Uma coisa é certa: há vários processos judiciais colecionados pelo caminho.
Quem costuma viajar, nem que seja esporadicamente, têm várias opções de reservar os seus lugares no avião. Ou diretamente através dos sites das companhias aéreas, ou através de uma agência de viagens como a Agência Abreu e outras, ou ainda através de outras agências de viagens online, chamadas OTAs, que costumam praticar preços mais simpáticos.
Porém, se é certo que essas plataformas fazem preços mais em conta do que se reservarmos diretamente nos sites das companhias aéreas, a verdade é que os extras são, por norma, mais caro com essas agências de viagens online do que diretamente com as companhias aéreas. Por exemplo, se uma bagagem pode custar 30€ com uma determinada companhia aérea, esse valor pode duplicar se essa extra for adquirido através de uma agência de viagens.
E claro, há companhias aéreas que relembram os clientes que reservar noutros locais que não os sites oficiais pode, afinal, não ser assim uma decisão tão acertada. É o caso da Ryanair.
No ano passado, Dara Brady, CMO da Ryanair, disse que as OTA “continuam a induzir os passageiros em erro, levando-os a acreditar que estão a obter o preço mais barato disponível, anunciando falsamente tarifas mais baixas do que as da companhia aérea”. Brady disse ainda que “estas tarifas com desconto não passam, muitas vezes, de um mero isco de cliques para atrair os clientes antes de os atingir com margens ocultas de até 200% em alguns casos”. E que casos são esses? A escolha dos assuntos, o custo da bagagem, etc.
Um dos exemplos dados pela Ryanair visava a eDreams, que se sentiu lesada, o que levou um porta-voz da empresa a pronunciar-se: “É fundamentalmente incorreto fazer comparações entre OTAs e companhias aéreas, uma vez que os serviços que prestam são diferentes”, afirmou este porta-vez ao TheTimes. “As companhias aéreas transportam passageiros do ponto A para o B, mas as suas ofertas limitam-se apenas ao seu próprio inventário. Em contraste, a eDreams funciona como uma porta de entrada para todo o mercado global de viagens, dando aos clientes acesso a uma gama significativamente mais ampla de opções e pontos de preço, integrando opções de 700 companhias aéreas globais.”
A Ryanair, claro, não ficou por aqui, e “anunciou”, em janeiro e março deste ano, que a eDreams é, de todas as OTAs que vendem bilhetes de avião para viagens Ryanair, a mais cara.
Aliás, a Ryanair tem anunciado várias parcerias “Approved OTA”, com plataformas como a Loveholidays, Kiwi, TUI, On the Beach, eSky e El Corte Inglés, que se baseiam em preços transparentes para os consumidores, tal como exigido pela legislação da União Europeia. E para a Ryanair, tal contrasta com o modelo de OTA atualmente utilizado pela eDreams e outras empresas, que envolve pirataria digital ilegal (screenscraping) do seu site, inflacionando os preços das companhias aéreas com sobretaxas ocultas ou “taxas” inventadas que prejudicam os consumidores.
Já em maio, a Ryanair pediu ao CEO da eDreams, Dana Dunne, que explicasse “as suas falsas alegações nos meios de comunicação social espanhóis de que a eDreams oferece preços mais competitivos do que a Ryanair, quando as provas mensais publicadas pela Ryanair demonstram que a eDreams e a eDreams Prime cobram preços excessivos aos consumidores”. Desde então, as empresas andam envolvidas em processos judiciais.
No passado dia 25 de julho, o Tribunal Regional de Berlim, na Alemanha, decidiu a favor da Ryanair nas suas ações judiciais contra a eDreams, após ter considerado que a “taxa de serviço” de pagamento da eDreams de 3,88€ era excessiva e, por conseguinte, ilegal. O Tribunal decidiu também que a “Flexfare” da eDreams, ao abrigo da qual a eDreams afirma permitir que os passageiros alterem gratuitamente a data e a hora dos seus voos, era enganosa, uma vez que a eDreams se limitava a renunciar às suas próprias taxas de alteração, mas as taxas de alteração das companhias aéreas continuavam a ser aplicadas.
Curiosamente, a eDreams também celebrou recentemente uma vitória legal contra a Ryanair na Alemanha, onde os tribunais ordenaram à Ryanair que cessasse várias práticas enganosas e anti consumidor que está a levar a cabo atualmente. Estas práticas incluem a cobrança de taxas aos consumidores pela utilização de métodos de pagamento específicos, a falta de transparência na apresentação do preço final ao longo do processo de reserva, a exigência de que os consumidores criem uma conta de utilizador para comprar bilhetes, a aplicação de leis e tribunais irlandeses aos consumidores europeus e a seleção automática da concordância com os termos e condições sem a seleção ativa do utilizador, entre outras.
No dia seguinte, 26 de julho, a Edreams publicou um direito de resposta à Ryanair, no qual pode ler-se o seguinte:
“Mais uma vez, a Ryanair deturpou totalmente a situação. Não ganharam nenhum processo judicial final. Tratou-se apenas de uma sentença à revelia, o que significa que não houve decisão sobre o mérito da causa – da qual recorremos. Para além disso, é irrelevante para a nossa oferta atual, uma vez que se refere a uma versão antiga da nossa plataforma que há muito está fora do mercado.
A Ryanair também não menciona o seu historial de práticas anti consumidor e os múltiplos processos judiciais que perdeu em França, Espanha e Alemanha no último ano. Isto inclui ordens para cessar múltiplas práticas anti consumidor e enganosas, como cobrar aos consumidores pela utilização de métodos de pagamento específicos, falta de transparência na apresentação do preço final ao longo do processo de reserva, exigir que os consumidores criem uma conta de utilizador para comprar bilhetes, aplicar as leis e tribunais irlandeses aos consumidores europeus e selecionar automaticamente a concordância com os termos e condições sem a seleção ativa do utilizador.”
E já hoje, dia 29 de julho, a eDreams saudou as medidas provisórias emitidas pelo Tribunal de Comércio de Barcelona contra a Ryanair, ordenando a cessação imediata das práticas de difamação.
“Esta ordem urgente pré-julgamento por parte do Tribunal de Comércio Nº12 de Barcelona baseia-se em provas convincentes de que a Ryanair está envovida há meses numa campanha de difamação contra a eDreams e o seu programa Prime, disseminando múltiplas alegações falsas para enganar os consumidores e concorrer de forma desleal, violando o artigo 9.º da Lei da Concorrência Desleal (LCD). O Tribunal reconheceu a necessidade urgente de aprovar as medidas devido às constantes declarações depreciativas da Ryanair contra a eDreams e seus produtos”, lê-se no comunicado enviado pela eDreams às redações.
“A decisão vem no seguimento de um parecer definitivo anterior, confirmado pelo Supremo Tribunal espanhol, que já tinha ordenado à companhia aérea que parasse com as suas táticas de difamação e comportamento anticoncorrencial em relação à eDreams ODIGEO”, refere ainda a eDreams, que alega que a “estratégia de difamação da Ryanair tem como objetivo coagir os concorrentes a assinar acordos de distribuição anti concorrenciais e anticonsumidores”.
Diz ainda a eDreams que “as autoridades de proteção de dados de vários países europeus estão a investigar as práticas discriminatórias da Ryanair para com os clientes. Estas investigações no Reino Unido, França, Espanha, Bélgica e Polónia incluem alegações de práticas de invasão de privacidade que violam o RGPD, como pedir dados biométricos desnecessários e impor taxas adicionais aos consumidores segundo o canal pelo qual efetuaram a sua reserva”.
“A pressão legal e regulamentar exercida sobre a Ryanair pelas suas práticas anti consumidor é ainda evidenciada pela multa histórica imposta pelo governo espanhol – estimada em cerca de 100 milhões de euros, de acordo com as organizações de consumidores. Esta coima é a mais elevada alguma vez aplicada pelas autoridades de proteção dos consumidores a uma única empresa, sendo 17 vezes superior ao recorde anterior. Para além disso, os tribunais franceses emitiram recentemente uma sentença severa contra a companhia aérea por violar deliberadamente os regulamentos relativos aos direitos dos passageiros. Isto inclui violar os direitos dos consumidores, não compensar os cancelamentos e atrasos dos voos e envolver-se em práticas enganosas e agressivas”, conclui o comunicado de empresa hoje enviado.
Uma coisa é certa: dificilmente as empresas irão entender-se. E no final de contas, o que interessa é que os consumidores vejam prevalecer os seus direitos… e de preferência com preços a condizer.