Boas ideias e ambição não justificam os problemas graves de desempenho e jogabilidade que condicionam este novo jogo de terror.
Acho que é necessário falar sobre o impacto de Resident Evil VII: Biohazard no género de terror. A estreia da série numa nova perspetiva, mergulhando finalmente nas suas raízes primordiais e na ação na primeira pessoa, foi um passo definitivo para a atual popularidade e sucesso da franquia junto dos seus fãs. Resident Evil VII: Biohazard não foi uma rutura profunda com os títulos anteriores, antes a adaptação da sua fórmula a uma nova experiência de terror, ainda mais marcada pelo cinema norte-americano com horror grotesco, pântanos inóspitos e o retrato de uma família vitimizada por experiências científicas que saíram fora do seu controlo. Com a nova perspetiva, a Capcom cimentou certas mecânicas e UI que perduram até hoje na série: os tons amarelados como forma de navegação, a opção de defesa, a ação contínua e in game nas cinemáticas, um HUB extenso que se divide por zonas mais pequenas – e que diferem temática e estilisticamente entre si -, e um novo UI mais minimalista, pensado para a utilização rápida e assente na combinação e gestão.
Estes elementos mecânicos e visuais tiveram impacto sobre os estúdios e produtores independentes. Se Amnesia: Dark Descent marcou o nascimento dos jogos de terror sem combate, inteiramente focados na furtividade e na resolução de puzzles, já Resident Evil VII: Biohazard foi a quebra desse modelo e demonstrou como o género pode (e deve) ir além dos inimigos indestrutíveis. O combate voltou a ser imprescindível no género, tal como um horror mais grotesco e visceral, e o level design solidificou-se novamente pelo loop que envolve busca de chaves e itens que abrem novas alas numa zona muito mais interligada do que apenas linear. Fobia – St. Dinfna Hotel e Pine Harbor são alguns dos títulos que se inspiraram nas mecânicas do jogo da Capcom, cujas influências são impossíveis de ignorar, e agora, sete anos depois da estreia de Resident Evil VII: Biohazard, Pneumata tenta a sua sorte.
Não demoramos a reconhecer a fórmula da Capcom no ADN de Pneumata. A introdução apresenta-nos o nosso protagonista, detetive privado, que acaba de receber uma misteriosa cassete. Nessa cassete, gravada pelo próprio, ele investiga um estranho farol até que a gravação é interrompida pela voz da sua namorada. Ele não se recorda do evento e é impelido a investigar mais sobre as origens da cassete, que contém apenas a morada: Milton, Missouri. Assim começa Pneumata, com um mistério, um desaparecimento e uma cassete: tal como Ethan e Mia. Ao contrário da família Baker, os moradores de Milton são fanáticos religiosos e encontram-se escondidos pelas florestas inóspitas da religião, cujas casas estão construídas sem ordem e marcadas pelo isolamento em que existem.
A chegada a Milton é pontuada pela surpresa. Se Resident Evil VII: Biohazard é uma influência a nível mecânico e no que toca à sua direção, o mesmo não pode ser dito da sua escala. O terreno dos Baker e as suas várias zonas são pontuadas por um design mais seguro e compacto, aproveitando cada divisão para adicionar novos puzzles e desafios. Não sentimos que algo está a mais, tal é a escala reduzida dos cenários quando equiparada a outros títulos do género. Por sua vez, Pneumata é ambicioso no level design e tenta construir a cidade de Milton na sua totalidade, com várias casas, lojas, complexos de apartamentos e outras zonas abertas. Os interiores apresentam quase sempre níveis superiores e inferiores, com vários elementos decorativos, divisões distintas e mais do que uma entrada. É impressionante sentir a dimensão de Milton e compreender como se constrói em redor das suas zonas de interesse, mas Pneumata começa a demonstrar as suas fraquezas exatamente na sua ambição.
Os cenários são extensos, sem dúvida, mas o seu propósito perde-se constantemente. A fórmula Resident Evil envolve níveis que se interligam, marcados por um design labiríntico, mas igualmente lógico e fácil de memorizar. Os corredores claustrofóbicos da mansão Spencer ou da casa Baker nunca deixam de captar a curiosidade dos jogadores e convidam à exploração, recompensando essa curiosidade através da descoberta de novas chaves ou atalhos que encurtam os tempos de deslocamento. Pneumata tenta seguir o mesmo modelo, mas não há uma ideia concreta por detrás do seu design. Os cenários são enormes, mas igualmente vazios e tornam-se cansativos devido à repetição das mesmas salas sem grande impacto mecânico. O design também é labiríntico, mas sem um foco concreto na navegação e percebemos que estamos apenas a caminhar por corredores, divisões ou espaços exteriores que não foram devidamente pensados para funcionarem em uníssono. Então tudo se torna confuso e aborrecido.
Não se trata de um caso isolado, antes pelo contrário, Pneumata cai constantemente no erro de expandir ainda mais as suas zonas principais. Se o complexo de apartamentos, que podemos considerar como o primeiro grande nível da campanha, já apresenta os problemas que identifiquei, os esgotos são absolutamente insuportáveis devido ao número de caminhos que podemos explorar. Em qualquer outro jogo, isto seria uma bênção, pois significaria mais zonas para conhecer e puzzles mais complexos para resolver, mas em Pneumata, este design não adiciona mais nada senão confusão desnecessária – especialmente porque não temos um mapa para nos ajudar. Não se trata de falta de atenção, antes falta de boa navegação. Os túneis dos esgotos são todos iguais e nunca sabemos onde estamos ou onde é suposto irmos. Não há uma lógica por detrás da navegação, apenas excessos que são agravados pela constante presença dos seres mutantes que nos perseguem.
A cidade de Milton não é a secção mais problemática de Pneumata, mas evidencia outro problema: a má iluminação. Apesar de adorar a utilização da escuridão neste género de jogos, Pneumata não encontra um equilíbrio entre a falta de visibilidade, mas a constante orientação do jogador dentro dos espaços, então sentimos que estamos a ser desnecessariamente restritos e condicionados pelo jogo. As zonas apenas flutuam entre uma iluminação inexistente ou demasiado presente, prejudicando a utilização da lanterna ao longo da campanha. A luz da lanterna é a única forma de vermos os cenários de Pneumata, mas basta encontrarmos um pouco de luz e a lanterna torna-se num obstáculo à visibilidade porque torna tudo mais brilhante. Então ficamos condicionados entre cenários demasiado confusos e uma iluminação mal implementada, criando assim uma experiência que fica progressivamente mais difícil de defender. Para não falar da péssima banda sonora, cujos efeitos sonoros sobressaem-se a qualquer outra faixa de som, incluindo os diálogos – o que torna a perceção da história quase impossível, já que não temos a possibilidade de ativar as legendas.
Apesar da ambição no seu level design, Pneumata é muito mais tímido na jogabilidade e joga pelo seguro. Temos acesso a um inventário limitado, como seria de esperar, tal como várias armas. Desde pistolas, espingardas e armas automáticas até facas e ferros que podem ser utilizados em confrontos físicos, Pneumata apresenta um armamento familiar se tiverem experiência com o género de terror. As armas físicas podem quebrar-se, mas talvez não tenham esse dissabor porque os ataques não são muito eficazes e existem balas suficientes no jogo para não terem de depender de outro armamento. O sistema de mira é eficaz e responsivo, e certamente foi construído em torno das mecânicas que a Capcom introduziu em Resident Evil VII: Biohazard, com a perspetiva e zoom da mira a serem muito semelhantes. Também existe um botão de defesa e até um desvio rápido, duas adições curiosas, tendo em conta que o sistema de combate existe muito bem sem estas mecânicas. O que me leva a pensar sobre o foco de Pneumata e se os confrontos físicos seriam prioritários numa primeira fase. Com um desvio tão difícil de utilizar e até desnecessário, parecem ser mecânicas descartáveis num jogo que vive bem apenas dos confrontos à distância.
Não existe nada inerentemente errado à influência de Resident Evil VII: Biohazard no género de terror e é até interessante analisar o seu sucesso junto dos fãs. Não é a apropriação de elementos visuais e mecânicos – até as salas de gravação são muito semelhantes e encontramos regularmente caixas identificadas por fitas amarelas, entre outros – que prejudicam Pneumata ou invalidam a sua tentativa em adaptar o molde a uma estrutura mais aberta, mas sim a sua falta de orientação e foco. A campanha tenta conciliar tantos elementos que nunca aperfeiçoa um deles e vemo-nos constantemente sem sabermos para onde devemos ir e o que é suposto fazer. Os puzzles são simples e resumem-se a soluções que estão quase sempre no mesmo local, e quando Pneumata tenta ser mais arrojado, tudo deixa de ser intuitivo. Um dos primeiros puzzles envolve a abertura de uma porta no complexo de apartamentos que nos obriga a sair e a procurar uma loja de conveniência algures na cidade, sem nunca deixar pistas para tal. Pneumata quer que nos sintamos perdidos e que exploremos Milton à procura do próximo ponto de interesse, como se quisesse ser uma experiência clássica, sem ajudas ou artifícios. Mas não é isso que Pneumata é. O que Pneumata é um jogo perdido que não aprendeu a lição mais importante que devia ter aprendido com a série da Capcom: às vezes, menos é mais e a escala é importante.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Perp Games.