Inspirado pelos grandes clássicos de plataformas, Nikoderico: The Magical World é uma experiência familiar, sem grandes surpresas, mas sempre divertida a solo e em modo cooperativo.
Há uma certa humildade em Nikoderico: The Magical World que tenho de respeitar. O jogo de plataformas, desenvolvido pela VEA Games, é munido de uma personalidade forte que quase o aproxima de um desenho animado interativo, desde as suas personagens caricatas – como os protagonistas Niko e Luna – ao mundo colorido que ambos habitam em busca de aventuras. Acima de tudo, Nikoderico: The Magical World não esconde a receita do seu interessante cocktail, combinando as mecânicas de Crash Bandicoot com o level design de jogos da saga Mario e de Donkey Kong, sem esquecer uma pitada dos collectathon que marcaram a quinta e sexta gerações de consolas. É um jogo que tem pouco de original, mas que funciona em quase todos os momentos através de um leque de inimigos consistente e um design de níveis que exponencia o número limitado de mecânicas ao máximo.
Nikoderico: The Magical World pode ser considerado uma sincera homenagem ao género de plataformas e alguns dos seus maiores protagonistas. Encontramos na jogabilidade e campanha uma alma antiga, nostálgica, cujas peças são familiares e facilmente reconhecidas por todos os fãs do género. Como o mapa-mundo, onde temos acesso a todas as zonas e níveis disponíveis, que não só relembra as aventuras de Mario e companhia, como se inspira em Donkey Kong Country na forma como navegamos através dos pontos de interesse. Os níveis temáticos seguem quase todos os clichés do género, desde as florestas verdes aos mundos gelados, existindo também adaptações diretas de momentos icónicos dos videojogos já mencionados, como as stressantes, mas igualmente divertidas viagens de carrinhos por minas e não só.
Niko e Luna, quer a solo quer no modo cooperativo, são ecos do passado em termos de mecânicas e das habilidades que apresentam. O botão de salto é incontornável, mas a VEA Games adaptou igualmente a possibilidade de planarmos depois do primeiro salto, um deslize que serve de ataque, mas também como forma de alcançarmos espaços mais estreitos – e ainda um “stomp” que se revela como a única opção de ataque para certos inimigos, como os porcos-espinhos, que não podemos atacar com um salto direto, ou os homens-lagarto que possuem armas de arremesso. Até a utilização de montarias não é original e não precisa de ser, já que a Rare e a Nintendo aperfeiçoaram a sua implementação no género, mas é agradável ver como funciona tão bem aqui. Uma possível novidade está na reutilização destas criaturas amigáveis, que apresentam habilidades distintas entre elas – como o dinossauro que come e cospe inimigos, o sapo que salta mais alto e atira projéteis, ou o pássaro que consegue voar – e na possibilidade de comprarmos itens que nos permitem chamá-las sempre que quisermos durante os níveis. Uma opção interessante que nos ajudará a encontrar os vários itens secretos escondidos pela campanha.
As comparações à série Crash Bandicoot não se restringem ao design e apresentação de Niko e companhia, ou à forma como o seu mundo está construído, antes à alteração da perspetiva em momentos específicos da campanha. A maioria da aventura resume-se a um jogo de plataformas 2.5D, com uma perspetiva sidescroller, onde seguimos uma estrutura semelhante a tantos outros títulos do género – sequências de saltos, combate contra hordas, os famosos barris que disparam em várias direções, lianas que podemos utilizar como impulso ou sequências aquáticas – mas encontramos momentos onde a perspetiva muda e Nikoderico transforma-se num autêntico jogo 3D. Infelizmente, as sequências são muito curtas, quando comparadas com as 2D, mas adicionam alguma variedade à jogabilidade e conseguem criar momentos de ação diferentes, nomeadamente durante os combates contra bosses, cuja liberdade de movimentos é bem-vinda – não só para nos desviarmos dos seus ataques de área, mas também para aproveitarmos as plataformas em que estamos.
Nikoderico: The Magical World não é perfeito e existe um pequeno atraso em algumas ações. Também encontrei bugs visuais, hit boxes nem sempre consistentes e uma falta de cadência na movimentação das personagens, cujas habilidades poderiam ser combinadas para desbloquearmos melhores ataques e opções de mobilidade. No entanto, é um jogo de plataformas sólido e divertido, com vários níveis, bons bosses e ainda valores de produção surpreendentes para um jogo deste calibre, como a utilização constante de atuações de voz, boas animações nas personagens principais e a implementação surpreendente das funcionalidades do comando DualSense – desde o microfone até aos sensores hápticos. A sua maior virtude é também o seu calcanhar de Aquiles, incapaz de suplantar as suas inspirações ou utilizar com maior engenho o que retirou de cada uma delas, limitando-se quase sempre a copiar e pouco mais. Mas há aqui humildade, nada é escondido ou ignorado, e no final do dia, é bom matar as saudades do género com um jogo que procura dar-nos uma experiência tão especificamente nostálgica como esta.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela JF Games.