- Publicidade -

O amor é uma maldição em Sorry We’re Closed, um jogo de ação e aventura que se assume como uma homenagem aos títulos de horror enquanto procura uma nova identidade mais narrativa e provocante.

Há três anos, a relação de Michelle e Leslie terminou. Não conhecemos os motivos que levaram ao final da relação e não sabemos como o rompimento afetou emocionalmente Leslie, mas para Michelle, a vida foi interrompida. Três anos depois, Michelle ainda sonha com o regresso de Leslie e não consegue voltar a casa sem verificar primeiro a caixa de correio na espectativa de encontrar a tão aguardada carta da ex-namorada. A cada hora que passa, numa existência dividida entre o trabalho monótono numa loja de conveniência e o convívio desapegado com amigos e vizinhos, a saúde mental de Michelle definha. Enquanto os dias se entrelaçam e perdem a sua forma, onde as horas são minutos e os minutos são eternos, Michelle foge para casa e esconde-se da realidade. No trabalho, ela é assaltada pelas visões de Leslie, agora uma atriz de renome, protagonista de uma das maiores séries da atualidade, mas durante a noite, a tormenta é outra. Michelle foi amaldiçoada pela Duchess, uma demónio à procura de amor, e ela só vai parar até conquistar o coração de Michelle.

Em Sorry We’re Closed, o amor é analisado através da sua vertente transformativa. Amar é crescer, assumir uma nova existência, despir a pele, onde um passa a ser dois. Esta mudança é aceite de braços abertos, o mundo assume outra perspetiva, descobrimos coisas novas sobre nós próprios e aprendemos a descortinar o que antes era tão difícil de compreender. O ato de amar e pertencer é decifrar o que antes era confuso. Mas o amor pode não ser eterno. No caso de Michelle, foi o fim da sua relação que a transformou. Se o amor dá, este também tira e despe-nos do que pensávamos ser. Sentimos um vazio, uma ansiedade e até raiva por tudo o que está à nossa volta. A história de Michelle é um espelho para esta perda, não só através da sua história com a Duchess, que a persegue ferozmente ao longo da campanha, mas também do elenco secundário, perdidos entre relações incompreendidas, outras impossíveis ou até as que nunca deveriam ter acontecido. Mas a perda e os efeitos desse amor são sentidas até ao fim, tal como a obsessão em querer voltar a amar e a ser amado, ao ponto do desespero. E aqui, o amor torna-se numa maldição que não conseguimos superar.

A história de Michelle nem sempre é a mais empolgante, apesar do seu tema tão forte e humano, devido ao seu ritmo. Apesar de apreciar a forma como consegue criar ramificações interessantes ao longo da campanha, que se dividem por múltiplos finais e macro-decisões que alteram o destino das personagens, os diálogos de Sorry We’re Closed são desequilibrados e muitas vezes demasiado insistentes. A à la mode games procurou encontrar um meio termo entre a jogabilidade dos survival horror com o foco narrativo dos jogos de aventura, mas algumas cinemáticas mereciam ser encurtadas para não só suavizar a passagem de informação – estamos perante uma realidade de anjos e demónios, separada por várias zonas principais e níveis únicos –, como para introduzir melhor as personagens e não cansar os jogadores com momentos de exposição sem grande payoff. Neste ponto, os momentos de diálogo com a Duchess são um destaque, com a vilã a seduzir-nos a cada fala, a aproximar-se deliberadamente de Michelle, a cansá-la aos poucos e a tornar-se inevitável – assumindo-se como a única capaz de parar a dor de Michelle para que esta possa amar novamente.

O que também é soberbo é a direção de arte de Sorry We’re Closed. As cores vivas e berrantes dos cenários, o design minimalista e poligonal das personagens, o UI estilizado, o uso da iluminação para não só guiar o jogador, como enaltecer a ambiência das zonas principais revelam uma experiência com um cunho pessoal forte. Há muito carinho na forma como Sorry We’re Closed se expressa e mesmo que possamos não apreciar o desenho e cor de todas as personagens, a arte dos retratos – pela mão de C. Bedford – certamente comprovam este olhar cuidado que guia o design do jogo. Foi a arte que me cativou inicialmente e só depois a jogabilidade e a sua aproximação aos clássicos de terror e sobrevivência convenceram-me que estava perante um novo clássico do género.

sorry were closed review echo boomer 2
Sorry We’re Closed (à la mode games)

Em parte, Sorry We’re Closed é simultaneamente uma homenagem aos survival horror e a sua deturpação formal. Se, por um lado, temos a utilização de ângulos pré-definidos, gestão de recursos, combates tensos e o foco em puzzles simples, mas que requerem a descoberta de um item ou chave, por outro, a à la mode games altera a estrutura da campanha para abraçar uma divisão por níveis mais fechados, colocando o foco de HUB principais – através do hotel da Duchess e depois na cidade onde Michelle mora, cujo regresso é marcado por um sistema de dias –, mas também ao construir-se sobre ramificações narrativas que alteram a progressão das personagens e a aposta numa mudança de perspetiva sempre que entramos em combate. No fundo, Sorry We’re Closed constrói-se na contradição e no equilíbrio entre a aventura e horror sem nunca escolher definitivamente um dos lados.

A exploração e a navegação são os elementos mais familiares, com os cenários construídos em torno de cenários em 3D, mas limitados à perspetiva das câmaras estáticas – os movimentos de câmara são muito limitados – que procuram criar maiores situações de tensão. A movimentação de Michelle não é tão restrita e direcional como nos clássicos de terror e os controlos trazem maior fluidez às ações – leia-se, não são tank controls –, mas o foco mantém-se na expectativa do que estará do outro lado do corredor ou o que se esconde por detrás de uma porta. Os cenários não são propriamente labirínticos, mas requerem alguma memorização porque não existem mapas em Sorry We’re Closed, limitando a ação a zonas mais restritas que se focam na resolução de um puzzle principal que precisamos de solucionar. A descoberta de chaves, ferramentas e documentos continua a ser basilar para a experiência do jogo e é mais um elemento que demonstra como a à la mode games compreende o género que procura adaptar.

O primeiro rompimento com a fórmula acontece através do sistema de Third Eye. Esta habilidade única de Michelle, que nasce através da ferida que tem na testa – a marca da maldição da Duchess e que se transforma num terceiro olho -, permite-nos ver o que é invisível ao olhar humano. Esta habilidade é limitada a um raio de efeito, mas revela uma nova realidade por detrás dos cenários quase sempre decrépitos e enferrujados das zonas principais. O que parece ser um caminho sem saída poderá transformar-se numa porta para uma sala anteriormente inacessível ou então um acesso a um dos artefactos que podemos colecionar no decorrer da campanha. O Third Eye também tem impacto nos combates e permite-nos não só atordoar as criaturas monstruosas, como ter acesso aos seus pontos fracos para que os possamos eliminar mais depressa.

O combate é uma das ideias mais interessantes de Sorry We’re Closed, mas que se torna maioritariamente satisfatória quando apostamos nas armas de longo alcance. Quando ativamos a mira, a perspetiva altera da terceira para a primeira pessoa automaticamente. Com Michelle preparada para o combate, a mobilidade é condicionada e só podemos controlar a câmara e atacar as criaturas que se aproximam. O combate procura ser maioritariamente de proximidade, com as criaturas à nossa frente, prontas para também atacarem, e o jogo esforça-se para tornar o processo mais acessível e intuitivo ao identificar o impacto dos golpes com o número de dano e com uma silhueta avermelhada a indicar que estamos suficientemente próximos para contra-atacar. Com as pistolas e espingardas, o combate é muito responsivo e rápido, mas se utilizamos o machado, o processo complica-se e nem sempre conseguimos ler as animações limitadas das criaturas para percebermos se estamos ou não a ser atacados enquanto lutamos pela nossa vida.

sorry were closed review echo boomer 4
Sorry We’re Closed (à la mode games)

A solução é depender do Third Eye, ao ponto de considerar que é indispensável para retirarmos alguma satisfação do sistema de combate. Através do Third Eye, nós temos acesso aos pontos de fraqueza dos inimigos, representados por corações coloridos que surgem em várias partes do corpo, e para eliminarmos mais depressa estas criaturas só temos de destruir estes pontos fracos. Se formos suficientemente rápidos, temos acesso a uma combinação perfeita, o que nos permite ativar rapidamente uma das habilidades especiais de Michelle – o Heartbreak -, que se torna essencial à medida que avançamos pela campanha. Se tivermos em conta que o Third Eye atordoa temporariamente os inimigos quando é ativado, aliado à revelação dos pontos de fraqueza, podem compreender o motivo pelo qual considero que a habilidade é tão essencial para a jogabilidade que quase não vale a pena entrar nos confrontos sem o seu auxilio.

Outro sistema que me apanhou de surpresa foi a possibilidade de melhorarmos os atributos de Michelle. Apesar da sua funcionalidade ser muito simplificada e trazer poucas novidades a nível funcional, é uma mais valia para a campanha e uma forma de motivar os jogadores a encontrarem todos os artefactos escondidos e a completarem as tarefas adicionais disponíveis. A única forma de termos dinheiro para comprarmos as melhorias é através destes conteúdos adicionais e ao vendermos os itens podemos adquirir maior dano para as armas, melhores atributos para o Third Eye e até aumentar o inventário de Michelle – que começa limitado a três itens de cura, o que é muito reduzido.

O amor transforma-nos. A forma como Sorry We’re Closed abraça este tema e o desenvolve através de uma ambiência mais surrealista, sem medo de tocar nos temas mais fortes e pessoais, olhando de frente para o impacto das relações humanas e como o fim de um relacionamento pode criar traumas que nos moldam para sempre é uma das suas vitórias. A arte e a narrativa conseguem suplantar alguns dos problemas mecânicos do jogo, até mesmo quando os diálogos são mais invasivos. A estrutura dividida por dias, aliada à utilização de níveis fechados, é uma boa abordagem ao género de terror porque expande a rotina e quotidiano de Michelle através da jogabilidade, obrigando-a a conhecer uma nova realidade de demónios e anjos enquanto o seu passado a persegue. Leslie continua distante, um eco que dura há três anos e que agora ameaça transformar-se na Duchess, sedutora nos seus maneirismos, provocante nas suas palavras e tudo aquilo que Michelle pensa querer para suavizar a dor da perda e da solidão. Uma abordagem diferente ao terror de sobrevivência, mais aventureiro do que assustador, mas sempre estimulante e com garras de ser original.

Recomendado - Echo Boomer

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Strange Signals.

- Publicidade -

Deixa uma resposta

Introduz o teu comentário!
Introduz o teu nome

Relacionados