NOS Primavera Sound, Dia 2 – Beck à distância, festa na clareira, e com Arnaldo Antunes cantando fica tudo melhor

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De Beck a Chico da Tina, eis o rescaldo do segundo dia do NOS Primavera Sound 2022.

Segundo dia e chega-se mais tarde. Slowdive recomenda-se sempre, mas já os vimos algumas vezes, e aquela calma shoegazica ao vivo hoje não nos está a mobilizar. Depois este hiato, todo queremos mais animação para desenferrujar.

Está na moda não adorar Beck Hansen nos dias de hoje. Há casos assim, não dá para dizer abertamente mal porque o homem é génio, mas há uma certa frieza, poucos ultras, muitos a querer colar o cromo raro na caderneta, e várias pessoas a passar por ali ao acaso. A sensação que temos é que o ferro estaria quente nos anos entre o multi-celebrado Morning Phase, de 2014, e Colors, de 2017. Cinco anos depois, a cotação do cred não descambou mas está estacionária, não deverão existir demasiados NFTs sobre ele a serem trocados alegremente por aí.

Valha a verdade, o californiano não ajuda, não deixando que os fotógrafos ganhem o seu pão, dando um concerto muito enxuto no tempo para um cabeça de cartaz, e fazendo as coisas de uma forma meio apressada. De fato branco com calças largas, óculos de lentes coloridas e chapéu amarelo, faz transições que parecem aleatórias, mas quando pega na guitarra acústica dá-se o clique – “Lost Cause” e “Morning” continuam a soar pérolas de beleza leve de um dos maiores do folk. Momento depois para algo que Beck pergunta se dá tempo para fazer ou não, a versão de “Everybody’s Got To Learn Sometime” que fez para Michel Gondry na banda sonora de O Despertar da Mente, de 2004, outro momento em que a cotação estava em alta. Salta a ideia que lhe fará falta um momento destes nesta altura da sua carreira.

A esta charge segue-se o Beck festeiro, com “Where It’s At”, após filmar o clipe da praxe, a multidão larga o telemóvel e bate palmas ao alto, e “E-Pro” continua uma malha assassina, impossível de não trautear na na, na na na na na. Como se ouve em modo piada na multidão, há Super Bock Super Beck. Tira o casaco, coloca-o ao ombro e vai-se embora.

Os 100 Gecs cantam aos pulos com vestimenta e chapéu amarelo de feiticeiro sobre um “Stupid Horse”, depois sobre “Doritos & Fritos”, e rimam France com pants. Passamos à frente. Na ante-câmara do palco Binance (que será sempre ATP), entre as bancas de bebidas vê-se o mito Adolfo Luxúria Canibal, grande habitué do certame – como aliás de tudo o que mexe ao redor da capital do antigo Reino dos Suevos. Mais tarde vê-se lá também Samuel Úria, já se percebeu para onde vão os miúdos fixes do recreio.

A caminho de Arnaldo Antunes passa-se por uma zona remodelada do Parque da Cidade, com passagens entre a relva, muito granito e suportes para vinha em latada, o que nos aquece o coração e faz sentir em casa em mais uma noite de temperatura perfeita. Chegados ao alcance do Cupra, herdeiro do divisivo Seat, território do Queimódromo, encontramos uma moldura humana de bom porte e interessada. Antunes está também interessado e é interessante, dando um concerto caloroso e cheio de palavras bonitas naquele português com açúcar. Alegria, música onde se dá goiabada e marmelada, faz perceber que esse está melhor do que com snacks de pacote. A versão de “Judiaria”, do grande Lupicínio Rodrigues, resulta bem e a linha “agora você vai ouvir aquilo que merece” é sopa no mel naquele lugar de costas voltadas para o resto do festival, de frente para Matosinhos, ao longe a deixar ver a rotunda da Anémona e até o mar. Em “Consumado” diz que está punk de gritar até ficar consumido, e “Essa Mulher” está plena de groove. Dinheiro reflecte o estado de espírito colectivo, de quem quer diversão e arte.

No encore, para a gente se despedir de verdade, não tem medo de ir atrás do seu cartão de visita mais conhecido, a colaboração nos Tribalistas, e toca “Velha Infância”. Mais deste patamar de grandes do Brasil e menos tentativas forçadas de legitimação no cartaz vindas da nave-mãe, se faz favor.

Perde-se o início de Jehnny Beth, mas ainda dá para apanhar o comboio em movimento. Botas de salto bem alto, calças de cabedal, a francesa que com os Savages encantou na edição de 2016 do NOS Primavera Sound mostra que não abrandou nada, e continua a candidata mais forte ao prémio de melhor sucessão de Siouxsie Sioux. Acompanhada por mais dois músicos que fazem parecer serem mais, por vezes em modo de duplo teclista, “More Adrenaline”, novíssima, é bom nome para a atuação, com holofotes na cara, questionamentos a quem fez sexo com ela, e uma versão de “Closer” dos Nine Inch Nails para quem ainda não tivesse percebido qual era o tom do concerto. A certa altura, após dizer que adora dar shows, faz uma curiosa sequência de treino de boxe, e depois diz que Portugal é o seu país favorito. Sabemos que se non è vero, è ben trovato, dada a relação continua de Beth com o nosso país e as múltiplas vezes que vem cá. Gostamos que seja assim.

Mantemo-nos na clareira mais carismática do recinto, onde está montado o agora Binance, e poucos minutos chega a festa do Chico da Tina. Pré-aviso sério em vídeo, a pedir uma decisão – ou estás connosco, ou peço-te que recues. Nas cinco primeiras filas é preciso que a malta se entregue totalmente. Para estar aqui é para partir a pista em que isto se vai tornar, e o início logo com invasão do palco por vários, mais de meia dúzia, de parceiros do Francisco da Concertina aos saltos, demonstra isso. O início é o que se quer, com a apresentação com vídeo de rancho do Alto Minho e a “Apresentação Interactiva”, cartão de visita de Minho Trapstar. O moço do extremo Norte litoral não está em casa (esse será David Bruno hoje), mas quase, e avisa que não veio para cumprir calendário. Segue-se aquela, “Romarias”, hino do Verão naquela região mágica, pedaços da vida do povo eufórico aos gritos, da devoção aos Santos, e do vinho verde tinto. Pedaços da nossa memória. Não peçam para não gostar disto.

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