Scott Kelly: feeling punk num folk sombrio

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Neurosis. É inegável que seja esta a primeira referência que ocorra assim que se lê o nome Scott Kelly. O coletivo de Oakland, Califórnia, do qual é guitarrista e vocalista desde a sua formação há mais de trinta anos, há muito que se tornou uma banda de culto nas sonoridades mais pesadas, desde os seus primórdios enraizados no hardcore/crust punk até às consequentes mutações atmosféricas e progressivas (por vezes até psicadélicas) embebidas em doom metal, sludge, post-hardcore e até ambientes tribais, resultando numa mescla tão própria que implicaria o início do movimento post-metal ou sludge metal.

No entanto, e além de outros projetos como Tribes of Neurot, Shrinebuilder ou Corrections House, a criatividade do americano também se repercute em produção a solo, desta feita numa toada folk (maioritariamente) acústica que, não transmitindo o peso pelo som, continua a ter uma carga emocional bem carregada. Foi neste registo, agora acompanhado por John Judkins, membro dos Rwake e ex-Today Is the Day, que a Amplificasom o trouxe novamente para duas datas em Portugal; a primeira no Sabotage, em Lisboa, seguindo-se o Understage (Rivoli), no Porto. Seria a terceira incursão em nome próprio por terras lusitanas, depois de 2011 e 2014, à qual ainda se soma a estreia da sua banda principal em 2016.

À hora certa entra-se no espaço – que até ao início do concerto viria a encher em conta-gotas até estar muito bem composto – e observa-se a simplicidade da entrega que aí vem: uma guitarra elétrica com alguns pedais e um pequeno amplificador de um lado, e uma guitarra eletro-acústica do outro, mais um microfone para cada. Os músicos sobem, por fim, ao pequeno palco, com John Judkins a sentar-se à esquerda com a sua guitarra havaiana, pronta a acompanhar com slides suaves enquanto Scott Kelly se atira aos acordes de “Catholic Blood” (The Wake, 2008): a instrumentação é subtil, respira um folk taciturno impregnado de uísque à moda country, mas é com a voz grave e meio rouca de Kelly que a melodia ganha o seu peso, aliada a uma lírica que aperta só de ouvir (“the more I see / the more I crawl / a fractured haunted man / into your arms again”).

O registo mantém-se, entre a faixa homónima do último álbum de longa duração, The Forgiven Ghost in Me (2012), com a passagem pelo mais recente EP Push Me on to the Sun (2016) através de “Endless” – Judkins passara nesta à guitarra elétrica para lhe dar mais corpo – e “The Wash of the Sea”, até ao regresso a The Wake com “The Ladder in My Blood”. Estava criado um ambiente íntimo com a plateia, palpável além dos pontuais e curtos agradecimentos após cada música; não se confunda por timidez a falta de palavras, simplesmente não eram necessárias entre músicos que iam experienciando os temas de olhos fechados – e não seriam os únicos.

Um elogio mais longo, na forma de um “it’s good to be back”, e com direito a respostas gentis de parte a parte, surgiria antes da soberba e já habitual cover de Neil Young, “Cortez the Killer”: com Judkins de volta à guitarra elétrica e com partes com ambas as vozes em uníssono, percebe-se que um certo sentimento quase punk afinal não virá só de outras influências. Seguir-se-iam as versões de “We Let the Hell Come”, de Shrinebuilder, e “Tecumseh Valley”, de Townes Van Zandt; na primeira, Kelly adapta uma voz menos esforçada do que no original, sem que com isso se perca o cunho da mesma; já com a segunda, adiciona-se uma costela blues, e outra forte referência que o próprio aponta, sem no entanto retirar homogeneidade ao que fora o set até então – pelo contrário, o músico move-se entre todas estas linhas como se fosse natural.

Vem a dedicatória no que fora anunciada como a última música, “We Burn Through the Night”, que surge em homenagem às famílias dos músicos e rapidamente se estende para toda a plateia, num apelo em que família é não só a de sangue mas aquela que se escolhe – e por esta altura família é mesmo o que todo o público já é, mesmo que algumas poucas vozes teimassem em não se aquietar durante a música, já de si carente de silêncio.

Em jeito de encore, sem que tenham abandonado o palco, e meramente por não terem mais que tocar perante quem os ficaria a ouvir por mais tempo, o duo deixa-nos “The Sun Is Dreaming in the Soul”, que facilmente passaria por um tema acústico de Neurosis mais controlado, mas não menos denso. Foi tudo o que bastou para que a intimidade ali vivida nos aquecesse a alma.

Setlist:

1. Catholic Blood

2. Eternal Midnight

3. The Forgiven Ghost in Me

4. Endless*

5. The Wash of the Sea

6. The Ladder in My Blood

7. Cortez the Killer [Neil Young]*

8. We Let the Hell Come [Shrinebuilder]*

9. Tecumseh Valley [Townes Van Zandt]

10. We Burn Through the Night

11. The Sun Is Dreaming in the Soul

*electric guitar


 

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