The Alters – Review: A tua história contra o tempo

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The Alters é um jogo único. Único na medida em que junta diferentes tipos de jogos num só pacote, onde o caos da gestão de recursos e um contra relógio constante determinam todas as escolhas que devemos tomar no papel de liderança.

Há algum tempo que seguia The Alters, o novo jogo da 11 Bit Studios, a produtora polaca de jogos de sobrevivência e gestão, como This War of Mine e a saga Frostpunk. Trata-se de um jogo mais ambicioso do que os seus antecessores, culminando ideias e conceitos que a equipa já conhece, agora com valores de produção mais elevados e uma mistura de elementos que, por muito interessantes que sejam, requerem muita atenção e paciência dos jogadores.

Não me considero um jogador muito paciente ou capaz de assimilar muita informação ao mesmo tempo, e admito que essa foi uma barreira difícil de ultrapassar à medida que ajudava Jan, o nosso protagonista, na procura de recursos para colocar a sua estação de investigação em funcionamento e, assim, sair de um planeta inóspito e exótico onde caiu sozinho, sem sobreviventes que o acompanhassem. Mas há uma luz de esperança. Ao conseguir comunicar para fora do planeta, Jan é confrontado com um dilema: para sobreviver, terá de se clonar – um processo que é controverso e eticamente questionável por si só, mas que neste mundo ganha uma nova dimensão, quando cada clone “nasce” já adulto e com memórias e personalidades das vidas alternativas de Jan. No fundo, o nosso protagonista vai buscar as suas versões alternativas de outros universos, a quem é dito que a sua vida nunca foi real. É pesado, é estranho e extremamente aliciante.

Aliás, a parte narrativa de The Alters é, para mim, o ponto alto. Não por ser propriamente extraordinária, muito menos pela sua entrega – que por vezes recorre a cartões visuais em vez de cinemáticas –, mas pelo poder da interação com diferentes versões do nosso protagonista ao longo desta aventura, com as quais teremos de criar laços, forjar amizades, gerir conflitos e, em alguns casos, tomar decisões bastante difíceis. Há um grande peso de influências RPG em The Alters, na forma como navegamos nesta história, numa espécie de “choose your own adventure”, onde, através de uma linha temporal, escolhemos pontos específicos da vida de Jan para criar um novo clone – momentos traumáticos, divergências de vida, quebras de relacionamentos, etc. – com especificações únicas (cientista, mineiro, médico, técnico de máquinas, entre outros). Depois, temos de lidar com as personalidades de cada um, atribuir-lhes funções, garantir que estão saudáveis e assegurar outros cuidados extra.

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The Alters (11 Bit Studios)

Tudo é extremamente excitante, na medida em que tudo pode acontecer, nada é seguro e, no fim, abre espaço para muitos caminhos alternativos, oferecendo ao jogo um nível de rejogabilidade muito interessante. Um exemplo interessante da minha viagem aconteceu ainda muito no início, quando um dos clones de Jan, na sua linha temporal, havia perdido um braço num acidente. Ao “nascer” e ser confrontado com o conceito de que é um clone e que a sua vida tecnicamente nunca existiu, o trauma da perda do braço e sua confiança existencial levam–o a amputá-lo novamente. Um momento que criou uma enorme tensão entre os outros clones e, claro, com o jogador (eu) ao controlo de Jan, que se deparou com a possibilidade de perder um elemento importante da equipa caso não fizesse algo, ao mesmo tempo que tem de lidar com tudo o resto que o jogo propõe.

The Alters não é só conversas e amigos. Na verdade, todo este aspeto narrativo que serve de pitch de elevador é apenas uma camada de um título mecanicamente denso, que requer muita atenção e capacidade de análise também noutras áreas. A narrativa é, assim, um de três grandes pilares, sendo os outros dois a microgestão profunda de recursos e do funcionamento da estrutura móvel circular que serve de hub principal, e a exploração em busca de recursos num planeta alienígena que nos quer matar apenas com a sua atmosfera.

Com uma apresentação e navegação reminiscente de um Fallout Shelter, a nossa central adota uma perspetiva semelhante a esse spin-off da série da Bethesda, também já usada em This War of Mine da 11 Bit Studios. O jogo nesse momento torna-se “2D”, e aqui navegamos entre diferentes divisões como quartos, refeitório, centros de comunicação, laboratórios, carga, entre outros. Com um espaço relativamente limitado – mas expansível à medida que avançamos -, o jogo desafia-nos a usar as nossas aptidões de arrumação e gestão, criando os espaços necessários e organizados como peças de Tetris, da forma mais eficiente possível com os espaços ao nosso dispor. É um processo interessante, por vezes demorado, também ele baseado em decisões fulcrais. Porém, é onde o jogo é mais calmo e zen.

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The Alters (11 Bit Studios)

À medida que começamos a navegar entre salas e pelo seu elevador, o jogo pode tornar-se caótico. Os elementos mais “jank” começam a revelar-se através de animações quebradas e transições visuais estranhas, aliadas a uma sensação de desorientação elevada, mesmo com indicadores visuais para onde ir – tornando a organização dos espaços importante até para nos localizarmos e trabalharmos a memória. Já fora desse hub, The Alters torna-se num jogo de exploração tridimensional mais tradicional, na terceira pessoa, com uma atmosfera algo semelhante à de Death Stranding, com uma pitada de No Man’s Sky. Aqui não temos armas ao nosso dispor, tão-pouco inimigos para derrotar, mas somos incentivados a procurar recursos, acumulá-los, criar pontos de extração, atribuir postos de trabalho aos nossos clones e procurar atalhos ou formas de ultrapassar barreiras invisíveis e outros fenómenos estranhos que podem ser fontes de recursos importantes. A exploração é uma excelente parte do jogo, que poderia ser extremamente relaxante, à medida que picamos uma rocha aqui e acolá, ou fazemos uns scans em torno de zonas ricas em recursos — não estivéssemos sempre numa constante corrida contra o tempo. Aliás, tirando a gestão das divisões do hub e navegação em menus, o tempo está sempre a contar, com este revelar-se no recurso mais importante de todos.

The Alters é uma bomba constante prestes a explodir. Todas estas ações demoram o seu tempo e há necessidade de gerir muito bem as nossas decisões. Devemos acudir um clone em apuros, ou arranjar uma divisão em risco? Vamos explorar ou produzir materiais e instrumentos? E quando o jogo nos propõe fazer tudo isso mais rápido? Os dias são contados em “horas” de trabalho preciosas, que funcionam como uma barra de energia, a qual teremos de carregar quando se esgota. Cada noite que passa fecha um ciclo e, de X em X ciclos, o nosso hub é afetado por uma tempestade solar – ou seja, defesa e preparação de equipamento tornam-se extremamente importantes. The Alters atira-nos assim para um ciclo de escolhas e malabarismo de eventos, por vezes a um ritmo alucinante, enquanto temos “a sala a arder”. É fácil entrarmos numa espiral caótica, onde somos confrontados com Game Overs que nos obrigam a repetir porções substanciais de progresso.

Tudo seria extraordinário em The Alters, com o seu caos, repetições e tudo o resto – não fosse o jogo um pouco opressor por querer ser tudo ao mesmo tempo, com menus, instruções e painéis de controlo tão profundos e intimidantes como um sistema operativo. Se colocar as mãos “em ação” com os elementos mais dinâmicos é divertido, menos divertido é navegar nos menus do jogo: gestão de recursos, atualização de ferramentas, alocação de trabalhos e investigações. Cada vez que o jogo me incentivava ou pedia para fazer uma investigação a uma nova ferramenta ou recurso – o qual demoraria tempo e exigiria repensar os elementos, ingredientes e materiais em falta ou em excesso –, o meu interesse em continuar a sessão de jogo caía a pique, pois acabava por se revelar uma nova barreira num sistema de mecânicas entrelaçadas onde, ao mínimo descuido, nos deparamos com um nó.

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The Alters (11 Bit Studios)

Após encontrar um Game Over por não estar preparado para uma explosão solar – que me obrigou a repetir uma a duas horas de jogo –, o receio de falhar esta minha versão da história voltou a instalar-se ao ultrapassar esse momento, adicionando uma camada de desespero que não me interessava particularmente. Especialmente quando grande parte da repetição não se focaria em interações ou escolhas diferentes, ou em recuperação de materiais, mas sim na navegação de menus.

The Alters é um jogo extremamente ambicioso, rico em ideias interessantes e com uma fantástica execução onde importa — nomeadamente na sua narrativa ramificada, no incentivo a conhecer as diferentes personalidades do protagonista e na promessa de uma viagem única de jogador para jogador, ou até de revisitação. Apesar de algumas barreiras mais difíceis de suportar, pela natureza de querer misturar demasiadas mecânicas, The Alters destaca-se precisamente pela sua fusão de ideias, que resulta num tom intenso, claustrofóbico e até filosófico, com níveis de emoção não muito diferentes dos de um jogo de terror, onde não sabemos o que vai aparecer na próxima esquina, ou de um jogo de sobrevivência onde somos rodeados de inimigos e só temos “uma bala”. Aqui não há monstros, nem paredes fechadas, apenas um relógio a acelerar e o sucesso de uma missão inteira nas nossas mãos.

Cópia para análise (PC) cedida pela 11 Bit Studios.

David Fialho
David Fialhohttps://echoboomer.pt/
Licenciado em Comunicação e Multimédia, considero-me um apaixonado por tecnologias e novas formas de entretenimento. Sou editor de tecnologia e entretenimento no Echo Boomer, com um foco especial na área dos videojogos.
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