“Unfortunately Octavian is unable to perform today due to illness. As a gesture of goodwill the beach party tomorrow will now be free to all Nova Batida customers. If you have already purchased a beach party ticket, this will be refunded by your ticket provider.”
Foi desta forma que o Nova Batida nos recebeu no seu último dia (de concertos, dado que, como se depreende do comunicado acima, ainda restava uma beach party no dia seguinte – que, viemos a saber, também não teve a presença do seu principal chamariz, Joy Orbison…será azar?). Assim. Como uma folha A4 afixada no pórtico de entrada (e afixado em mais alguns locais). Depois dos Friendly Fires na véspera, novo cancelamento, desta feita de Octavian. Pouca sorte para a organização, o que não veio ajudar a que saísse da 2ª edição com grande notoriedade.
Foi o dia em que mais cedo chegámos, e também o dia em que se notou grande diferença de público, em muito menor número do que nos dois primeiros dias. Talvez muitos tivessem regressado mais cedo (vai na volta segunda-feira também é dia de trabalho no Reino Unido).
Cabia a Leifur James começar o dia no Nova Batida. Era com expetativa que aguardávamos o seu concerto (a invenção do século que é o Shazam encaminhou-nos até ele desde o dia que o ouvimos na rádio). A verdade é que começámos a duvidar se efetivamente o concerto teria lugar. Já passavam 20 minutos depois das 15h e nem sinal da sua presença (nem de público – quando começou seríamos uns 15). Até que um dos técnicos de som, quando questionado sobre o tema, nos indicou que estava mesmo a começar. Dúvidas desfeitas, que comece o espectáculo.
O que se seguiu foi uma narrativa de 40 minutos de uma eletrónica contemplativa, adornada por belos detalhes. Sentado ao piano e munido de sintetizadores, remete-nos para pares como Nils Frahm (embora menos clássico) ou para Jon Hopkins (embora menos progressivo). A batida ia alternando, ora forte, ora mais suave, mas nunca monótona. Embora centrado no seu álbum de estreia A Louder Silence, não o transpôs na íntegra, dando espaço para a improvisação. Uma palavra de elogio ainda para o belo jogo de luzes, a escondê-lo na penumbra, dando bom contexto cromático ao seu excelente concerto.
Outro dos nossos focos de interesse nesse dia era a atuação de Awesome Tapes of Africa. Terminado o concerto de Leifur James, seguimos para o Village Underground para ouvirmos algumas das pérolas descobertas por este “mineiro” sonoro especializado na música africana. E eis que…não, não é música africana que nos recebe. Bem, quem sabe nas suas atuações também passem por outro tipo de música. Mas a aparência do senhor que está na mesa de som não se assemelha com Brian Shimkovitz…”talvez tenha cortado o cabelo”, pensamos nós.
Vamos esperar mais um pouco… Não, isto não é Awesome Tapes of Africa. Ainda hoje não sabemos se ele lá esteve (segundo consta do que lemos noutros meios, o horário foi remarcado… só não sabemos para qual). Mais um ponto negativo para a (péssima) comunicação da organização.
Regressamos à LX Factory e apanhamos a parte final dos Auntie Flo. Não conhecíamos, de todo, este projeto, e ficámos surpreendidos com a proposta. DJ, teclista e percussionista africano iam dando asas a algum improviso, enquanto o DJ compassava a proposta. Projeto deste goês-queniano crescido em Glasgow, é um combo electrónico alimentado por world music e psicadelismo (as suas raízes africanas e asiáticas não podiam deixar que fosse doutra maneira).
Falou-nos da facilidade que foi, ao contrário do que é costume quando têm de viajar, de conseguir um visto de entrada em Portugal, aproveitando para introduzir uma canção centrada nessa temática (o percussionista africano vai referindo as palavras UK, VISA, etc., enquanto nos vamos esforçando para perceber o que diz – na verdade, não é preciso, pois o sentimento que expressa é suficiente para compreendermos a mensagem). Palavra ainda para o criativo teclista, bastante jazzy e irrequieto. Boa surpresa, estes Auntie Flo.
Octavian não viria, mas Talib Kweli não seria o único rapper do cartaz. Seguia-se Akala, rapper britânico totalmente desconhecido para nós (mas, sem surpresa, familiar dos ingleses), que se distinguiu do que estamos habituados, por, para além do essencial DJ, se apresentar com um baterista que conferiu mais poder ao concerto. E, tal como Talib, também se mostrou em boa forma.
Dono de boa caixa de ar e de um flow consistente, comprometido com diversas politicas, foi usando alguns vídeos com legendas para nos orientar (perdoem-nos, mas sejam eles ingleses, americanos ou franceses, é-nos muito difícil perceber o que dizem). O público não era muito, mas saiu, sem dúvida, satisfeito.
Havia mais um concerto que não queríamos perder. Não era a primeira vez que tocavam em Portugal, mas vinham desta vez com outro estatudo – Ibibio Sound Machine. O aparato em palco parecia ser um bom indicativo – muitos e diversos instrumentos. Teríamos festa, certamente. E tivemos.
Dos concertos que presenciámos nesse dia, foi o concerto que atingiu mais público. Mas em palco também não foram poucos – contámos 10 elementos em simultâneo. Havia guitarras, bateria, sopros (saxofone, trompete, trombone) percussão, teclas… E entraram imediatamente, sem rodeios, para partir a loiça. Em jeito de big band, juntam influências do Caribe, do Magrebe, de África, funk, soul. Temos, até, direito a coreografias, típicas de bandas que se divertem muito com o que fazem. Querem-nos pôr a dançar a todos.
A vocalista Eno Williams é uma verdadeira diva (no bom sentido da palavra), cheia de energia, com poder vocal a invejar muitos participantes do Factor X. O guitarrista Alfred Kari Bannerman, trajado em trajes típicos nigerianos, não envergonharia Hendrix, e o trompetista, o saxofonista e o trombonista teriam lugar em qualquer brass band.
Lembram-se de “Waka Waka”, celebrizado por Shakira? A mesma fonte de inspiração (“o sani nani nani ehh”) para esse êxito é base para “The Chant (Iquo Isang)”, uma das recuperadas ao disco anterior Uyai, de 2017. Para o fim, ficou o seu mais recente hit “Tell Me (Doko Mien)”, do recentemente editado Doko Mien, na nossa opinião ainda melhor ao vivo do que em disco (com a velocidade certa), e “Give me a Reason”. Saíram em apoteose. Conquistaram certamente mais alguns corações. Esperamos que regressem em breve, num contexto e sala melhores.
Ainda aqui não falámos da qualidade sonora (ou falta dela) da sala LX Factory. A verdade é que arruinou os nossos ouvidos, sendo uma confusão que chegou (se não mudássemos de sítio) a ser incomodativa. Questiono-me sempre porque se mantém o som em níveis tão altos em salas com tão péssima qualidade de som. Foi pena, pois teríamos aproveitado muito mais num recinto com outras condições.
Não iríamos aguardar por Four Tet (havia que levantar cedo no dia seguinte) nem por mais nenhuma atuação. Terminava para nós, com um sabor agridoce (ver abaixo), a 2ª edição do Nova Batida.
O Nova Batida tem tudo para ser figura de destaque dentro dos festivais portugueses de pequena dimensão, mas, para isso, precisa de querer fazer parte do nosso país (e não apenas ter lugar em Portugal). O cartaz era fresco e interessante, composto por boas propostas de diferentes estilos, e a LX Factory e o Village Undergound dão-lhe um ar cosmopolita e fotogénico.
Mas o festival acabou por ficar manchado por uma organização descuidada. Os cancelamentos (embora todos estejam sujeitos a isto, dois no próprio dia, mais dois poucos dias antes…) e alterações (a que horas terá atuado, se é que atuou, Awesome Tapes of Africa? Porque tocou apenas 40 minutos Leifur James, quando estavam previstos 60?) foram muito mal geridos, a informação era escassa (e prestada essencialmente em inglês) e dada à moda antiga (com folhas de papel A4 na parede), os preços adaptados à realidade britânica (3€ por uma imperial de 20 cl…)…
Talvez por isso nem os 25€ diários (65€ os três dias) tenham atraído muito público nacional, fosse por desconhecimento (a verdade é que, em Portugal, a promoção do Nova Batida foi muito discreta) ou por desconfiança (o ano passado, segundo consta, também teve os seus percalços). Não há nada de mal em ter um festival inglês em Lisboa, mas perde-se uma boa oportunidade para que fosse algo mais (e nem era preciso muito mais).
Para 2020 está já prometida uma nova edição, de 11 a 13 de setembro. Os organizadores têm um ano para pensar no modelo. É que o Brexit está aí à porta…O que será do Nova Batida quando ele se consumar?
Fotos de: Gary Brown