Prey cumpre com as expetativas elevadas, sendo o primeiro filme da saga Predator a conseguir chegar perto ou até a ultrapassar o original.
Existem alguns cineastas cujas carreiras são um mistério para mim. Dan Trachtenberg realizou apenas uma longa-metragem até aos dias de hoje, o altamente popular 10 Cloverfield Lane. Após tal sucesso, seria de esperar uma subida exponencial de oportunidades, mas nos últimos seis anos, o realizador aventurou-se em apenas três episódios de televisão em séries diferentes. Regressa agora com a sua segunda obra cinematográfica, Prey, uma prequela à famosa franchise Predator, aparentemente demonstrando um certo gosto em revitalizar sagas há muito perdidas, seja no tempo ou na falta de qualidade que marcou uma geração. Contra todas as expetativas, eis mais um filme lançado para streaming que surpreende tudo e todos, tornando-se num dos favoritos pessoais deste ano.
A nostalgia é, de facto, uma sensação fascinante. A vasta maioria dos cinéfilos, e até dos espetadores comuns, reconhece a “marca” Predator facilmente. No entanto, é raro encontrar alguém que se atreva a colocar qualquer sequela acima do filme original de 1987 e é ainda mais raro ouvir alguém a ligar a saga a um ator que não Arnold Schwarzenegger, apesar deste só aparecer nesse primeiro filme. Mesmo sendo uma franchise que continuou a lançar conteúdo nos últimos 35 anos, a verdade é que somente a obra original impactou profundamente os espetadores. Assim, o espaço para um filme ou série revitalizar a saga manteve-se sempre em aberto, aguardando que alguém competente conseguisse trazer algo aclamado por todo o tipo de público.
Prey não só ressuscita o universo Predator, como é bem capaz de ter ultrapassado o original. Dos inúmeros aspetos positivos que Trachtenberg conseguiu introduzir nesta peça, um dos mais importantes foi o retorno da essência da criatura em si. A componente moral do alienígena volta a ter destaque com um foco particular na sua vontade de caçar e defrontar os “adversários” mais temíveis do território em que aterra. Presas fáceis e inofensivas não lhe suscitam interesse, criando uma atmosfera de tensão e suspense durante todo o tempo de execução, seja devido a perseguições aterrorizadoras ou build-ups para as várias cenas de ação de deixar qualquer espetador de queixo caído.
Outro aspeto narrativo excecionalmente bem conseguido é a construção da protagonista e de toda a comunidade Comanche. Naru deseja simplesmente ser reconhecida pelos atributos que a própria sabe que possui e a busca dessa validação leva-a por aventuras ricas em ação e horror, mas também por caminhos de auto-crescimento e sacrifício pessoal. Aqui, Amber Midthunder sobressai de forma impressionante. Para fãs de Legion, o alcance emocional da atriz não surpreenderá ninguém, mas a intensidade com que incorpora a sua personagem merece muitos aplausos. Carrega Prey aos ombros – também literalmente – entregando, finalmente, uma prestação que – espero eu – fará soar as sirenes de Hollywood com imensas oportunidades.
Midthunder também demonstra aptidão para as sequências de ação, secção onde Trachtenberg eleva a saga por completo. Desde takes longos e ininterruptos às coreografias extraordinárias, a violência sangrenta e mortes macabras – fica o aviso para espetadores mais sensíveis, até porque não há restrição nenhuma, nem com animais – oferecem níveis de entretenimento que nem a obra de 1987 conseguiu atingir. Obviamente, a evolução da tecnologia permite um maior controlo da câmara e os efeitos visuais apurados dão espaço para mais cenas diurnas e bem visíveis. Independentemente disso, Prey contém uma qualidade técnica audiovisual de fazer imensos blockbusters do grande ecrã chorar de inveja.
Prey é dos filmes mais deslumbrantes do ano. Para além de ser das obras com menos CGI de 2022, a cinematografia de Jeff Cutter aproveita da melhor maneira as paisagens fantásticas de Calgary, Alberta, no Canadá. Com a companhia de uma banda sonora quase épica de Sarah Schachner, nunca um filme da franchise pareceu tão bonito nem soou tão atmosférico. Trachtenberg consegue juntar todos os componentes técnicos de maneira incrivelmente cativante, seja com uma sequência de ação tensa e frenética, seja com um olhar pela natureza belíssima que rodeia toda a obra. Desconheço o futuro da saga, mas tomara que o próximo filme Predator aprenda com este último.
Possuo apenas duas notas menores relativas ao irmão da protagonista, Taabe (Dakota Beavers), e a um grupo de caçadores franceses que aparecem no segundo ato. Taabe é introduzido como alguém que respeita a irmã e que, no fundo, lhe reconhece o valor que sabe que ela tem. No entanto, algumas decisões que o personagem toma mais para a frente são algo desapontantes e até se provam parcialmente contraditórias com aquilo que Prey mostra aos espetadores. Acaba por prejudicar a ligação emocional entre o público e os irmãos, removendo algum impacto aos eventos do terceiro ato. Já os franceses não adicionam nada de relevante à história nem à protagonista, não sendo nada mais do que “carne para canhão”.
Prey cumpre com as expetativas elevadas, sendo o primeiro filme da saga Predator a conseguir chegar perto ou até a ultrapassar o original. Dan Trachtenberg consegue revitalizar a franchise ao focar-se numa protagonista convincente e na essência motivacional da criatura principal, para além de criar um dos filmes mais deslumbrantes de 2022.
Tanto a cinematografia como a banda sonora aproveitam as filmagens em localizações reais para criar uma atmosfera praticamente épica, seja através de planos largos de deixar qualquer espetador boquiaberto ou de sequências de ação violentas, macabras e excecionalmente coreografadas em conjunto com takes longos. Amber Midthunder entrega uma das melhores prestações da sua carreira.
Para fãs da saga, de horror e/ou de ação, é difícil encontrar melhor este ano.