Rogue Flight é um shooter espacial com boas ideias, mas que faz muito pouco com a ação frenética que procura emular através da sua jogabilidade.
Com uma estética e narrativa que procuram emular o melhor da animação japonesa, com rasgos criativos que relembram séries clássicas como Gunbuster e Macross, Rogue Flight apresenta-se com a energia certa para um shooter espacial. Com uma perspetiva frontal, semelhante a Star Fox e o clássico Galaxy Force II, o título da Truant Pixel leva-nos através de níveis bombásticos repletos de naves inimigas, obstáculos e uma panóplia de detritos, meteoritos, estações e cavernas com uma banda sonora incansável e o espírito jovial, mas também melancólico – novamente numa luta contra o impossível num futuro distópico – das produções japonesas. Um jogo com a energia certa que quer absolutamente ser como os clássicos em que se inspira, mas sem nunca se tornar memorável ou obrigatório para os fãs do género.
Depois de terminar um dos vários caminhos disponíveis em Rogue Flight, cuja campanha divide-se por escolhas e ainda a repetição de eventos para atingir o final perfeito – até contando com um modo roguelike que mistura os vários níveis numa sucessão crescente de novos desafios –, apercebi-me da minha relação difícil com a experiência deste shooter espacial. Rogue Flight esforça-se para manter viva a alma anime que pensa ter a correr nas suas veias, mas fora um ou outro registo visual, como os retratos da protagonista e do elenco secundário, a arte raramente encontra um ponto de equilíbrio para aprofundar a personalidade visual do jogo. A direção também não aproveita eficazmente as suas influências fortes e apresenta-se com mais segurança e poucos riscos, demonstrando ausências graves em termos de efeitos especiais e planos mais arrojados que enaltecessem positivamente a ação.
Em jogo, Rogue Flight é um best-of interessante, ainda que longe de ser perfeito. A perspetiva frontal cria uma sensação de profundidade que enaltece a ação, já que a direção pouco faz nesse sentido, e a velocidade dos inimigos e projéteis torna-se ainda mais implacável quando enchem o ecrã e passam pela nossa nave nas oito direções possíveis. Temos acesso a duas câmaras, a normal, que coloca o foco na nossa nave, sempre centrada no ecrã com a possibilidade de ser movimentada – mas com alguns limites, sendo que a mira se move ligeiramente mais depressa -; e a perspetiva do cockpit, que muda o ritmo da ação ao retirar ainda mais movimento à nave, mas ao compensar com uma mira mais fácil de controlar e muito mais certeira. Até certo ponto, é uma aproximação ao modelo utilizado em Star Fox Zero, mas sem a utilização do GamePad.
Se a perspetiva parece ser uma homenagem a títulos como Space Harrier e After Burner, a jogabilidade inspira-se mais em Gradius e no seu sistema de evolução, ainda que não tão profunda. Para além da Vulcan, que funciona como uma metralhadora rápida, podemos colecionar novas armas, como o Laser e a Wave, que podemos alternar em combate. Como noutros títulos do género, perdemos o acesso a estas novas armas sempre que perdermos uma vida, o que influencia imenso a nossa próxima tentativa. Estas armas comportam-se de forma semelhante à jogabilidade de Gradius, com a Wave a ser mais lenta, mas com uma maior área de ataque, e o Laser a ser absolutamente implacável em combate. A possibilidade de alternarmos entre armas é uma mais-valia, mas nem sempre a mais necessária, já que o Laser suplanta qualquer arma, até as habilidades especiais da nave. Estas habilidades são importantes durante os primeiros níveis porque eliminam rapidamente grupos de inimigos que estejam mais próximos à nossa nave, mas tornam-se menos impactantes à medida que colecionamos habilidades e dominamos a mobilidade da nave.
Dentro das habilidades especiais encontramos uma das funcionalidades mais peculiares do jogo e que sinto que não foi tão bem implementada como deveria. Como noutros shooters, nós podemos destruir inimigos e pods que dão acesso a mísseis, armas e pontos de armadura. Noutro jogo, bastaria posicionarmos a nave para recolhermos estas melhorias, e o mesmo acontece em Rogue Flight, mas existe outra opção: puxar os itens até nós. Através do analógico direito, à semelhança das outras habilidades especiais, podemos ativar o magnetismo da nave e garantir que temos acesso aos itens. O problema? A perspetiva muda ligeiramente porque a parte frontal da nave é levantada, o que nos dificulta a visão. Também não podemos disparar, mas isso não me afeta tanto como ter menor visibilidade. Se tivermos no modo cockpit, a visibilidade ainda é mais afetada, ao ponto de sair desse modo sempre que queria recolher os itens. Eu percebo a intenção e o propósito desta habilidade, mas não há equilíbrio entre o risco de utilizar o magnetismo com as recompensas que recolhemos.
A estrutura assente na repetição é interessante e existem caminhos diferentes que levam a finais distintos, especialmente se abraçarmos o recomeço da campanha em busca dos New Game+. No entanto, o ritmo do combate, a confusão visual dos níveis, os padrões desinteressantes dos inimigos e a sua repetição, tal como o registo por vezes desnivelado do dano provocado à nossa nave criam uma experiência que nem sempre foi agradável. No fundo, sinto-me dividido com Rogue Flight. Existiram momentos em que me senti investido no combate, onde me vi a utilizar eficazmente os misseis em junção com as habilidades especiais e o Barrel Roll que funciona como parry aos projéteis inimigos. Mas no geral, faltou o click absoluto com as mecânicas. O segredo está na repetição e no desbloqueio de melhorias permanentes, que surgem ao longo da campanha e das nossas decisões, mas a motivação para investir tanto tempo nem sempre esteve presente. Um caso de “eu contra o jogo”, certamente, mas Rogue Flight é o exemplo do porquê dos shooters especiais serem quase sempre simples na sua abordagem, mas difíceis de aprender – sem floreados ou extras que pouco adicionam à experiência.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Perpgames.