MOTELX – Ivan Cardoso, o TerrirVel

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Mais uma estreia nacional, como tantas outras a que o MOTELX já nos tem habituado. Desta vez abordamos o documentário Ivan, o TerrirVel, realizado por Mário Abbade, mais conhecido como crítico de cinema.

Em 103 minutos que passam a voar, é dado um panorama sobre a vida de Ivan Cardoso, figura maior de um género peculiarmente brasileiro. O terrir.

Figura da boémia cultural do Rio de Janeiro (adepto fanático do Botafogo, como não podia deixar de ser), Ivan Cardoso celebrizou-se em particular como realizador de As Sete Vampiras, mega sucesso de 1986 que trouxe para o grande público o terrir, ao contrário do seu mais clássico habitat no movimento do Cinema Marginal. Sempre com orçamentos escassos e organização perto de uma lógica de guerrilha, herdeira da influência de José Mojica Marins, o mítico Zé do Caixão com quem Cardoso colaborou. Deste caos nasceram obras onde o humor das chancadas brasileiras se mistura com os clássicos de terror da Universal, o estilo gótico da Hammer e as lógicas delirantes de figuras como o artista plástico Hélio Oiticica ou o poeta Torquato Neto, ligados ao tropicalismo.

O fio condutor do documentário são os relatos do próprio Ivan Cardoso, misturado com material de arquivo, animações e reconstituições de cenas. Ligado desde sempre às artes, Ivan começou como fotógrafo e, por portas travessas, atinge um lugar relevante no meio musical, sendo responsável pelas capas dos discos Fa-Tal, de Gal Costa, e Araçá Azul, de Caetano Veloso. No entanto, e nunca deixando de ser também escultor e pintor, o cinema acabou por ser a sua paixão maior. O cinema mais ligado ao terror e ao confronto com a morte. Diz o homenageado: “Fotos são necrológicos: no fundo, ao retratar uma pessoa, você está guardando algo que vai morrer. E eu vivo em sintonia com esses mortos.”

Esta inquietação é lidada numa lógica sem lógica, no nonsense, ligada a figuras clássicas do género do terror. Exemplo disto é uma das suas primeiras obras, a média metragem Nosferatu no Brasil, de 1971, onde o mítico vampiro, protagonizado por Torquato Neto, abandona Budapeste e vai passar férias ao Rio de Janeiro enquanto se diverte a sugar o sangue das moças locais.

Na primeira longa, O Segredo da Múmia, de 1982, Ivan Cardoso resgata um galã clássico do Brasil, Wilson Grey, no papel de um cientista que descobre a poção da imortalidade e ressuscita uma múmia egípcia. Esta obra foi muito bem recebida pela crítica e viria a premiar realizador e estrela principal.

E depois chega As Sete Vampiras, onde uma professora de dança (Nicole Puzzi) sofre o choque de ver o marido devorado por uma planta carnívora. Após um retiro, acaba por vir a trabalhar num clube nocturno para encenar o espectáculo As Sete Vampiras. Torna-se num sucesso, mas uma série de homicídios segue-se. As salas de cinema encheram-se.

Desde então nunca mais parou, de volta à normalidade anormal. Porém, chegou o reconhecimento internacional, as viagens aos festivais de cinema, as referências por figuras do cânone da 7ª Arte. O riso nunca o abandonou e as colaborações com atrizes como Cláudia Ohana (de fama Vamp nas tardes de RTP 2 para quem nasceu no princípio dos anos 80) ou músicos míticos como Raul Seixas e Tim Maia nunca pararam.

Ivan Cardoso é um dos melhores exemplos daquilo que tem garantido ao MOTELX um lugar à parte no panorama vasto dos festivais de cinema em Portugal: a homenagem em vida a estes heróis de um cinema que tem vivido mais de sombras do que de luz. Aliás, foi um dos primeiros convidados de honra do Festival, em 2007. Torna-se particularmente relevante por ser originário daquele irmão distante e próximo, o Brasil, e como as dificuldades vividas por este tipo de criador é comum dos dois lados do Atlântico. A miséria adora companhia. A miséria em fazer aquilo que se gosta, ainda mais. Tal como é mencionado no documentário o grande Nelson Rodrigues, “Artista tem de ser vaiado”.

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