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Split Fiction não é apenas um excelente jogo cooperativo, mas uma experiência memorável que desafia as convenções do género e que eleva a fasquia para futuros títulos do mesmo estilo e não só.

Há dois tipos de jogos extremamente difíceis de analisar e separo-os em duas categorias. A primeira dá lugar aos medíocres, aos videojogos que não deixam marca, que entram nas nossas vidas e saem com a mesma graciosidade de uma rajada de vento. No fundo, são os videojogos que não ofendem e muito menos procuram inovar. A segunda categoria é caraterizada pelos videojogos que são tão bons, tão memoráveis e ricos que nos preenchem na totalidade, ao ponto de ficarmos sem palavras. Ambas as categorias levam o problema que mais aflige o crítico: o que dizer sobre um videojogo que me diz zero ou que diz tudo para mim? Para minha sorte, Split Fiction encaixa na segunda categoria e vejo-me a pensar: o que dizer sobre um jogo que encheu as medidas?

Relevado bem recentemente, nos últimos The Game Awards, Split Fiction é mais um projeto visionário de Josef Fares e da sua equipa da Hazelight, que a cada novo jogo abraça as possibilidades mais interessantes deste meio interativo para elevar a experiência de jogo a novos patamares em quase todas as suas dimensões. A cooperação tem sido o foco central da Hazelight, quase desde o primeiro projeto – Brothers: A Tale of Two Sons –, brincando com o ecrã-dividido e adicionando tarefas que só podem ser finalizadas com dois jogadores. Não há espaço para a experiência individual nos projetos de Fares, uma decisão premeditada e levada ao seu extremo mecânico em Split Fiction. É o aperfeiçoar da fórmula.

Não é, portanto, de estranhar que Split Fiction roça o perfeito em quase tudo o que esperamos de um jogo e em alguns casos até superou as minhas expectativas, especialmente considerando que é um jogo de média produção, parte do programa de jogos independentes EA Originals, mas que consegue ser mais rico, interessante, longo, diverso e polido que muitas apostas consideradas “AAA” – sem precisar de meia década de produção para ver a luz do dia.

A meio da minha jornada, de cerca de 11 horas, vim-me a questionar o meu irmão se Slit Fiction poderia entregar mais e voltar a surpreender-nos. Estávamos convictos que só nos faltava “um bocadinho”, praticamente na reta final da campanha, e podem imaginar a nossa surpresa quando entramos na verdadeira segunda parte de Split Fiction. Não quero entrar em spoilers, porque acredito que as suas maiores surpresas devem ser experiências na primeira pessoa, mas a segunda metade do jogo é incrível e culmina num final espetacular, que pode ser descrito como uma catarse mecânica a níveis mirabolantes, facilmente comparado à visão de um Yoko Taro num NiER: Automata – excluindo a sua complexidade narrativa.

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Split Fiction (Hazelight)

Em Split Fiction conhecemos Mio e Zoe, duas jovens adolescentes que aspiram a ser contadoras de histórias. Mio adora ficção científica futurista, já Zoe abraça a fantasia medieval e mágica. As suas personalidades também não poderiam ser mais diferentes, com Mio a apresentar-se como uma loba solitária e anti-social e Zoe mais energética e de espírito livre.

Ambas visitam a tecnológica Rader, uma alegada editora de histórias, que, por razões que o jogo não se quer debruçar muito, tem uma máquina que é capaz de oferecer aos autores a possibilidade de visitarem as suas histórias. Mio rapidamente desconfia destas “inovações tecnológicas” e numa disputa com o CEO da editora – o vilão do jogo – acaba por tropeçar e cair no mundo de Zoe, com as suas mentes criativas a, eventualmente, misturarem-se.

Split Fiction é a fuga de um mundo estranho, uma espécie de Isekai – para os fãs de manga e de anime – mas também é uma clara carta de amor aos videojogos e um grito de revolta ao estado da indústria, onde a utilização da “inteligência artificial” assalta a nossa criatividade através de treino e repetição das artes. Esta é, pelo menos, a minha interpretação de uma mensagem bem clara e em linha da personalidade do autor do jogo, Josef Fares, também conhecido como o tipo do “F*ck the Oscars”.

No entanto, a narrativa de Split Fiction é muito mais do que isso. É uma história de progresso, de crescimento e de algo que todos nós nas nossas vidas eventualmente nos confrontamos: o luto e a sensação de desamparo e perda de forças. A cada nova atividade, nível e pequena história, descobrimos o que move Mio e Zoe, quais as raízes das suas histórias, o que as tornaram nas pessoas que conhecemos inicialmente e naquilo que, com o poder da amizade e da cooperação, se poderão tornar depois.

A forma como o jogo aborda estes temas não é gratuita, barata ou lamechas, é calma, pausada, por vezes bastante séria e extremamente humana, revelando um extraordinário nível e controlo de escrita, quer de cenas e até de diálogos, que são suportados por uma excelente direção cinemática, fantásticas animações e fenomenais prestações de Kaja Chan e de Elise Bennet enquanto Mio e Zoe, que me fizeram acreditar que estas pessoas e os seus laços emocionais eram reais.

Não tendo jogado o anterior It Takes Two, todos estes elementos que elogio apanharam-me de surpresa de forma bastante intensa, até porque esperava outro tom devido à imagem que tinha de Fares. A Way Out foi o meu último contacto com um jogo dele e apesar de tocar em alguma humanidade, esse foi um jogo em que senti muito menos maturidade, dada a sua natureza. Por outro lado, posso comprovar, mesmo saltando o título anterior, que Fares não se deixou ficar apenas pelas mecânicas cooperativas dos seus jogos e continuou a evoluir até como contador de histórias.

Todo o seu lado emocional e narrativo, é também sustentado pela excelente apresentação, polida, colorida e variada, assim como a componente de jogo mecânica. De forma simples, é um jogo, como os anteriores da Hazelight, que requer obrigatoriamente dois jogadores, que, ao longo da aventura, se ajudam mutuamente a ultrapassar desafios e puzzles ambientais. O que torna Split Fiction diferente é a extensa variedade de situações apresentadas que mudam quase de 5 em 5 minutos, apresentando novas mecânicas e ambientes. Jogado na terceira pessoa, Split Fiction é um dos jogos mecanicamente mais ricos que já joguei e igualmente intuitivo, fácil de ler e de perceber imediatamente o que fazer.

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Split Fiction (Hazelight)

Existe uma curva de aprendizagem e de conforto aos controlos, com níveis inicialmente simples e lineares, mas que deixam imediatamente antever um ritmo tão incrível que uma hora de jogo mais parece ter sido quatro ou cinco. No geral, Split Fiction, que durou 11 horas, pareceu ter sido mais longo e, felizmente, bem recheado e satisfatório graças à variedade de desafios e situações caricatas que encontramos ao longo da campanha. Esta sensação de preenchimento é extremamente rara em jogos contemporâneos e algo que aprecio imenso, apesar de compreender que pode parecer uma contradição. Por vezes, não interessa o quão longos os jogos são quando cronometrados, mas aquilo que nos fazem sentir, ocupando-nos com os seus objetivos, premissas e emoções. E Split Fiction fá-lo de forma extraordinária e memorável.

Split Fiction é um jogo simples, ou, pelo menos, apresenta-se assim, formando uma bola de neve cada vez maior e mais rica tanto a nível de história, crescimento de personagens, variedade de situações e mecânicas e, obviamente, de espetáculo.

À medida que a bola de neve cresce, os mundos expandem-se e somos apresentados a side-stories, com ambientes diferentes inspirados nas histórias de Mio e Zoe, e eventualmente os dois mundos começam a cruzar-se de formas tão surpreendentes que devem ser experienciadas em primeira mão.

Se a história principal tem um excelente ritmo e diversidade, as side-stories são um dos pontos altos de referência de Split-Fiction. Estas funcionam, obviamente, como side-missions e são para todos os efeitos opcionais, mas as quais considero obrigatórias, pois não só enriquecem a história e as personagens, como oferecem fantásticas novas oportunidades de jogo, onde as nossas personagens se transformam noutras criaturas e, por vezes, objetos. Também foi durante uma dessas side-stories onde a Hazelight fez um excelente “flex” na produção áudio de Split Fiction, que é, no geral, fenomenal, mas que é elevada a novas alturas, com um conjunto sons bombásticos, num nível reminiscente do memorável nível das shockwaves de INSIDE.

Parte da dificuldade em descrever ou partilhar a minha experiência com Split Fiction, reflete, na minha opinião, quase todos os aspetos positivos do jogo. Mecanicamente, a lista de formas de jogar é interminável, mas poderão espreitar trailers e até análises mais visuais para compreender isso. Visualmente, transborda charme e a sua apresentação é acompanhada por cenários e sequências de cortar a respiração, e a sua história é emocionalmente tão surpreendente e envolvente que merece ser experienciada em primeira mão.  

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Split Fiction (Hazelight)

Mas quanto mais escrevo e penso na minha experiência, enquanto tento evitar tocar em spoilers que podem estragar qualquer uma das surpresas do jogo, vejo-me perante o desafio que indiquei no início. Posso descrever mecânicas, mas a reação a essas mecânicas e como elas se constroem ao longo da campanha, esse desafio já não é para as letras. É preciso pegar no comando e jogar Split Fiction. Tudo está no seu devido lugar, não há nada a criticar porque a satisfação foi maior do que qualquer problema técnico ou narrativo. Medidas enchidas a 100% e recomendação garantida. Comprem.

Considero que Split Fiction não é apenas um excelente jogo cooperativo, mas uma experiência memorável que desafia as convenções do género e que eleva a fasquia para futuros títulos do mesmo estilo e não só – o meu desejo é que existam mais jogos desta escala, com este nível de polimento e carinho. Mais do que um jogo tecnicamente fantástico, Split Fiction é uma celebração da criatividade e do poder das histórias, tanto dentro como fora do ecrã, e sem dúvida alguma uma das experiências mais marcantes dos últimos anos, tornando-se, ainda no início de 2025, um fácil candidato a Jogo do Ano.

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Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Electronic Arts.

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