90 Minutos de Amor – The Magnetic Fields de regresso a Lisboa

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É a quarta vez que a banda de Boston visita a capital Portuguesa.

Texto de: Emanuel Canoilas

O Lisboa ao Vivo é uma sala jeitosa, mas das piores para estacionar. Por isso, já batia as 20h58 quando chegámos à porta e fomos simpaticamente recebidos. Desde logo, percebemos o efeito Lisb-ON (perdão, Jardim Sonoro!), já que somos apenas dois fotógrafos-repórteres para este regresso dos The Magnetic Fields, 10 anos volvidos da passagem pelo Teatro Maria Matos, em Lisboa, e Casa da Música, no Porto.

Ao entrar, notamos um agradável tom barítono e uma guitarra clássica afinada. Era Darren Hanlon, cantautor do Nordeste da Austrália, que gosta de explorar a sua fé católica (e a falta dela, mais recentemente) nas suas cantigas, cujo efeito tem sido a falta de peregrinos nas suas missas ao vivo, segundo o próprio. No meio da audiência, apanhámos um grande fã de Stephin Merritt e companhia, que tinha acabado de descobrir o mais recente trabalho de Darren Hanlon, Life Tax, e o descreveu poeticamente como “engraçado, mas é sobretudo narrativo. Tem uma balada sobre um tio que criava cavalos”.

As luzes acendem-se e fazemos um estudo demográfico e logístico. A idade rondará os 38 e o espaço está confortavelmente ocupado a metade. Como sala plana que é, ouvimos muitas (demasiadas?) queixas de quem não foi bafejado com a genética dos ossos compridos. E quem paga 25€ para ver um concerto, quer que a experiência sensorial seja a total. Menos o tato, que isto de invasões de palco deve ter acabado com o encerramento do lendário Rock Rendez-vous. Às 22h em ponto, o público urrou e vimos os sorrisos de Stephin Merritt (o homem mais deprimido do rock, segundo Bob Mould), Shirley Simms (acompanhada da sua auto-harpa e voz deliciosa) e Sam Davol (que se sentou imediatamente atrás do seu violoncelo). Para além destes três membros permanentes da banda, entraram em palco Anthony Kaczynski na guitarra e Chris Ewen no sintetizador e caixa de ritmos. Notámos com pena a ausência de Claudia Gonson, fundadora da banda, cantora, manager e percussionista-mor.

Câmaras ao pescoço, rumamos para a frente do palco (desculpem, amigos das grades!). Como sempre, temos três cantigas para fotografar. Problema: o alinhamento arranca com “Castles of America”, simpática cantiga do disco Quickies, de 2020, que tem a duração de 35 segundos. Temos só duas cantigas já, mas o obturador é rápido e o poço de fotógrafos está vazio. Sam Devol, violoncelista que estava no centro do palco, fez uma careta como quem não gosta muito que lhe tirem retratos. Ou então estava a reparar que o seu instrumento estava um pouco-nada desafinado.

Regressados para o meio do público, constatamos duas coisas que vão marcar o resto da noite. O volume dentro do Lisboa ao Vivo está a um nível bastante aceitável e que não faz distorcer nada das delicodoces melodias que a banda está a produzir com os instrumentos e vozes. E segundo: a banda está a repetir à risca o alinhamento dos últimos concertos que deram na Irlanda e Reino Unido. Por falar nessa geografia, Stephin Merritt partilhou connosco que a cantiga “The Day the Politicians Died” foi um pouco mal recebida nos concertos no Reino Unido. Mas efusivamente bem recebida na Irlanda. Nem esperávamos outra coisa.

Depois de um início de concerto mais relaxado, as gargantas abriram mais com “Andrew in Drag”, o ponto alto do disco Love at the Bottom of the Sea, de 2012. Quase a meio do alinhamento de 30 cantigas, surgiram os muito audíveis apupos e algumas lágrimas com os primeiros acordes de “The Book of Love”, indiscutivelmente a mais conhecida do grupo e a mais aplaudida da noite, que faz parte do épico 69 Love Songs, de 1999. Para mostrar que têm uma discografia eclética e que fazem alinhamentos iconoclastas, seguiram esta balada de amor com “The Biggest Tits in History”.

“Yass, daddy!” – disse um músico conhecido da nossa praça, mesmo ao nosso lado no público. Que se passa? Os lânguidos acordes e o meloso sintetizador tiram as dúvidas. Trata-se de “Papa Was a Rodeo”, uma das 10 músicas que a banda trouxe do épico de 69 músicas de amor. A sintonia entre os cinco músicos foi perfeita – Shirley e Stephin estavam terrivelmente afinados. A nosso ver, o verdadeiro ponto alto da noite e a confirmação de que por que é que rumámos em peregrinação magnética.

A banda é, sem dúvida, conhecida pela gravíssima voz de Stephin Merritt, mas pouco se fala (e escreve) da belíssima voz e escrita de Shirley Simms, que interpretou a “sua” “All My Little Words” de forma totalmente irrepreensível, acompanhada pelo karaoke Português à sua frente. O único problema foi não haver um banjo em palco, que foi substituído pelo simpático Chris Ewen no seu órgão mágico.

Quase 90 minutos depois do início, o público usa e abusa de assobios e gritos para mostrar o seu agrado com o final do concerto. Reparámos que Stephin tapa com força um dos ouvidos com este nível de estrugido. Tu protege-me esses tímpanos, meu anjo!

Depois da saída de palco para o encore mais curto da história (podemos todos concordar que é uma tradição ultrapassada e parva?), Stephin partilha connosco um sonho que teve “ontem ou anteontem. Talvez neste palco mesmo, quem sabe? Tinha uma cabeça de galinha debaixo do braço e deitava sangue pelo pescoço decepado”, George A. Romero gostaria disto. Concordamos com o autor: “A Chicken With Its Head Cut Off” é acertadíssima para o encore, mas sentimos falta de “Strange Powers”, uma favorita do público. Esperamos por essa numa próxima visita.

Brindemos a uma banda que dá consistentemente bons concertos, com vinho tinto quente do bar. Que da próxima vez seja numa sala com lugares sentados, para que todos vejam em condições e que a noite pese menos nas pernas.

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