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Os roguelikes são novamente o prato principal em Ship of Fools, naquela que é uma experiência divertida se jogarem em modo cooperativo.

Valham-me todos os deuses e monstros marinhos, mas Ship of Fools é das experiências mais enervantes e caóticas que tive o prazer de encontrar em 2022. Talvez “prazer” não seja a palavra correta, mas sim desprazer, azar ou até mesmo infelicidade, mas não quero ser demasiado negativo com um jogo que é, no seu cerne, sólido, bem pensado e envolvente quando jogado na companhia de um/a amigo/a. Mas a solo? Na solidão da nossa sala e sem uma única ajuda? Ship of Fools é um verdadeiro jogo de terror.

Ship of Fools é um roguelike, logo, tiremos de cima da mesa o que já é terreno comum no género. A campanha é assente no recomeço constante, com cada derrota a simbolizar que perdemos o progresso conquistado num dos seus vários mapas. O combate é desafiante, o ritmo de cada partida é elevado e é necessário recolher recursos preciosos (neste caso, tentáculos) para conseguirmos adquirir melhorias para a nossa personagem ou para o nosso barco. Isto é o mínimo esperado de um roguelike em 2022 e Ship of Fools corresponde às exigências do género sem trazer grandes novidades para cima da mesa, pelo menos no que toca à sua progressão. Também posso referir que existe, como seria de esperar, um ponto de controlo onde podemos adquirir itens, melhorar os canhões do barco e comunicar com as novas personagens que vamos encontrando nas nossas viagens pelas águas repletas de criaturas.

O que torna Ship of Fools numa experiência mais invulgar é a sua aposta num contexto menos popular, onde estamos retidos num pequeno barco enquanto navegamos por mapas extensos – que funcionam através de turnos, com cada movimentação nossa a representar um passo em direção ao boss daquele mapa -, e a sua forte componente cooperativa. Em Ship of Fools, o nome não poderia ser mais indicado. Como duas personagens tão destemidas, como imbecis, temos de aventurar-nos por vários cenários onde o prognóstico não será chuva, mas sim hordas de monstros. Para nos defendermos, temos à nossa disposição um remo que podemos utilizar para afastar os inimigos que entram no nosso barco – que funciona, já agora, como a nossa barra de vida -, mas também para refletir projéteis inimigos. No entanto, o remo está limitado pela sua própria natureza e serve apenas para ataque de proximidade. Se queremos atacar à distância e manter os inimigos longe do nosso barco – muitos deles voadores ou capazes de se esconderem na água -, temos de utilizar os canhões à nossa disposição. Estes canhões constituem grande parte da experiência mecânica de Ship of Fools e determinam também o ritmo de cada confronto, no sentido em que estão limitados pelo seu número de balas. Isto significa que temos de recarregar os canhões entre utilizações e para o fazermos temos de largá-los, afastar-nos e agarrar numa das esferas de munição para garantirmos que podemos continuar a ripostar.

Entre recarregamentos, tudo pode acontecer e é necessário gerir não só os nossos companheiros, como as balas, os tipos de canhões e até os inimigos que caem no nosso barco e que constituem um risco demasiado elevado para nós. O caos não demora a fazer-se sentir. Corremos de um lado para o outro, ora para mudar o posicionamento dos canhões – que podemos mover entre quatro pontos diferentes -, ora para atacar algum inimigo que nos escapou ou até arranjar um trecho destruído do barco. Cria-se assim o ritmo perfeito para uma sessão intensa de cooperação, onde cada jogador deverá realizar tarefas específicas se ambos quiserem chegar ao final de cada fase e enfrentar o boss. Se quiserem a comparação mais básica, pensem em Overcooked, mas ainda mais sádico.

Fora desta alegre e tensa cooperação, Ship of Fools surpreende pouco, com visuais coloridos, mas demasiado familiares, e uma banda sonora que se afoga entre efeitos sonoros. A progressão de cada mapa, que é composto por casas hexagonais, também não é muito surpreendente se já jogaram outros roguelikes – como Slay the Spire ou Inscryption -, onde cada jogada pode representar a conquista de uma vantagem positiva – como um novo baú com itens, a possibilidade de avançarmos uma casa adicional ou adicionar escudos ao nosso barco – ou um passo em falso, onde caímos numa emboscada que poderá ditar o nosso fim. Outro problema, talvez mais específico, é a experiência a solo, que é quase intragável e muito menos equilibrada devido ao número de tarefas e gestão que se exige de um só jogador. É de loucos. Não é impossível, as mecânicas, recursos e hipóteses estão lá, mas Ship of Fools pouco se importa com vocês. A única solução, se caíram neste buraco como eu, é fazer partidas, reunir tentáculos e melhorar lentamente o vosso barco para que possam ter alguma hipótese – e, mesmo assim, boa sorte para o primeiro boss.

2022 ainda não terminou e acho que já tenho um desejo para gastar com as minhas doze passas: ter menos roguelikes para analisar. O aumento de cabelos brancos não pode ser uma coincidência. Ship of Fools não é um mau jogo, não é sequer um tempo mal passado, mas joguem em modo cooperativo. Não tentem ir a solo – ou então tentem para não me sentir sozinho. Obrigado.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Team 17.

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