Monument Valley III – Review: Mais uma vez, com emoção

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Apesar das limitações físicas do comando, Monument Valley III, a nova sequela da ustwo games, volta a cativar através dos seus visuais inesquecíveis e pela forma como equilibra puzzles acessíveis, mas inventivos, com uma narrativa mais presente.

Um círculo surge sobre um manto branco. No centro desse círculo, que é decorado por ramos e flores que se sobrepõem, encontramos Noor. A jovem está sentada no que parece ser o centro de um passadiço, a baloiçar as suas pernas e a movimentar o tronco como se ouvisse o som do mar, do vento e das gaivotas que tem sido audível desde que o círculo se materializou no ecrã. Talvez Noor esteja a ouvir antecipadamente a melodia quente e nostálgica que se apodera da banda sonora quando o círculo se expande e revela que o passadiço é uma plataforma no centro do mar. Agora Noor é apenas uma pequena peça nesta estrutura minimalista, cuja perspetiva desafia a nossa compreensão lógica. Os caminhos intercetam-se nesta estrutura, como se um círculo de arestas fechadas se formasse no mar, mas cujo destino é sempre visível. No canto superior, localizamos rapidamente a mentora de Noor, uma guia visual para aquele que é o nosso primeiro puzzle.

Sem caminho e com a mobilidade limitada, somos levados a experimentar. Se já jogaram Monument Valley, a solução é simples e familiar, mas vamos imaginar que este é o primeiro contacto com a série. O que fazemos agora? Mesmo que a lógica nos escape, a nossa mente analisa o mapa e tece as suas conclusões, reage a padrões reconhecíveis e chega a uma estratégia. A manivela destaca-se, não só pelo seu posicionamento lateral, mas também pela sua cor alaranjada – a única com este registo visual, o que lhe dá logo um maior destaque em campo –, e então experimentamos. A nossa ação tem uma reação e a plataforma muda de formato perante os nossos olhos. Um trecho da plataforma é influenciado pela manivela e ao rodarmos conseguimos criar um novo trajeto para Noor. Por fim, a jovem pode juntar-se à sua mestre no topo da plataforma. O puzzle é resolvido e a introdução é concluído, mas, acima de tudo, a mensagem é transmitida para o jogador: a perspetiva é moldável em Monument Valley III e nem tudo é o que parece.

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Monument Valley III (ustwo games)

A introdução é de uma simplicidade reconfortante e nasce da segurança da ustwo games, agora no seu terceiro título. Podemos criticar este momento introdutório devido à sua facilidade e limitados pontos de interação, mas eu defendo o oposto: é perfeito. Temos um primeiro teste e uma primeira oportunidade para explicar vários pontos de interesse ao jogador sem necessitar de tutoriais exaustivos: podemos manipular o campo e o objetivo resume-se a levar Noor até ao seu destino. Esta é a base para todos os níveis de Monument Valley III, por mais complexo que sejam os puzzles – é o objetivo que ata todas as dez campanhas do jogo.

Esta elegância mecânica nasce de um certo minimalismo que poderia ter sido limitador, mas que se revelou como o oposto. Em Monument Valley III, a interação é relegada a pontos definidos, o que pode surpreender os jogadores mais experientes. Podemos movimentar Noor pelos níveis, mas a forma como solucionamos os puzzles requer mais a manipulação das plataformas do que propriamente encontrar itens ou ferramentas imprescindíveis à aventura. Sejam manivelas ou suportes que nos permitem rodar os níveis e plataformas, Monument Valley III centra-se sempre na descoberta do caminho e na compreensão do ponto de vista de cada nível. Alguns momentos podem requerer a ativação de um interruptor ou então a participação de outras personagens, que temos de guiar pelos mesmos caminhos de Noor, mas a lógica mantém-se. Como alcançamos o final de cada nível é o verdadeiro puzzle e para tal temos de analisar os cenários, compreender como funcionam as suas peças e como a perspetiva pode ser moldada à nossa vontade para conseguirmos chegar ao fim – tudo isto com um trabalho sonoro imaculado, com feedback sonoro para todas as ações e até variações das faixas musicais para reforçar a progressão de um puzzle.

Como sequela, Monument Valley III peca pela dificuldade, preferindo manter-se num registo muito mais ponderado e acessível do que perder tempo em busca de picos de intensidade. A ustwo games compensa a ausência de dificuldade com maior inventividade visual e com uma vontade renovada em reaproveitar o minimalismo das suas mecânicas para criar novos puzzles. Não só os níveis são apresentados através de cores únicas e diferentes estilos visuais, que lhe dão maior personalidade e identidade – uma das campanhas é composto por níveis que se desenham à medida que resolvemos os puzzles –, como encontramos momentos com portais, onde temos de movimentar as plataformas entre pontos de entrada para alcançarmos o fim; e também uma forte utilização da água como suporte para os puzzles. A jogabilidade não é modificada entre níveis, por mais complexo que seja o puzzle, mas é sempre interessante perceber como funciona a imaginação da ustwo games. Por exemplo, a presença da água. No capítulo VI, encontramos um momento em que temos de rodar parte do cenário para controlar o fluxo da água, aumentando a densidade de uma pequena piscina para subir e descer plataformas anteriormente inacessíveis. Quando chegamos ao capítulo VIII, mais próximo do final da campanha, a água ganha uma nova dimensão ao permitir que possamos navegar através do reflexo das plataformas e alternar entre várias versões do nível para chegarmos à saída.

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Monument Valley III (ustwo games)

O mar é um dos motifs fortes de Monument Valley III, uma presença constante na aventura de Noor e um elemento que serve a narrativa e alguns dos puzzles do jogo. Nesta sequela, as viagens de barco, que ligam alguns dos níveis, não são meramente automáticas e transformaram-se em elementos imprescindíveis à progressão. Desta vez é possível subir para o barco, controlá-lo livremente e até utilizá-lo para resolvermos alguns dos puzzles. O controlo é intuitivo e o espaço de navegação é limitado, sempre linear e restrito, mas conseguimos sentir a vontade da ustwo games em expandir a jogabilidade além das plataformas geométricas. Então navegamos a barco pelos níveis em tons pastel, sobre um mar convidativo e quase sempre calmo, onde encontramos momentos de puzzles que requerem a movimentação entre plataformas distintas para resolvermos um objetivo principal.

Apesar de apreciar a implementação do barco enquanto método de transporte, sinto que é sinónimo de um problema maior em Monument Valley III: a falta de tempo. Estamos perante uma sequela com poucas surpresas, construída sobre a fórmula aperfeiçoada dos jogos anteriores, mas que ainda apresenta algumas novidades e mecânicas que mereciam tempo para crescer. Infelizmente, Monument Valley III é um jogo sem tempo, sempre a correr para o seu final, despreocupado em pegar nos seus puzzles para os evoluir com calma. O barco é utilizado ocasionalmente, os portais do capítulo VI não regressam à equação e não são reaproveitamos para novos puzzles, e até a utilização da água é restrita a um par de níveis. Não vejo a longevidade como um problema, apesar de ser reduzida, mais a forma como essa duração é aproveitada e é aí que sinto os limites de Monument Valley III.

Esta é uma sensação contraditória porque não consegui separar-me de Monument Valley III até o terminar. Não me sentia tão investido num jogo deste género desde Viewfinder – que, curiosamente, partilha o mesmo problema de tempo – e a campanha move-se a um ritmo tão acelerado que ficamos hipnotizados pela quantidade de puzzles, níveis e situações imaginativas que encontramos em apenas duas horas de duração. Talvez esta falta de foco na intensidade dos puzzles e na sua reinvenção seja um reflexo do crescimento da ustwo games enquanto estúdio, agora mais investida na direção visual dos seus jogos, empenhada em contar uma narrativa mais presente e emocional, que se constrói através de uma aventura sentida pelo mundo da geometria sagrada. Monument Valley III funciona mais como uma epopeia, com Noor no seu centro, agora sem mestre e encarregue de manter o grande farol em funcionamento. Um mundo mergulhado em caos, separado pelo mar, cujo habitantes encontram-se perdidos e sem rumo. Talvez este seja o futuro da série Monument Valley, se este não for o seu último capítulo: mais cinemática, narrativa e com uma direção que procure tirar partido da sua excelente direção de arte em todos os momentos.

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Monument Valley III (ustwo games)

Sete meses depois do seu lançamento nas plataformas iOS e Android, Monument Valley III chega assim ao PC e consolas. A sua natureza mobile é impossível de esconder e faz parte da sua identidade desde o primeiro título, e é fácil perceber porquê assim que jogamos com um comando. As ações simplificadas de Monument Valley III procuram imitar movimento e esse movimento casa perfeitamente com os ecrãs táteis, desde rodar as manivelas até a puxar as plataformas para criar novos percursos. Com um comando, estas ações fluídas e naturais tornam-se rígidas e limitadas. O controlo é restrito a pontos de interação e somos obrigados a saltitar entre estes pontos para controlarmos Noor apenas onde é permitido. Esta simplificação dos controlos poderá funcionar para alguns jogadores porque acaba por ser um auxílio na resolução de puzzles – se X é interativo, então X faz parte da solução para Y –, mas é demasiado sufocante para os meus gostos. Joguei o primeiro com controlos por touch e é impossível esquecer o quão intuitivos são face ao comando. É uma mal menor, uma decisão incontornável, mas que fragiliza as versões para consola.

Apesar dos seus limites, Monument Valley III é um vislumbre. A dificuldade é muito passiva e os seus puzzles podiam ser iterados por novos níveis, mas cada área é uma peça de arte digital e a imaginação nunca desaparece. Há muito maior foco na narrativa e é possível sentir que a ustwo games quer quebrar os moldes que criou para a sua série, mas os puzzles continuam a surpreender pelo seu uso de perspetiva e lógica, e mantém-se fiéis ao seu equilíbrio entre espetáculo visual e acessibilidade. Talvez seja uma sequela que pouco evolui a franquia, mas é tão segura, tão forte e cheia de personalidade que o negativo diluiu-se entre queixas e queixumes para ficar apenas a emoção que senti ao longo da campanha. É um saldo positivo e um forte testemunho ao poder do minimalismo e da imaginação. São poucas as peças, mas a ustwo games soube como utilizá-las, focando-se também na componente audiovisual, com destaque para a banda sonora.

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Cópia para análise (PlayStation 5) cedida pela Mimram Media.

João Canelo
João Canelo
Crítico de videojogos, Guionista, Professor e o responsável pelo melhor mortal nas aulas de Educação Física em 2002. Um aficionado por jogos peculiares.
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