Star Wars Outlaws oferece uma das melhores concretizações digitais da galáxia de Star Wars. É imersivo, é belo e divertido de se jogar. Só lhe fica a faltar uma história mais focada, emocionante e bem-apresentada, com todos os bons ingredientes que oferece.
Uma das coisas mais fascinantes em Star Wars é que todos nós temos uma história com Star Wars. Mesmo até quem não tem uma ligação com a lendária franquia, terá certamente uma anedota para contar, tal é a presença da mesma nas nossas vidas. “Décadas de histórias” significa que todas as gerações têm uma espécie de porta de entrada e, como tal, as expectativas por novos filmes, séries e, neste caso, videojogos, diferem de pessoa para pessoa, ao contrário da mente coletiva e tóxica que encontramos nas franjas mais irrelevantes da comunidade.
Nos seus meios originais, cinema e TV, o consumo é fácil e aquilo que nos é entregue é igual para todos – com exceção das circunstâncias pessoais de cada um. É bi-dimensional. Há uma história contada num sentido temporal, no qual acompanhamos em igual ritmo e nos são apresentadas sempre as mesmas peças de informação narrativa, mitológica e visual. Num videojogo, a absorção destas histórias e desses mundos é bem diferente. O público torna-se num agente ativo, age de acordo com a usa própria urgência e curiosidade, explorando os espaços virtuais de forma mais livre e, por extensão disso, acaba por ter experiências muito singulares e únicas, dignas de partilhar com amigos – e do outro lado receber anedoticamente outra história. É a magia dos videojogos. E Star Wars Outlaws é precisamente um desses jogos.
A nova aposta virtual no universo criado por George Lucas na década de 70 é-nos trazida pela Ubisoft Massive – um dos mega estúdios da Ubisoft que muitos reconhecerão de séries como The Division e, mais recentemente, por nos terem trazido Avatar: Frontiers of Pandora -, que teve a difícil tarefa e desejo de nos entregar uma experiência Star Wars que considera autêntica ao material original.
Esse ambicioso objetivo é cumprido, especialmente a nível artístico, apostando na era original da saga, com Star Wars Outlaws a passar-se entre dois filmes da primeira trilogia, The Empire Strikes Back e Return of the Jedi. É claro o trabalho monumental e autêntico na recriação visual e temática de Star Wars, com uma linguagem visual altamente familiar e a representação de ambientes, personagens e adereços tal e qual como os imaginamos e vemos nos nossos ecrãs em mais uma maratona dos seus filmes.
Este aspeto é particularmente notório a meio da nossa jornada quando aterramos em Tattoine, o famoso planeta dos dois sois, que podia ser “uma seca descomunal” – dado que é um planeta deserto -, mas a autenticidade da atmosfera, dos adereços, das personagens, das suas ruas, dunas e rochedos, tornam Star Wars Outlaws numa autêntica viagem por um parque temático e, por vezes, num verdadeiro museu, naquela que é, provavelmente, a representação virtual mais autêntica desta região de Star Wars num jogo até à data, onde até os fãs mais acérrimos não terão qualquer problema em saber a localização d’A Cantina, ou da Doca onde encontramos a Millenium Falcon pela primeira vez nos filmes. Em cima disso, temos um mundo que transmite uma ilusão de vida incrível, com ruas populadas, NPCs a “viverem” a sua vida, Stormtroopers e outros sindicados a controlarem as ruas, etc. É uma maravilha.
O nível de autenticidade no ecrã estende-se, obviamente, a outros aspetos mais recentes da mitologia Star Wars, como os complexos militares e tecno-brutalistas do Império, o infame casino de Canto Bight em Cantonica (de The Last Jedi), ou o planeta Kijimi (de The Rise of Skywalker), também eles aqui trabalhados de forma espetacular com imensos objetivos e histórias por descobrir, ao mesmo tempo que acrescentam alguma riqueza ao cânone unificado entre filmes, séries e jogos. Porque sim, Star Wars Outlaws existe dentro da mesma linha temporal das restantes histórias dos outros meios.
Com um formato “open world”, Star Wars Outlaws é, na verdade, constituído por cinco mundos abertos de dimensão francamente satisfatória, sendo divertidos de explorar, diversos e com a sua própria identidade. Para um jogo desta escala e vindo da Ubisoft, poderia ser um problema, com todos os clichés que a produtora francesa adora aplicar aos seus jogos, nomeadamente em Assassin’s Creed e Far Cry. Felizmente, o meu tempo com o jogo foi surpreendentemente livre desse pensamento. Em momento algum encontrei “torres de controlo” ou sistemas de RPG irritantes, ou colecionáveis desnecessários que alimentam o artifício de nos manter ocupados agarrado ao comando por horas a fio, ou até mecanismos de “Game as a service” escondidos. Na verdade, Star Wars Outlaws não só se demonstrou muito mais relaxado nesse aspeto, como em vez de me obrigar a fazer missões que não queria, ia-me convidando a fazer as suas sidequests com promessas de oferecer algo de útil em troca, fosse um novo elemento estético, um upgrade para a nossa arma e/ou veículos, ou até pontos para fortalecer os laços com os diferentes sindicatos do jogo – algo que ao longo da jornada foi transformando a forma como ia explorando as várias regiões.
Enquanto mundo de Star Wars, para explorar e brincar, Star Wars Outlaws é perfeito. Aliás, diria mesmo que, quanto mais o jogava, mais gostava dele, e os aspetos menos positivos eram eclipsados pela imersão e ilusão de existir neste mundo. Mas como já devem ter imaginado, Star Wars Outlaws infelizmente está longe de ser perfeito.
Em Star Wars Oulaws acompanhamos Kay Vess, uma “fora da lei” que batiza esta história, que procura pela sua liberdade enquanto vagueia pela Galáxia, cruzando-se com outros foras-da-lei, rebeldes, criminosos e caçadores de prémios, à medida que constrói uma equipa para um ambicioso assalto. No fundo, é a concretização de “e se Han Solo tivesse o seu jogo?”. Kay é precisamente uma personagem como Han Solo, com o seu próprio carisma e identidade, que conta com um passado triste que pouco é trabalhado para fazer crescer esta personagem.
Na verdade, um dos meus maiores problemas com Star Wars Outlaws não se deve tanto com a sua premissa, história, personagens ou mitologia, mas a forma como a Massive escreveu a sua narrativa e a implementou no jogo, com o mesmo a acabar por ser apenas uma “sand box” de atividades. E é pena.
Ao longo de dois terços do jogo exploramos este mundo rico e participamos nas suas atividades propostas e, à medida que a narrativa principal, as suas mainquests vão-nos guiando para novos locais e situações, mas sem grande urgência ou desenvolvimento de personagens. Os plot points mais importantes não têm direito a cinemáticas bem compostas ou momentos emocionantes, fundindo-se apenas com missões de infiltração como tantas outras, com destaque para três ou quatro missões maiores que servem de pretexto para cameos de personagens dos filmes, porque lá está, é Star Wars e esta galáxia tem que ser muito “pequena” para agradar aos fãs.
Esta estrutura resulta numa resolução narrativa a um ritmo acelerado, mas sem peso emocional ou sem carga suficiente para sentirmos a fasquia elevada que nos é proposta, que novamente converge para a linha temporal sagrada de Star Wars, com a adição de novos elementos canónicos.
O terceiro ato narrativo surgiu-me com uma mensagem de “ponto-sem-retorno-até-acabar-o-jogo”, juntamente com personagens importantes que, até aqui, viviam fora do nas nossas aventuras, impingindo-nos ligações emocionais pouco ou nada desenvolvidas. Algo que me levou a questionar nesta fase “porque é que eu, enquanto Kay Vess, me devo importar por estas personagens e por esta crew?” Star Wars Outlaws merecia bem mais neste aspeto, e é pena, porque a ideia de “crew numa nave” não é um conceito novo e já o vimos a ser trabalhado várias vezes de forma mais eficaz.
O fraco trabalho narrativo também se deve à falta de elementos cinemáticos. São poucos e simplórios. Os momentos de ação explosiva são relegados para momentos de jogo, entre missões de ação furtiva, de exploração à la Uncharted, confrontos de tiro, perseguições e um pouco de combate espacial. Mas Star Wars Outlaws não é propriamente espetacular ou perfeito nestes momentos e, acima de tudo, carece especialmente de cenas e sequências emocionantes ou memoráveis cinemáticas, isto é, aquelas vinhetas de desenvolvimento narrativo, exposição e diálogos que ajudam a cimentar esta aventura e tornar a sua jornada verdadeiramente emocionante.
Aqui, Star Wars Outlaws entra em conflito com a sua ambição. Se, por um lado, a Massive implementou técnicas visuais – que não dão para desligar – de filtros de distorção de imagem que emulam a aparência de filme, tudo inspirado nos filmes originais, por outro não trabalha o jogo de forma cinemática o suficiente para nos oferecer essa experiência autêntica. É, no mínimo, frustrante, e que soma à lista de pequenos nitpicks que poderiam ser trabalhados de forma bastante fácil, dando mais liberdade ao jogador. Outro exemplo de coisas das quais o jogador não tem qualquer controlo é no sistema de saves e checkpoints durante missões de infiltração, onde os minutos de progresso se vão acumulando sem um ponto de segurança, criando uma enorme sensação de insegurança e ansiedade.
A minha jornada com Star Wars Outlaws foi no PC, com recurso a uma GeForce RTX 4090 GAMING OC 24G, uma das mais avançadas placas gráficas no mercado, que foi usada em todas as suas capacidades, graças ao suporte de tecnologias exclusivas à serie RTX 4000 da NVIDIA. Entre elas temos a geração de frames no DLSS3 e reconstrução de raios, que ajudam a aumentar o desempenho do jogo mesmo em altas resoluções como 4K. Uma das grandes novidades do jogo, para uma configuração destas, foi o recurso ao RTXDI, uma tecnologia exclusiva da NVIDIA, que é basicamente um Ray-Tracing em esteroides, onde todos os pontos de luz do jogo emitem luz de forma realista e autêntica com efeitos altamente visíveis, na qualidade de sombras e refração de cores pelo ambiente. No entanto, é uma tecnologia bem taxativa e, ainda que tenha sido possível jogar uma grande parte do jogo a uns confortáveis 60FPS a 4K com todas as definições no máximo, não consigo afastar o sentimento de que não passa de uma função ainda experimental e instável.
O único aspeto negativo a nível visual e desempenho deve-se ao já referido uso obrigatório de efeitos de pós-processamento, que infelizmente degradam um pouco a imagem aos meus olhos, algo que pude comprovar com injeção de mods de remoção desses efeitos que me apresentaram um jogo visualmente bem mais limpo e atraente.
Felizmente, todo os primeiros elogios aqui partilhados neste texto e a sua jogabilidade no mínimo funcional foram o suficiente para me deixar maravilhado com esta recente aposta da Ubisoft. Ao ponto de sentir que, se a história de Star Wars Outlaws fosse removida, poderia continuar a adorar o jogo. Quando mais jogava mais queria explorar estes mundos, o que é extraordinário por si só e algo que só acontece nos meus jogos favoritos, aquela vontade de simplesmente “existir lá” e deambular por todo o lado, como um Red Dead Redemption 2, um The Witcher 3 ou um Cyberpunk 2077. E não faltam atividades, fetch quests e outras missões para nos manter entretidos e motivados a espreitar todos os cantos do jogo.
Star Wars Outlaws é, definitivamente, um bom jogo, e até um bom jogo de Star Wars, mas é também, sem dúvida alguma, mais uma aposta recheada de ótimos ingredientes narrativos que acabaram por ficar um pouco malcozinhados. O meu desejo agora é que a Massive e a Ubisoft não abandonem as bases e os pilares aqui apresentados e, se tiverem oportunidade, que nos tragam uma sequela, não maior que não é preciso, mas mais focada e narrativamente mais emocionante.
Cópia para análise (versão PC) cedida pela Ubisoft.
GeForce RTX 4090 GAMING OC 24G usada neste jogo cedida pela Gigabyte.