Uma coleção de peso, com dois clássicos absolutos do género, que fará as delícias de qualquer fã, e que foi, infelizmente, a confirmação que não sou um enorme fã de Suikoden.
Este é um texto que escrevo com total consciência da minha falta de consideração para com uma série que deveria não só conhecer melhor, como respeitar com maior graciosidade. Não é a primeira vez que me cruzo com Suikoden, criado por Yoshitaka Murayama e editado pela Konami, e foram várias as vezes em que aventurei pelas suas realidades marcadas por sonhos revolucionários, impérios em guerra e a esperança dos mais jovens por um futuro melhor. Na verdade, joguei Suikoden II há muitos anos, tal como Suikoden III, IV e V graças ao poder da emulação quando estes jogos já eram considerados como raros na Europa. O meu maior crime foi nunca ter terminado nenhuma das suas campanhas e agora, sem o filtro da época e com menos paciência, a série Suikoden surge mais como uma mera curiosidade do que propriamente uma série que considere imperdível.
Não escondo a minha falta de objetividade, não há motivos para tal. O legado de Suikoden é enorme e nunca será propriamente esquecido, e esta remasterização – tal como o anúncio de um novo jogo para mobile, Suikoden Star Leap, e ainda uma nova série animada – é um claro sinal de que a série da Konami merece uma segunda oportunidade. Apesar de não ter adorado o meu tempo com Suikoden I&II HD Remaster: Gate Rune and Dunan Unification Wars, aguardo com curiosidade a possível remasterização dos títulos seguintes, nomeadamente Suikoden III, que nunca chegou à Europa. Também reconheço as suas qualidades, como ambas as narrativas, sempre centradas na luta de classes, na rebelião contra o império aparentemente indestrutível, onde traição, camaradagem e compaixão marcam a narrativa de jovens que se veem marcados pelos traumas da guerra.
Este foco na luta e união reflete-se de forma única na jogabilidade, onde podemos recrutar até 108 personagens únicas – mais a nível visual, já que as habilidades e atributos repetem-se entre elas – e fundar o nosso próprio exército, juntamente com uma base que evolui e cresce ao longo da campanha. Em combate, a colaboração também é uma mecânica fulcral, já que Suikoden II introduziu os ataques em combinados que dependem de personagens específicas e até do seu posicionamento em campo. É um saudável regresso ao icónico sistema de combate de Chrono Trigger, mas enaltecido não só pela inclusão de Runes – magias equipáveis e limitadas por número de utilização –, como pela possibilidade de termos seis personagens em campo e a enorme variedade de heróis que podemos escolher e evoluir.
Estas são mecânicas e funcionalidades que comprovam como a série Suikoden é única dentro do género, até quando a retiramos do seu contexto histórico. A qualidade é inegável exatamente porque existe algo único na sua experiência, nesta procura por novos aliados num combate infindável contra os horrores da guerra. Então porque me sinto tão indiferente perante dois jogos clássicos que, noutra época – talvez até noutra vida -, alimentariam facilmente a minha imaginação? A resposta poderá ser simples: falta de paciência. No seu cerne, ambos os jogos são clássicos na sua forma. Fora a busca pelas 108 personagens, a campanha move-se dentro dos moldes que reconhecemos numa aventura RPG, onde viajamos constantemente de cidade em cidade, masmorra em masmorra, enquanto conhecemos o elenco principal e descobrimos mais sobre o plano dos vilões. Os jogos políticos acontecem entre cutscenes simples, cuja escrita nem sempre é a mais memorável – mas aqui não incluo Suikoden II, que se destaca pela positiva – ou as suas personagens as mais profundas. Talvez sejam as décadas de experiência com as produções japonesas que agora condicionam o meu paladar e que me cansam devido ao seu classicismo.
No primeiro jogo, o level design também não é o mais empolgante e revelou ser mais linear do que me lembrava. O tamanho reduzido da grande maioria das masmorras poderá ser um ponto positivo se quiserem acelerar o processo de exploração, mas é provável que sintam esta escolha mais como uma limitação do que propriamente uma mais valia para a experiência que Suikoden procura proporcionar. Desde esgotos a cavernas e castelos abandonados, os caminhos raramente levam a desfechos improvável ou a puzzles que requerem a nossa atenção; antes pelo contrário, limitam-se à descoberta de baús com itens que nem sempre valem o esforço. Sinto-me a combater contra um design que já adorei no passado, mas em 2025, quando a paciência já é reduzida e a mente procura novidades, a linearidade tolda a diversão ao apostar num escopo tão limitado e pouco interessante.
O sistema de combate é o destaque e pouco tenho a apontar que seja fundamentalmente negativo, fora os picos de dificuldade em determinados momentos da campanha. No entanto, a duologia volta a demonstrar as suas rugas através de mecânicas e escolhas que havia esquecido completamente. A primeira é a limitação do inventário, um sistema muito utilizado na era 16 bits e que se mantém vivo através da série Suikoden, ao ponto de se tornar exasperante. Como os equipamentos contam como itens, o inventário rapidamente fica cheio e ficamos sem grandes opções no que toca à sua gestão. Ora equipamos as personagens, ora deixamos certas peças por equipar exatamente para termos espaço para itens de cura ou outros itens que possamos encontrar ao longo das masmorras. Este “troca e equipa” torna-se ainda mais moroso e cansativo quando queremos comprar itens e vemo-nos obrigados a fazer uma dança que já havia esquecido, onde trocamos itens entre personagens até podermos comprar os equipamentos que desejamos.
As Runes são uma escolha peculiar, até porque podemos equipar diferentes magias às personagens e alocá-las às suas armas, mas o uso limitado acaba por restringir a sua eficácia em combate. Nem sempre é o caso, admito, e tudo requer alguma gestão e até treino para desbloquearmos opções mais valiosas, mas a ausência de um sistema de MP é sentida e é frustrante ficarmos sem runas enquanto combatemos contra um boss. O mesmo pode ser dito da evolução das armas que, ao contrário das armaduras, não podem ser compradas ou trocadas. Em Suikoden, as armas só podem ser melhoradas através dos ferreiros, o que significa que os jogos estão constantemente a colocar-nos barreiras de progresso à nossa frente. É o mesmo tipo de limitação que qualquer outro RPG da época utilizaria – já que as novas armas ora estão em cidades diferente, ora escondidas em masmorras –, mas sinto-o mais limitador quando nem sequer podemos treinar para colecionarmos ouro ou pontos de experiência suficientes para garantirmos que temos acesso às melhores opções. Aqui a evolução acontece quando o jogo quer, por mais preparados que estejamos, já que os ferreiros estão limitados até a um certo nível por arma.
São irritações pessoais com dois jogos clássicos que têm – e sempre terão – um grupo saudável de fãs. É preciso ter muita lata, eu sei, mas o meu regresso a Suikoden foi desapontante. Como o David disse recentemente na sua análise a Assassin’s Creed Shadows, existem jogos que são verdadeiros casos de “não és tu, sou eu” e aqui calhou-me a fava. Se são fãs da série Suikoden, esta coleção é para vocês, nem pensem duas vezes. Os cenários foram retrabalhados, os sprites estão mais limpos e vibrantes, existem opções de acessibilidade – como a possibilidade de acelerarmos a velocidade dos combates e até um botão que ativa o combate automático, sem precisarmos de estar sempre a acionar essa opção -, é possível fazer saves automáticos e até os efeitos sonoros foram melhorados nesta reedição. Suikoden I&II HD Remaster: Gate Rune and Dunan Unification Wars não é uma mera conversão, há amor pelo legado da série e é impressionante comprovar que a Konami não se limitou a largar ambos os jogos no catálogo do PlayStation Plus com poucas opções de personalização ou melhorias. É uma coleção que muitos esperavam há anos e que é muito bem-vinda – mas é também um quebrar da ilusão para mim e a realização de que talvez não seja tão fã da saga como pensava ser.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Konami.