O título diz tudo: desmontem barcos e vendam as suas peças num simulador sem surpresas, mas perfeito para o seu público-alvo.
Os videojogos de simulação são quase imunes à publicidade enganosa. Se existem diferenças entre a atividade que procuram recriar num ambiente virtual e a sua adaptação para videojogo, que nem sempre é a mais realista – já que se encontra simplificada e destilada aos seus elementos mais basilares -, a verdade é que os simuladores conseguem emular sempre a experiência original. Querem ser agricultores e cuidar dos campos da vossa quinta? Farming Simulator proporciona-vos essa experiência. Sempre quiseram comprar uma casa para a remodelarem com o intuito da venderam depois? House Flipper é o vosso jogo, livre de questões morais. Se gostam de limpeza e já estão fartos de verem vídeos nas redes sociais sobre limpezas a jato, então experimentem Powerwash Simulator. Um título, uma experiência muito específica e que se constrói quase sempre em torno de uma atividade repetitiva, mundana e pouco entusiasmante que, sob o manto da interativa e gamificação, renasce como algo único. Ship Graveyard Simulator 2 é exatamente isso: repetitivo, sem surpresas ou picos de dificuldade. É o reflexo do seu título e consegue ser, ainda assim, viciante.
Oiçam, eu tenho um problema. Um problema que tenho vindo a evidenciar ao longo dos meus anos como crítico e é cada vez mais difícil não lhe dar o devido valor. Não sei se sou o público-alvo para a grande maioria de simuladores – não posso com Farming Simulator e não acredito que sonhe em ser polícia ou paramédico noutras ofertas da Aesir Interactive -, mas se um videojogo deste género oferece opções de limpeza, construção e desmantelamento de casas, veículos ou qualquer outro objeto inanimado, o mais provável é que eu retire alguma diversão do seu loop de jogabilidade. Não importa se são videojogos objetivamente bons ou se elevam a sua experiência com uma base mecânica sólida e variada: o que importa é se posso limpar coisas e depois destruí-las. Há muito tempo que descobri o meu gosto por limpeza e há algo no processo que me deixa cativado. Observar um espaço sujo a ficar progressivamente mais limpo, onde as paredes enegrecidas dão lugar às cores vivas da tinta que se escondida por baixo da sujidade, proporciona-me uma satisfação sem precedentes e o mesmo acontece quando passamos para um ambiente virtual. Esta é a minha existência e eu aceito-a.
Ship Graveyard Simulator 2 não envolve propriamente um extenso processo de limpeza, mas as tarefas repetitivas continuam presentes, só que agora direcionadas para a recolha de materiais e ao desmantelamento de enormes barcos encalhados. Não temos casas para limpar ou revender e muito menos temos de gerir enormes complexos industriais ou pequenos negócios para que possam florescer ao longo de meses, anos e missões. Em Ship Graveyard Simulator 2, nós somos um chefe serralheiro, responsável por uma operação de compra e desmantelamento de barcos. Com vários contratos por cumprir, que funcionam como missões secundárias e que requerem a recolha de itens e recursos específicos para que possam ser concluídos, o loop de jogabilidade passa pela exploração dos barcos adquiridos e a descoberta dos metais, químicos, plásticos e ácidos que podemos posteriormente vender. Para tal, temos à disposição várias ferramentas, como o martelo e a serra, que permitem a remoção de parafusos e estruturas metálicas para que possamos recolher os recursos preciosos.
Fora os contentores de mercadoria e as estruturas mais pesadas, tudo pode ser desmantelado, recolhido e depois vendido. Todos os parafusos, paredes, portas, painéis, janelas e até condutas de gás devem ser desmontados para que possamos não só aumentar os lucros do nosso chefe serralheiro, mas também abrir caminhos alternativos entre as várias salas e estruturas dos barcos. É satisfatório ver vários andares a caírem quando eliminamos a sua base, transformando-se em dezenas de peças que podemos recolher manualmente, ainda que não devemos descurar a ordem natural do processo, já que esta abordagem mais destrutiva poderá não ser a mais inteligente. Existem recursos que podem quebrar-se neste processo e os contratos poderão ser impossíveis de concluir exatamente porque não fomos cuidadosos na nossa abordagem. É suposto desmantelar o que for possível, mas é necessário ter algum cuidado no processo, já que podemos ficar condicionados a longo prazo.
Com os recursos seguros no nosso camião, agora só temos duas opções: ou completamos os contratos ainda abertos ou separamos os materiais. A primeira opção é a mais imediata e a que nos dá acesso ao dinheiro que precisamos para comprar melhorias e novos barcos. Assim que tivermos os recursos necessários para concluirmos um contrato, basta acedermos ao nosso PC para avisarmos o cliente e o processo é imediato. Os recursos são transferidos das nossas reservas e o dinheiro cai automaticamente na nossa conta. Com os contratos terminados – que não são obrigatórios, mas demasiado rentáveis para serem ignorados, já que o processo de desmantelamento e recolha levar-nos-á sempre a concluir os seus requisitos –, podemos separar os recursos que restaram. Através de um minijogo, dividimos os recursos por categorias e vemos as nossas reservas a aumentarem. O processo é rápido e se não falharmos na separação, iremos receber os recursos por inteiro e até ter direito a um bónus se o fluxo de materiais for elevado.
Com novos recursos, entramos na próxima fase do loop de jogabilidade, que se foca na melhoria das nossas ferramentas. Ship Graveyard Simulator 2 coloca-nos numa área ampla com uma praia extensa, onde os barcos ficam localizados, e uma vila improvisada com a nossa base, lojas e a fornalha. A nossa base pode ser utilizada para acedermos ao PC que, por sua vez, dá-nos acesso aos barcos e contratos que temos à disposição. Se tivermos dinheiro suficiente, podemos comprar e até recomprar os barcos que quisermos. Na loja, temos acesso a planos de melhoria para as nossas ferramentas, que só podem ser adquiridas com dinheiro. Cada ferramenta tem vários níveis de evolução que influencia o seu poder e rapidez, dois fatores que se tornam imprescindíveis ao processo de desmantelamento, já que ajudam a reduzir os tempos de espera. Com os planos, podemos finalmente melhorar as ferramentas e, para tal, precisamos dos recursos que temos em reserva. O processo é simples e requer apenas que tenhamos o dinheiro, planos e materiais necessários para a melhoria das ferramentas. Depois disso, só temos a possibilidade de manter os recursos que sobraram ou então vendê-los ao mercador.
E Ship Graveyard Simulator 2 é isto. O loop é este e não existe necessidade de mudar ao longo das 30 ou mais horas de conteúdos. É suposto ser assim, com rugas e tudo. Seja a primeira hora ou a trigésima, o processo mantém-se inalterado: comprar um barco, desmantelá-lo e depois vender as peças. Ship Graveyard Simulator 2 é um verdadeiro caso de “ou se gosta ou se odeia” e eu caio no primeiro campo. É um jogo bastante vazio em desafio e a jogabilidade nunca evolui além do processo de “retirar parafusos, serrar metal, deixar cair a parede e repetir”. Os barcos vão aumentando de tamanho e adicionando novos elementos que requerem maior cuidado na sua remoção, com o processo a depender progressivamente mais da grua que permite levantar objetos mais pesados, mas a jogabilidade nunca foge ao martelar constante. Este é o jogo, que não é sequer visualmente apelativo, repleto de modelos pouco definidos e com uma arte que não sabe bem o que quer ser. Apesar dos problemas, aqui estou eu, com várias horas terminadas e com vontade de continuar o processo de desmantelamento, perdido entre uma sensação de repulsa pela jogabilidade e a sua repetição, mas também absolutamente investido em ver todos os contratos terminados.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Ultimate Games.