Clima de festa que certamente dissipou as dúvidas sobre o futuro dos Linda Martini, agora em versão reformulada e preparada para receber o futuro.
20 anos é um número redondo e bonito para uma carreira no meio musical, e especial no meio português. Para assinalar a efeméride, os Linda Martini, agrupamento que sempre gozou de apreciação por parte da crítica e muito público, escolheram fazer dose dupla de concertos, em Lisboa no Lisboa ao Vivo no dia 10 de fevereiro, e Porto no Hard Club a 11 de Fevereiro, com o nome de 20 Anos Merda & Ouro.
Nome muito ao estilo meio rasgadinho, meio trocadilheiro, dos lisboetas, que começaram como quinteto, chegaram à fama como quarteto (por alturas de Casa Ocupada, de 2010, disco nacional do ano para a revista Blitz) composto por André Henriques, Cláudia Guerreiro, Hélio Morais e Pedro Geraldes, e que, após saída deste último, seguiu como trio até à recém contratação de Rui Carvalho, mais conhecido como pela persona artística de Filho da Mãe. Mas os Linda Martini são mais uma banda de notas do que de palavras, a introdução nacional ao pós-rock de muito boa gente (ao longo dos anos misturada com várias outras influências), e foi em genuíno modo best of que começaram o concerto na Avenida Marechal Gomes da Costa, com “O Amor É Não Haver Polícia” (do primeiro longo duração, Olhos de Mongol, quase mão-mortaesca nos seu estilo confessional de declarações com guitarras e efeitos sonoros a acompanhar), “Ratos” (de Turbo Lento), e “E não sobrou ninguém” (do mais recente ERRÔR, de 2022). Antes, ao entrar, o papelinho à porta da organização com o escrito “esgotado”.
Lá dentro, obviamente casa cheia, desde o palco onde de quando em vez se faz surf na multidão até aos bares cá atrás, e nas escadas e varandas do piso superior. A percentagem de gaviões da fiel é visivelmente grande, com várias t-shirts da banda, em particular da própria Linda Martini, retrato a óleo de onde foi retirado o nome, e cuja rapariga italiana de óculos cool retro decora muitos troncos, e que fez capa do disco homónimo de 2018.
“Putos Bons” (Sirumba, 2016) mais contemplativa, “Juventude Sónica” (de Casa Ocupada e bom exemplo do estilo destes reis da tradução direta, sempre a piscar o olho a referências pop ilustradas), e “Boca de Sal” – das mais conhecidas e celebradas pelos presentes em termos de refrão -, fazem-nos levar ao miolo do concerto de mais de 2 horas que nos vai sendo servido de forma ritmada. Não há muita conversa direta, mas a que há é de gratidão (com muitos obrigados aos presentes e menções especiais a presentes na sala ligados aos primeiros anos de carreira), e Hélio Morais em particular é um animador que, desde a bateria, várias vezes bate e pede palmas.
Se em termos cénicos há alguns vídeos de caráter principalmente discreto – “Belarmino vs” usa imagens trabalhadas do conhecido pugilista português Belarmino Fragoso que virou símbolo do novo cinema português com o documentário de 1964 realizado por Fernando Lopes, retrato visceral das profundezas dos vencidos da vida, por contraponto ao cinema alegre e bem disposto do regime, e antes do primeiro fim há outro dos clássicos maiores -, “Cem Metros Sereia”, de abertura agressiva e mudança de tempo a meio até chegar ao refrão cantável, acaba por ser representante do estilo a que mais facilmente se associa a banda. A galera gritou em uníssono até à saída de cena, e assim continuou durante a espera pelo encore. Não era difícil de prever que existiria regresso, e com hits, neste caso “Amor Combate” e “Dá-me a Tua Melhor Faca”, com Hélio Morais a saltar para o povo. Extra mesmo, a jovem “Taxonomia” marcou o verdadeiro fecho da sessão, e com moshada expectável.
Clima de festa que certamente dissipará as dúvidas sobre o futuro dos Linda Martini, agora em versão reformulada e preparada para receber o futuro.