O balanço? Não dá para dizer que é negativo, demasiadas experiências boas neste ano e demasiado lastro bonito dos anos anteriores. Mas sim, há bastante que melhorar.
No dia com o tempo mais sorridente do certame, que com a ajuda de muita gravilha até fez com que o Palco Porto se apresentasse com ar seco, os Sparks foram magnífico prato inicial para este sábado, de Dia de Portugal, para quem chega ao recinto animado vindo da festa do Senhor de Matosinhos.
Ron e Russell Mael, irmãos mito que geraram uma das mais carreiras mais únicas e longas da música, sempre alternativos porque nunca deixaram de fazer o que lhes apeteceu. E têm material novo, com The Girl is Crying in Her Latte (2023), cuja música título e “Nothing Is as Good as They Say It Is” se portaram muito bem, com intermédio de “Angst in My Pants”, do álbum com o mesmo nome de 1982 (já na altura o 11º disco do duo!), e um dos cartões de visita mais famosos.
O que se seguiu foi boa disposição e notável forma de Russell Mael, os momentos em que Ron Mael, icónico bigode e fato clássico de corte largo, por vezes aparecia e sorria, como num momento em que faz uma dança lateral a fazer lembrar “I Can’t Dance” dos Genesis, com paragem repentina. Ninguém se parece com ele. “Bom Voyage” é aquela simplicidade tonta dos geniais, perfeita para um final de tarde a ver o Oceano Atlântico ao longe, e os sucessos improváveis “The Number One Song in Heaven”, e “This Town Ain’t Big Enough for Both of Us” (do melhor dos anos mágicos do pós-punk). Chapeau.
E foi assim, com a pena de ter falhado Nation of Language num dia em que boa parte do Porto bon chic, bon genre veio ao Parque da Cidade ver o que se passava e ter enfrentado o duelo Julia Holter/Karate/final da Liga dos Campeões. Tempo repartido entre todos, mas a elegância da cantautora sempre inquestionável. Yves Tumor veio em versão cheia, banda em palco, num concerto quase todo dedicado ao recém-saído Praise a Lord Who Chews but Which Does Not Consume; (Or Simply, Hot Between Worlds) – mais pop que os dois anteriores discos, mas sem deitar fora a sua vertente exploratória, uma viagem sónica que se portou bem no topo da ladeira do Primavera Sound Porto.
Pouco depois veio o concerto dos New Order. E aquilo que deveria ter sido uma viagem segura, acabou por ser a mais atribulada do festival. Antes de mais, a banda da Manchester soou a um nível altíssimo, som de maravilha (pese o facto da voz de Bernard Sumner já ter tido mais esplendor) – tudo tão belo, tão sentido pelo público à frente, tão brincalhão com as versões de estúdio que estava aqui uma das atuações maiores do certame. Jogo de imagens e totalmente diferente, de longe, de Paredes de Coura em 2019 (e muito menos Joy Division também, apenas a “Love Will Tear Us Apart” mais leve que ouvimos, no final de tudo), embora sempre com Richard Wagner a manter-se como abertura de concerto, na antecâmara para “Regret” a soar cristalina. Público na mão depressa e bem.
“Bizarre Love Triangle” podia ser Haçienda 1985 ou estreada no Porto em 2023, “Plastic” hino maior da banda do século XXI, e chegamos à confissão maior de “True Faith” quando o pior acontece. De acordo com a organização “um problema nos quadros eléctricos, muito provavelmente causado pelos primeiros dois dias de mau tempo, parte do equipamento eléctrico foi, infelizmente, afectado, e a actuação da banda foi interrompida por duas vezes”. Coitus interruptus com visível agastamento em cima do palco e no multidão, mas lá se volta para o metralhar de “Blue Monday” e “Temptation”. Mesmo com problemas à volta, Sumner, Stephen Morris, Gillian Gilbert, Phil Cunningham e Tom Chapman conseguiram fazer o povo feliz.
Já os Blur fizeram o raro. Conseguiram dar luta na batalha das t-shirts com os Joy Division, e era grande multidão que os esperava. Início calmo, sendo que “There’s No Other Way” lá meteu os primeiros picos de adrenalida, com algum público mais ruidoso neste tipo de concerto finalmente ultrapassado, e em “Coffee & TV” já estamos em velocidade de cruzeiro. Damon Albarn começa a dar loas ao público, a chamar-lhe gente boa e a chegar perto do calor humano. “Beetlebum”, “Parklife”, “Girls & Boys” e os dois minutos mais FIFA de sempre de “Song 2” garantem os coros a rugir, mas é sobretudo o final com músicas que crescem imensamente ao vivo, “Tender” e “The Universal”, saindo do palco com a sensação de garantir milhares felizes.
O balanço? Não dá para dizer que é negativo, demasiadas experiências boas neste ano e demasiado lastro bonito dos anos anteriores. Mas sim, há bastante que melhorar. A organização, através do seu diretor José Barreiro, já veio dizer que o novo palco é para ficar para aguentar o crescimento chegado – o tal objetivo dos 45.000 festivaleiros por dia. Foram usados argumentos de que a logística de trazer 10 a 15 camiões para os concertos maiores sem agredir o Parque da Cidade é agora tratada de uma forma bem mais simples, de que a drenagem está já a ser tratada para poder suportar maiores cargas, e que a localização da régie e da tenda pode ser melhorada.
Tudo certo, mas o palco parece curto para tanta gente que se pretende atingir. E o problema da visibilidade, bom, não se está a ver muito bem como se poderá resolver apenas com isso, além da vizinhança em Matosinhos, que nunca teve um palco tão vasto, tão perto. Dito isto, fluxo fácil de pessoas dentro do recinto, e o Palco Plenitude tem pernas para andar, mesmo que a saudade do ATP não tenha partido. Quanto aos preços no recinto, estão cada vez menos democráticos.
Uma jóia a precisar de ser polida para termos o melhor dela. Até 2024!