Uma série que poucos recordam e uma sequela que ninguém pediu: assim é Snow Bros. Wonderland.
Entre os sons estridentes de colunas em final de vida, já ressequidas pelas nuvens de SG Ventil e Português Suave que amarelavam as paredes interiores, as luzes incansáveis do ecrã já queimados pelo tempo, cujos espectros mantinham vivos outras moedas e outras vidas, os salões de jogos proporcionavam uma experiência única para aqueles que queriam descobrir mais sobre o mundo dos videojogos. As cabines de madeira e plástico, às vezes sobre o formato de cockpits de aviões ou motas de corrida com mobilidade limitada, eram um portal para uma realidade que se mantinham distante daqueles que queriam encontrar a mesma fidelidade e qualidade gráfica em casa. A distância encurtava-se a cada ano que passava e a longevidade dos lounges de roubo, enganos e memórias já era prevista pelos mais atentos, mas foi lá onde cresci, ali no meio, na fauna lisboeta de uma feira que hoje nem um parque de estacionamento é, transformada num buraco que é como uma ferida no centro da cidade.
Numa visita à Feira, pude perder-me num dos seus salões de jogos, localizado numa das entradas. No salão da esquerda, gerido por amigos de pais e afins, conheci títulos como Mortal Kombat, Night Slashers, até Street Fighters II e Super Hang-On, mas entre os nomes mais conhecidos e que haviam de me ficar nas retinas e ouvidos para sempre, encontrei uma máquina singela num corredor com tantas outras que me podiam ter captado a atenção. A cabine estava descaraterizada, podia ser de qualquer outro jogo ou até de nenhum, mas a banda sonora atraiu-me. A música, os efeitos sonoros e depois as cores fortes dos cenários. No ecrã, dois bonecos esbranquiçados, diferenciados pelas cores dos seus chapéus e jardineiras – um de vermelho e outro de azul –, congelavam as criaturas inimigas e transformavam-nas em bolas de neve. No ecrã, o título lia-se “Snow Bros.: Nick & Tom”, mas para a minha mente, ainda em desenvolvimento, longe de saber o que era inglês quanto mais falá-lo, os hieróglifos podiam ter soletrado outra coisa qualquer. Naquele momento, Snow Bros. era o “jogo da neve” e assim ficou até o reencontrar anos depois.
O primeiro contacto com Snow Bros. ficou marcado na minha memória. O passar do tempo adocicou ainda mais aquela experiência rápida, de 50 escudos porque não tinha mais no bolso, e na minha mente, Snow Bros. era um jogo intocável de ação e plataformas. Estava longe de saber que se tratava de um pastiche de Puzzle Bubble – para não lhe chamar já de clone, mas era o que Snow Bros. era na verdade –, com um ritmo semelhante, mas substituindo as bolhas por bolas de neve e a possibilidade de aumentar a pontuação através da combinação de inimigos eliminados em sucessão pela bola de neve que havíamos criado. A experiência tradicional das árcadas, um entrar e sair rápido, motivado pelas moedas que se queriam perder, mas memorável para um jovem que conhecia apenas o mundo das NES e de uma SEGA Master System mal amada que ainda tinha casa. A memória ficou e Snow Bros. manteve-se como um clássico da infância, para sempre no coração, quentinho como uma manta de saudosismo.
Snow Bros. Wonderland é o seu oposto. É uma memória de final de tarde depois de ter caído do sofá e deixado entornar o café com leite que tinha na mão. É a irritação que não se consegue coçar, mesmo no meio das costas, que tentamos de tal forma alcançar que aleijamos a omoplata e o ombro na tentativa. É o equivalente a reencontrar um amigo de infância que começa a falar sobre política e que profere frases como “eu não sou X, mas…” para tentar vender o seu peixe podre. No fundo, Snow Bros. Wonderland é do mais aborrecido, sem sabor, irritante e desnecessário que joguei em 2024, e que vem numa missão que me estragar dezembro antes dele acabar. Mas admiro a sua lata, já que se posiciona como uma sequela à distância do tempo e do bom gosto para os títulos originais, colocando-nos no papel dos filhos de Nick e Tom, agora encarregues de parar o Rei Atchich, repetindo o que não era preciso repetir.
Entre cinemáticas que, ora têm diálogos, ora têm simples grunhidos ou frases inacabadas por atores que deveriam querer fugir da cabine de som para viverem as suas vidas em felicidade, Snow Bros. Wonderland constrói-se novamente como um jogo de ação e aventura, cooperativo até quatro jogadores – cada um com a sua própria cor, assim manda a regra –, dividido por níveis caracterizados por labirintos pensados para a rotação e navegação das bolas de neve. No entanto, a sequela à distância, ou separada à nascença – já que é desenvolvida por uma nova equipa, ainda que conte com a presença de antigos membros da Toaplan –, transporta tudo para uma ambiência 3D e diz adeus aos cenários fechados em 2D. O mundo de neve ganhou profundidade e os labirintos, como lhes apelidei, dão lugar a rampas, níveis superiores e inferiores, novas ferramentas e armadilhas – como painéis que aceleram as bolas ou então mudam as suas direções, entre outras –, e ainda níveis divididos por salas que mantêm o mesmo objetivo clássico dos jogos anteriores: eliminem todos os inimigos para seguirem em frente.
Com a dimensão extra, Snow Bros. Wonderland tenta encontrar um ponto de equilíbrio entre a jogabilidade imediata dos títulos originais e uma maior sensação de exploração e descoberta do género de plataformas e aventura, criando mapas ligeiramente mais extensos com segredos para colecionarmos e até missões secundárias únicas. Entre salas e zonas distintas, podemos colecionar chaves que dão acesso a caminhos secundários, onde encontramos estes extras do jogo, que servem também como incentivo à repetibilidade da campanha. O que também motiva uma segunda passagem pelos níveis da campanha, que são em maior número e divididos por seis zonas principais – ao ponto de se tornar rapidamente cansativo devido à velocidade lenta da jogabilidade e à duração dos níveis –, são os desafios ocasionais. Estes desafios surgem durante as salas individuais e muitas vezes sem aviso, relegadas a uma mensagem no lado esquerdo do ecrã, cuja leitura quase se confunde com o fundo dos cenários, e colocam os jogadores em corridas contra o tempo, à procura da melhor pontuação ou entre outras opções.
Entre as novidades e adições supérfluas à formula, onde podemos considerar ainda a aquisição de habilidades que adicionam atributos passivos aos irmãos de neve – ou então itens decorativos com chapéus, roupas, cores e outras distrações que servem o propósito da personalização, mas que revelam mais a longevidade desnivelada do jogo, apostando na recolha constante de moedas para justificar o regresso aos níveis aborrecidos –, encontramos uma jogabilidade que procura assumir-se como uma continuidade lógica para os títulos anteriores da Toaplan. Desta forma, Snow Bros Wonderlands apresenta-se com o mesmo foco na utilização de neve para prendermos as criaturas inimigas em bolas de neve que podemos, de seguida, utilizar como projéteis, onde cada criatura tem maior ou menos resistência aos ataques de neve, tal como um tempo definido para se conseguirem libertar da sua prisão gelada. Este é o foco da jogabilidade, a “crème de la crème”, o seu elemento único e diferenciador, que separa a série Snow Bros. dos restantes títulos do género.
Com a nova sequela, os filhos de Nick e Tom vêm munidos de novas habilidades que procuram tirar partida da terceira dimensão, respondendo a alguns problemas de design que poderiam nascer da adaptação a cenários mais extensos e menos estáticos. Agora é possível controlar a direção das bolas de neve e utilizar os cenários para fazer ricochete e apanhar um maior número de inimigos. A habilidade de pontapear a bola, para que ela continue a rolar pelo nível, também é bem-vinda, ainda que nem sempre seja prática devido à velocidade da mesma e à dimensão dos cenários. Mas podemos apontar e atirar as bolas de neve como queremos, e até aumentar a distância e velocidade dos nossos ataques, mas o esquema nunca muda. Os níveis seguem sempre o mesmo molde, separados por zonas só para expandir artificialmente a sua duração, com desafios semelhantes e uma mobilidade nem sempre polida ou divertida em campo, especialmente pela ausência de impacto e feedback em alguns movimentos e alguns bugs visuais.
Apesar de adaptar as mecânicas da série a um novo formato, Snow Bros. Wonderland é absolutamente aborrecido e esse aborrecimento nunca é diminuído pelos sistemas e novidades que apontei anteriormente. Os níveis ganham uma maior verticalidade à medida que saltitamos entre mundos e o leque de habilidades tenta aproveitar cada vez mais o level design das zonas, como a habilidade de atirarmos a bola para mais longe, mas a Tatsujin tentou expandir uma jogabilidade que se baseava numa experiência rápida e concisa. Com a aposta num formato mais próximo ao género de aventura, ainda que nem sempre assumida – já que o jogo mantém a alma clássica da saga ao relegar a ação a salas fechadas e à eliminação das criaturas –, os níveis expandem-se também e tornam-se cansativos. Em Snow Bros., nós queremos terminar os níveis rapidamente para colecionarmos as peças de sushi e derivados para que possamos ganhar mais pontos sem perdemos tempo. Em Wonderland, nós somos convidados a explorar salas e mais salas que apenas contêm as mesmas oportunidades de combate de sempre, agora em busca de moedas para colecionarmos itens decorativos que só servem como distrações. É quase a mesma coisa, só que mais longa e aborrecida, com um estilo visual enervante e até perturbador, cujos modelos contrastam com a arte original devido às suas proporções mais humanas – mas, ao mesmo tempo, de humanas têm muito pouco.
Fora das memórias dos velhos salões de jogos, dos locais que já nem existem, cujas cabines foram destruídas ou reapropriadas anos depois, qual é o legado de Snow Bros.? Quais são as memórias vivas que permanecem? E conseguirá Wonderland mudar isso e trazer um ressurgimento absoluto para a série? As respostas são negativas. O tempo já foi e não volta. Na verdade, Snow Bros. não teve o impacto na indústria dos videojogos como eu achava, ou sonhava, quando tinha oito anos. A vida continua e Wonderland falha na sua adaptação às sensibilidades atuais e como continuação de uma série que muitos já esqueceram. Sabem o que é mais irónico? Snow Bros. 2: With New Elves foi o último jogo produzido pela Toaplan antes de abrir falência. 21 anos depois, a Feira Popular de Lisboa foi encerrada e é atualmente um terreno vazio sem destino. Em 2024, agora 30 anos depois de Snow Bros. 2, Wonderland tenta reviver uma série que está integralmente presa ao tempo e falha. Há aqui poesia – má poesia, mas poesia ainda assim.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Games Branding.