Post Trauma – Review: O verdadeiro terror é a desilusão

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Depois de vários anos de espera, Post Trauma está finalmente disponível no PC e consolas, mas o que poderia ser uma sólida homenagem ao género de terror é antes um conjunto de escolhas dececionantes que só nos fazem respeitar ainda mais os clássicos survival horrors.

Nos últimos meses, as minhas introduções têm sido um padrão. Não só admito que estão a ficar mais longas, expandindo-se ocasionalmente para uma página inteira, como ganhei o hábito de contextualizar ideias, partilhar detalhes pessoais e analisar com afinco o género dos videojogos para construir um ponto de partida para o meu texto. No caso de Post Trauma, o plano envolveria um certamente olhar sobre o género de terror, com foco nos survival horror, já que o título da RED SOUL GAMES, lançado para PC e consolas, é muito inspirado nos grandes nomes do género. Depois dessa apresentação seria importante apresentar casos semelhantes, títulos produzidos por estúdios independentes, com inspirações fortes no género e que também procuraram emular a emoção, jogabilidade e até narrativa de séries como Resident Evil e Silent Hill. No entanto, depois de terminar Post Trauma e desbloquear os dois finais disponíveis, eu não tenho qualquer tipo de vontade em deambular por longas introduções que só atrasariam a verdade que me custa a engolir: este jogo dececionou-me a um ponto completamente inesperado.

A vida de crítico não é difícil. Não é comparável ao desgaste físico de um construtor civil ou ao desafio emocional de um professor que tem de educar uma turma de 30 ou 40 alunos, mas há algo intrínseco e único à profissão de crítico que apenas é sentida e compreendida na totalidade por quem se senta em frente ao PC e escreve os seus pensamentos e apreciações sobre algo que viu, ouviu, jogou ou cheirou. A dor de escrever sobre algo dececionante, o desconforto em deambular pelo texto enquanto procuramos as palavras certas e tentamos objetivar o que é muito subjetivo, é uma longa e real dor de cabeça quando nos vemos perante um videojogo que, para nós, falha todos os alvos e dá-nos as experiências que mais temendo: aborrecimento, passividade, desdém.

No caso de Post Trauma, cujo desenvolvimento segui nas redes sociais, com uma antecipação e curiosidade que não escondo – lado a lado com nomes do género, como Crow Country ou Hollow Body -, a desilusão foi um lânguido e desconfortável arrepio na espinha que ficou progressivamente mais impossível de ignorar. Durante a passagem pelo hospital, naquela que é a segunda grande zona de Post Trauma – e uma clara homenagem a Silent Hill e ao seu intemporal Brookehaven Hospital –, eu fui obrigado a admitir que não me estava a divertir. Post Trauma não é assustador, a história não é interessante ou envolvente, com Roman, o protagonista, a ser das personagens menos carismáticas que já presenciei no género, onde o mistério é confundido com a ausência de propósito, cadência narrativa ou até bom senso para criar mais uma narrativa com elementos psicológicos, onde mais uma vez temos uma personagem que ignora o seu passado traumático, onde os temas de culpa e da sua aceitação minam o mundo e estrutura de um videojogo que podia ter sido muito mais do que aquilo que é. Quando a ilusão se desmoronou e o que ficou foi um aborrecido survival horror, cujos rasgos de qualidade dissipam-se ao longo da campanha – a direção de arte é ocasionalmente interessante, mas a forma como constroem a narrativa visual não é coesa ou sequer convidativa à interpretação –, não podia evitar mais a conclusão que pairava sobre mim: Post Trauma não é um bom jogo.

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Post Trauma (RED SOUL GAMES)

Os problemas não se restringem à narrativa, são muito mais profundos do que isso. O primeiro problema, e talvez o mais desculpável – já que se trata da crítica mais pessoal que posso fazer –, é a ausência de um mapa. Com uma estrutura semelhante a Silent Hill, onde as zonas são representadas por corredores e salas que se confundem entre si, cada uma necessária para a resolução de um puzzle ou para descoberta de um item essencial, a ausência do mapa é irritante. Post Trauma utiliza muito a escuridão para criar uma sensação de pavor no jogador, mas quando os cenários são tão idênticos e a leitura dos mesmos é prejudicada por má iluminação – ao ponto da lanterna ser um empecilho ao dificultar a nossa visão devido aos reflexos em campo –, um mapa podia cortar no backtracking constante. Sem essa opção, a exploração torna-se exaustiva e repetitiva, onde uma porta pode ficar perdida entre objetos decorativos devido à falta de feedback visual ou melhores opções de UX para colmatar as falhas de perspetiva. Os mapas só estão disponíveis nos próprios cenários, uma tentativa diegética por parte da RED SOUL GAMES, mas que não funciona como era esperado. De facto, a leitura dos cenários é tão má que Post Trauma acaba por ser um excelente exemplo da importância da tinta amarela nos videojogos e de outros auxiliares visuais no que toca à visibilidade dos jogadores.

A experiência clássica dos survival horror não é, afinal, o foco de Post Trauma e elementos basilares do género, como a gestão do inventário e a tensão nos combates, não são sentidos ao longo da campanha. Os confrontos são esporádicos, repletos de mau feedback e hit boxes, com inimigos aborrecidos e sem um pingo de criatividade, e é mais fácil e até mais satisfatório evitar as criaturas e contorná-las em campo do que engajar com o sistema de combate. Os recursos são tão fáceis de encontrar que temos sempre balas suficientes para eliminar as criaturas com facilidade, até os confrontos com bosses, onde apenas dois deles envolvem um confronto físico direto. Na verdade, Post Trauma é mais um jogo de aventura com puzzles que tem ocasionalmente um momento mais tenso ou assustador, acabando por surpreender na forma como constrói alguns dos puzzles em prol da sua narrativa.

Post Trauma não está desprovido de ideias e existem ocasiões onde vemos a tentativa de injetar algo novo à jogabilidade. Por exemplo, Post Trauma apresenta três tipos de câmara: third person, first person e over the shoulder. A primeira câmara é a mais utilizada ao longo da campanha, com ângulos pré-definidos, mas também com alguns movimentos de câmara que acompanham a personagem. A segunda é restrita aos trechos de história com Carlos, a segunda personagem que controlamos, e funcionam quase como a jogabilidade de Resident Evil VII: biohazard, mas sem opções de combate. Por fim, a câmara over the shoulder é a mais estranha das três e só aparece em dois momentos da campanha: durante uma secção de labirinto, que não só é fácil de navegar, como esconde poucos segredos nos seus corredores; e no boss final. Não compreendo o propósito desta última câmara, talvez seja uma alusão aos atuais jogos de terror, como o mais recente Silent Hill 2 ou até à série The Evil Within. Será Post Trauma uma tentativa de emular todos os estilos que compõem o género de terror, desde a câmara pré-definida à perspetiva na primeira pessoa? Se é esse o objetivo, respeito a tentativa, mas sou obrigado a concluir que a RED SOUL GAMES fez muito pouco com o conceito e com as mecânicas.

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Post Trauma (RED SOUL GAMES)

O sistema de combate, como já indiquei indiretamente, é outra faceta problemática na jogabilidade de Post Trauma. Não só os confrontos são maioritariamente descartáveis e fáceis de evitar, como os movimentos de Roman, a colisão de objetos e os padrões de ataque não são satisfatórios. Existem várias armas disponíveis, desde um martelo à famosa shotgun, mas nenhuma tem impacto no sistema de combate. Por exemplo, a utilização da pistola e shotgun não requer mira e Roman dispara para onde está virado. Num videojogo com ângulo definidos, onde a personagem está quase sempre distante, é difícil determinar se estamos na mesma direção das criaturas. É muito fácil falhar um disparo e ficarmos invulneráveis, e são estes os momentos que nos convencem que não devemos interagir com o combate. Para ajudar, as animações também são insatisfatórias, com loops estranhos e até amadores, e a utilização de um sistema de stamina, que influencia até a corrida das personagens, não cria tensão ou momentos únicos em combate.

Post Trauma é uma deceção depois de anos de espera. Aquele que foi, em tempos, considerado como um dos exemplos máximos do género, uma possível esperança para as produções independentes no que toca aos títulos survival horror, acabou por ser um exemplo dos perigos destas homenagens sentidas, mas equivocadas. Fora alguns elementos visuais, Post Trauma pouco me satisfez ou cativou. Alguns puzzles foram divertidos de solucionar, requerendo alguma navegação e leitura dos cenários, mas o combate, exploração, interpretações vocais, alterações de perspetiva, performance técnica, até a banda sonora não foi memorável, apesar dos esforços quase herculanos em imitar o estilo de Akira Yamaoka. É uma memória para esquecer e arquivar algures no fundo do cérebro, nem que seja para afastar o medo de me desapontar novamente com os estúdios independentes e as suas tentativas falhadas em homenagear os tempos áureos do género. Tenho mais respeito por aqueles que procuram algo novo, nem sempre com os resultados mais sólidos, do que estas tentativas em criar algo suficientemente familiar, mas sem um pingo da alma ou personalidade.

Cópia para análise (PlayStation 5) cedida pela Raw Fury.

João Canelo
João Canelo
Crítico de videojogos, Guionista, Professor e o responsável pelo melhor mortal nas aulas de Educação Física em 2002. Um aficionado por jogos peculiares.
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