O universo recusa-se a aceitar que o jogo da Epicenter Studios caia no esquecimento e depois de várias conversões, chegou a vez do combate às chamas estrear-se na PlayStation 5 e Xbox Series com uma versão que pouco serve para mudar as opiniões.
Enquanto fazia pesquisa para tentar perceber o que era Real Heroes: Firefighter HD, um título agora reeditado para a PlayStation 5 e Xbox Series X|S, cujo lançamento inicial escapou-me por completo – daqueles títulos genéricos que não escondem a suas origens humildes e muito menos levam o seu público-alvo ao engano, oferecendo a experiência que está publicitada na capa, nem mais nem menos –, apercebi-me da aparente complexidade do seu desenvolvimento e consequentes lançamentos nas mais variadas plataformas. Para um simples jogo de combate aos incêndios, que nem chega a ser um simulador devido à sua abordagem mais acessível, Real Heroes: Firefighter HD conta com o investimento de nove produtoras e editoras ao longo de 15 anos de existência.
Isto é fascinante. O lançamento em várias plataformas, cujas conversões podem diferir a nível gráfico ou até mecânico – por exemplo, a estreia de Real Heroes: Firefighter acontece em 2009 com a versão para Nintendo Wii, cujos controlos por movimento ditaram as mecânicas e controlos -, é quase sempre acompanhado pelo envolvimento de novas entidades que acompanharam o processo de adaptabilidade aos novos sistemas, mas Real Heroes: Firefighter é um caso extremo. Não acredito que seja o único, até porque basta olhar para a produção de videojogos nas décadas de 1980 e 1990 para encontrarmos vários exemplos semelhantes – mesmo nome, mas jogos diferentes consoante a plataformas em que foram lançados –, mas Real Heroes: Firefighter parece ser exatamente o mesmo jogo só com algumas melhorias nos controlos ou gráficos. Estamos a falar de oito nomes associados a um jogo de combate às chamas, cujos estúdios podem já não existir ou então encontram-se num limbo sem lançar um único título há anos.
A viagem de Real Heroes: Firefighter começa em 2009, com o já mencionado lançamento para a Nintendo Wii. A versão original foi desenvolvida Epicenter Studios (fechada) e editada pela Conspiracy Entertainment (péssimo nome, também desaparecida). Em 2012, os bombeiros da Califórnia mudam as suas instalações para a Nintendo 3DS, agora editados pela Reef Entertainment (ainda em funcionamento, responsável por Terminator: Resistance). Real Heroes: Fighter estreia-se no PC em 2017, a cargo da Scientifically Proven Entertainment – também responsável pela versão PS4 em 2020 (ainda em funcionamento, mas com lançamentos reduzidos) – e editado pela Flying Tiger Entertainment (atualmente está mais focada em lançar títulos da Hudson), mas a versão a HD, a primeira lançada para PC em 2021, foi produzida e editada pela Ziggurat Interactive. A Sickhead Games (ainda saudável) ajudou a Ziggurat a lançar Real Heroes: Firefighter na Xbox One em 2022 e a Golem Entertainment foi a responsável pelo lançamento na Nintendo Switch, três anos antes. Em 2024, chegam as novas versões, a passagem para o 4K e os sensores hápticos na PlayStation 5, com a Ziggurat Entertainment novamente no comando.
Oito estúdios e um videojogo que se recusa a mudar. Em 15 anos, Real Heroes: Firefighter manteve-se inalterado contra todos os avanços e modas da indústria dos videojogos, tornando-se involuntariamente numa cápsula temporal para a era do shovelware na Nintendo Wii. Com ou sem HD, mais ou menos 4K, e adaptado aos mais variados controlos – incluindo vibração, sensores hápticos, controlos por movimento, stylus, teclado e rato, o que seja –, estamos perante um jogo que resiste ao passar do tempo contra todas as adversidades, seja por teimosia ou por clamação dos fãs ao longo das gerações e plataformas. O que me fascina mais nesta pequena viagem pelo tempo é que Real Heroes: Firefighter é dos jogos mais seguros e inofensivos que joguei em 2024. É incrível? Nem pensar. Basta olhar para a sua falta de otimização, gráficos datados e controlos rígidos para compreendermos que é um jogo perdido numa era que já desconhece. Mas é divertido em pequenas doses, funcional e capaz de cumprir o seu propósito sem problemas maiores? Sem dúvidas.
Real Heroes: Firefighter HD despe-se da complexidade mecânica que é muitas vezes associada ao género. Não estamos perante um simulador, onde seria necessário gerir a equipa, equipamentos e recursos dos nossos bombeiros dentro e fora das missões. O formato da estrutura é mais imediato e próximo ao género de aventura, com missões que se dividem por vários objetivos e tarefas que envolvem apagar fogos, salvar pessoas, auxiliar colegas em perigo, abrir portas e partir janelas para controlar os níveis de toxinas nos espaços fechados. Não somos pontuados pela nossa prestação em campo, mas podemos descobrir medalhas de mérito e novos equipamentos se explorarmos os espaços incendiados. No fundo, Real Heroes: Firefighter HD procura centrar-se na experiência do novato da Los Angeles Engine Company 13, que nós encarnamos, enquanto este colabora com os seus colegas de trabalho e enfrenta o calor das chamas para ajudar aqueles que mais necessitam.
O tempo foi cruel para o título da Epicenter Studios, revelando progressivamente os seus problemas técnicos e a ausência de um estilo visual mais memorável. Mesmo com a passagem para HD, e com a introdução do 4K nesta nova edição, Real Heroes: Firefighter continua a assemelhar-se a um jogo lançado em 2009 para a Nintendo Wii e isso é difícil de esconder. O estilo cartoonesco, mais próximo de uma banda desenhada banal, com os seus tons carregados e sublinhados a negro para enaltecer os modelos em campo, pouco fazem para injetar alguma personalidade à experiência. Os modelos são básicos, desprovidos de caraterísticas que os tornem únicos, com objetos e NPC repetidos em ambientes pouco ou nada decorados, amplos, mas igualmente vazios que convidam apenas ao combate às chamas e pouco mais. Com uma campanha linear, onde somos encaminhados entre objetivos, cujos momentos de exploração resumem-se a encontrar caminhos nas chamas para acedermos aos itens secretos, Real Heroes: Firefighter HD podia destacar-se um pouco mais a nível visual, nem que fosse pela ausência de bugs que, infelizmente, continuam bastante presentes apesar de estarmos perante uma versão com 15 anos de reedições e remasterizações.
A jogabilidade mantém-se fiel à forma e traz outras novidades. Como bombeiro de Los Angeles, temos de zelar pelo bem-estar dos habitantes afetados pelos incêndios e, para tal, temos à disponibilidade um conjunto de ferramentas para alcançarmos esse fim. O extintor e a mangueira de água são as ferramentas mais importantes em Real Heroes: Firefighters HD, por motivos óbvios. Independentemente da missão ou do objetivo que temos de concluir – os espaços variam entre interiores e exteriores, casas nos subúrbios, prédios com vários andares ou armazéns -, o fogo será sempre uma barreira constante. Para chegarmos às vítimas em campo ou para evitarmos que uma conduta exploda com o calor das chamas, é preciso utilizar todos os meios à nossa disposição para controlarmos o incêndio. As chamas espalham-se com facilidade e temos de ser rápidos para evitar que se propaguem e voltem a consumir o espaço à nossa volta.
Em ação, o combate às chamas é muito mais imediato e intuitivo, ao ponto de se tornar pouco desafiante. Se soubermos manter a distância, se evitarmos as condutas de gás, que só podemos extinguir se cortarmos a sua circulação, e se compreendermos a utilidade dos dois modos de da mangueira de água – jato para chamas à distância e borrifador para as chamas mais próximas, com um rácio de eficácia maior -, estaremos quase sempre seguros e o desafio surge mais através do limite de tempo que temos para resolver os vários problemas que surgem ao longo de uma missão. Por vezes, temos de salvar alguém em perigo, noutras temos de desbravar o caminho que se encontra inacessível por destroços, e até somos obrigados a salvar animais e a transportá-los para um local seguro, entre outros. As missões tentam ser imprevisíveis e aproveitar o espaço ao máximo, mas a jogabilidade torna-se repetitiva quando não sentimos que estamos efetivamente a combater um incêndio, antes a contorná-lo para terminarmos tarefas secundárias. Num jogo sobre o combate às chamas, a ideia de apagar o incêndio é secundária e as chamas voltam consoante o objetivo que temos em mão. Não há fim para este incêndio, apenas para os objetivos.
Real Heroes: Firefighters HD é um jogo simples, sem ambição, mas igualmente seguro da experiência que quer proporcionar, longe dos simuladores complexos do mesmo género e mais assente numa narrativa com alguns momentos de humor, e uma estrutura mais familiar com missões que podemos repetir em busca dos itens que faltaram colecionar. O grande mistério em redor de Real Heroes: Firefighters HD é a sua insistência em regressar, geração após geração, como se fosse um absoluto clássico do género, imperdível para os fãs ou para aqueles mais nostálgicos que se recordam de o jogar na Nintendo Wii. Um mistério que envolve oito estúdios (talvez até mais) e uma possível batalha para manter os direitos sobre a sua licença. Quem sabe, talvez seja mesmo um jogo de culto e eu estou do lado errado da história. Veremos como se estreará na Nintendo Switch 2, PlayStation 6 e Xbox Qualquer Coisa.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela ÜberStrategist.