojogos. Quando The Glass Staircase foi lançado em 2019, a indústria era um monstro diferente, o género de terror ainda estava longe de entrar na fase em que se encontra agora. The Glass Staircase caiu na cena independente como uma pedrinha no charco, cujos salpicos apanharam aqueles que mais importavam: os que procuravam a nostalgia, o voltar atrás no tempo, a era dos áureos e inesquecíveis – mas 2019 foi há quatro anos.
Se gostam de terror e se têm acompanhado o género nos últimos quase dez anos, o nome Puppet Combo ser-vos-á familiar e com todo o mérito. O estúdio, ou mais one man show – fundado por Benedetto “Bem” Cocuzza –, protagonizou a crescente onda revivalista do género de terror com uma aposta no estilo visual dos 32 bits, o ruído da fita dos VHS, as histórias de baby-sitters contra assassinos mascarados ou dos conceitos extrassensoriais do experimentalismo italiano. O catálogo da Puppet Combo assumiu-se desde cedo como uma enorme e saudável prateleira de clube de vídeo, daquelas que se encontravam escondidas, às vezes bem ao alto para disfarçar as capas sugestivas com que chegavam ao mercado.
O mérito da Puppet Combo não foi conquistado apenas pela imitação, há valor na sua interpretação do género, até porque sem o seu input, acredito que a atual era de terror não seria igual. Alguém tinha de partir e reconstruir o caminho, e a Puppet Combo – ao lado de nomes como Acid Wizard Studio (Darkwood), THROW THE WARPED CODE OUT (Back in 1995), Red Candle Games (Detention), Team Salvato (Doki Doki Literature Club!), entre outros –, arrecadou o título de revivalista e reintroduziu no género muito do que se achava perdido. Esta aposta não tardou a aliciar os youtubers da época, algo que hoje já seria impossível, e os seus jogos chegaram a um público mais vasto. Babysitter Bloodbath, Power Driller Massacre, Feed Me Billy ou Stay Out of the House são títulos que certamente reconhecem mesmo que não os tenham jogado.
Mas faltava, no entanto, um verdadeiro regresso aos primórdios do terror. Se The Night Ripper utilizava a imagética do género e as narrativas baratas dos filmes em que se inspirava, a Puppet Combo ainda não havia captado a alma dos videojogos clássicos. Os planos fixos, os cenários pré-renderizados, mais expansivos e assentes na descoberta de chaves, a gestão de inventário, a sensação de claustrofobia e o número sufocante de inimigos que nos perseguem. É aqui que entra The Glass Staircase. Para todos os efeitos, é a primeira tentativa séria em emular séries como Resident Evil e Silent Hill, mas com um estilo e ambiência próximas aos clássicos do cinema italiano, como Phenomena (Dario Argento) ou The Beyond (Lucio Fulci). O casamento perfeito entre as sensibilidades da Puppet Combo com as exigências do género. Em 2019, foi um sucesso. Não foi a primeira homenagem ao género, mas foi certamente das que mais impactou a comunidade no seu lançamento.
Quatro anos depois, The Glass Staircase é um caso de estudo sobre os efeitos do tempo. Desde 2019, a indústria dos videojogos não parou e recebemos novas homenagens, como Tormented Souls, Signalis e até o recente Crow Country; comparações desonestas no que toca à qualidade, mas que demonstram como o género evoluiu em apenas quatro anos. Se The Glass Staircase procurou ser uma homenagem rápida e pouco profunda ao género, então cumpriu o seu objetivo no lançamento original, mas reencontrá-lo na sua estreia nas consolas é um levantar do véu sobre os seus maiores problemas.
The Glass Staircase é repetitivo e limitado, algo que não parecia ser há quatro anos. Não há propriamente uma tentativa em adaptar a estrutura do terror de sobrevivência, antes moldá-la a algo que não a representa na sua totalidade. Apesar de estarmos presos numa mansão, onde encontramos chaves e documentos que aprofundam a sua narrativa – às vezes mais confusa e conflituosa do que satisfatória no seu payoff –, a campanha está dividida por quatro capítulos restritos e tão rígidos que ficamos cansados só com a sua apresentação. Em cada capítulo controlamos uma jovem que, após tomar um misterioso comprimido, é incutida de realizar uma tarefa simples: abrir uma porta, recolher uma encomenda, acender as velas que se encontram espalhadas pela casa. No final de cada capítulo, as jovens morrem e passamos à seguinte.
Durante um dos capítulos, ou dias, temos acesso a uma parte restrita da mansão, onde podemos investigar algumas das salas, corredores e quartos. Fora os diários e cartas já mencionadas, não há nada para vermos. A maioria das portas estão fechadas, cujo acesso está restrito à progressão da história, e não existem objetos de interesse para descobrir ou analisar. É um jogo despido de distrações, onde a estrutura baseia-se a andar do ponto A ao B para ativar uma cinemática que nos transporta automaticamente para o dia seguinte. The Glass Staircase partilha pouco da alma que alimentou alguns dos maiores nomes do género e assume-se mais como um elo perdido entre alguns dos primeiros títulos da Puppet Combo e a sua tentativa em homenagear os clássicos.
O último dia é o momento mais próximo de encontrarmos homenagem sincera ao género, com a mansão a disponibilizar novas zonas e uma nova missão nas suas catacumbas. Não temos acesso a puzzles, claro, mas a campanha volta a aproximar-se das mecânicas e objetivos que popularizaram os títulos da Puppet Combo: navegar os cenários interligados à procura de itens/alavancas que desbloqueiam a saída. A diferença é que The Glass Staircase não apresenta desafios durante esta fase e obriga-nos a caminhar por cenários mais extensos, mas novamente vazios. Então caminhamos, ativamos alavancas e esperamos que algo faça sentido.
O verdadeiro ponto de viragem acontece quando enfrentamos uma das jovens supostamente mortas, naquele que é o primeiro confronto do jogo. Afinal existe um propósito para a espingarda que transportamos. Infelizmente, a mira automática é demasiado solta, é difícil ter uma ideia certa do local para onde estamos a apontar devido ao ângulo da câmara e à profundidade de campo. Se a mira não se centrar rapidamente no nosso inimigo, ficamos desarmados enquanto tentamos mover a mira na sua direção. Para ajudar, os inimigos são maioritariamente rápidos, com AI limitada, então correm para nós a toda a velocidade e perseguem-nos sem discernimento. O combate não é satisfatório e não merece toda a antecipação que a campanha lhe deposita.
A reta final não é propriamente difícil, antes repetitiva, agravada por um mau sistema de checkpoint. Após derrotarmos a criatura que nos persegue, um enorme fogo despoleta pela mansão – tal e qual o momento de autodestruição que tanto encontramos nos jogos Resident Evil – e temos de escapar rapidamente. Neste momento, The Glass Staircase decide transformar-se num filme de Lucio Fulci, onde os mortos-vivos levantam-se dos seus caixões e passam a decorar os corredores claustrofóbicos da secção inferior da mansão. Então temos de escapar, eliminar os zombies que surgem ou então evitá-los, mais as chamas, para conseguirmos regressar ao andar superior. Esta sequência não é injusta, muito menos tão intensa como poderá parecer, e é até possível alcançarem a saída sem dispararem um único tiro da espingarda – talvez precisem apenas de utilizar o kit de primeiros socorros, que só se encontram disponíveis em pontos fixos da mansão –, mas o sistema de checkpoints não está equilibrado. Depois de fugirmos, somos novamente perseguidos pela enorme criatura, agora mais rápida e implacável. Se morrermos, voltamos ao início da sequência final e teremos de repetir tudo. The Glass Staircase não é suficientemente bom para este tipo de tormenta – aliás, nem sequer é um bom jogo.
Mas The Glass Staircase serviu um propósito, liderou uma revolução e pavimentou um caminho que ainda hoje é percorrido por tantos outros criadores que cresceram com o género de terror e sobrevivência. Infelizmente, os ponteiros do relógio não foram amistosos e a cada passagem tornaram The Glass Staircase obsoleto. Esta experiência da Puppet Combo já não é uma boa representação do género e defendo que nem serve como homenagem, antes uma experiência que não envelheceu bem. A Puppet Combo é muito melhor do que The Glass Staircase e basta olhar para o seu catálogo atual para compreendermos como se insere atualmente na comunidade. Este lançamento também é uma prova para o crescimento dos projetos independentes, das homenagens e revivalismos, onde tanto aconteceu desde 2019 que um pequeno jogo, que procurava combinar o terror dos videojogos com a sensibilidade do cinema de terror italiano, agora não é mais do que uma experiência pouco convincente. Fiquem pela banda sonora de MXXN, que ainda vale a pena, mas não esperem reencontrar o clássico que talvez viram no YouTube há quatro anos atrás.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Puppet Combo.