Master Detective Archives: Rain Code

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Kanai Ward atrai tanto o protagonista da aventura como o jogador para uma noite longa e chuvosa, onde passamos “as passas do Algarve” para ajudar os mais indefesos a terem justiça. Só temos de ter alguma tolerância a tropes de anime.

Texto por: André Pereira

Terminei recentemente uma relação de um ano com a coleção The Great Ace Attorney: Adventures — na cama, a jogar entre jogos, a descansar entre capítulos e a descobrir que a sequela estava no menu ao lado. Foi uma experiência demorada e incrível com um jogo fantástico que rapidamente se tornou num dos meus favoritos da série. Na estante, ainda tenho outras visual novel para afiar o dente: Disco Elysium, Doki Doki Literature Club! e Danganronpa, o jogo que devia ter jogado primeiro para estar preparado para a bizarria deste Master Detective.

Kazutaka Kodaka, e outros veteranos da série Danganronpa, abandonaram a Spike Chunsoft para abrir o estúdio Too Kyo Games. Com uma maior liberdade criativa, anunciaram vários projetos, que iam desde as séries animadas (Akudama Drive) a alguns jogos, até chegarmos a Master Detective Archives: Rain Code, um título tão longo que dá conta da formatação do título desta análise, mas Master Detective chega bem para a conversa.

O nosso protagonista é o amnésico Yuma Kokohead, que desperta numa carruagem em direção a uma Kanai Ward isolada do mundo e fustigada por uma chuva incessante. Neste prólogo não-tão-breve, aprendemos as mecânicas do jogo enquanto temos de investigar uma série de homicídios a bordo do comboio. Infelizmente, foram umas horas dolorosas e assoberbadas que quase me fizeram desligar a meio. Era muito, demasiado, e tudo ao mesmo tempo e se o jogo fosse todo assim, estava bem arranjado. Mas quando chegamos a Kanai e o jogo começa a sério, as coisas param para respirar e encontram o seu ritmo. Ao mesmo tempo, levanta-se a ponta do véu do mistério que assola Kanai Ward que terá de ser resolvido por Yuma e a trope de detetives da World Detective Organization (WDO) excêntricos que vamos conhecendo.

O jogo respira atmosfera, com Neons desfocados, pessoas apressadas para se abrigarem, caras e intenções escondidas em capuzes e uma tensão à espreita em cada ruela e beco esquecido. É o cenário perfeito e cliché para uma aventura Noir, com direito a monólogos e a outra tropes, aliás — Neo Noir, porque ainda é um jogo bastante colorido, que deixa os cinzas e as sombras no passado, que troca os homens velhos veteranos de gabardinas, com vozes gastas pelo tempo e pelo tabaco, por um elenco a roçar o infantil, munido de poderes sobrenaturais para desvendarem os vários casos que surgem nas suas carreiras.

Para além dos restantes detetives, o foco está na relação entre Yuma e a assistente Shinigami. Uma relação estranha e constrangedora: ele, uma criança com laivos de detetive herói, que não se lembra de nada, e ela com as hormonas aos saltos, se o vento lhe roça os braços. A moça adora crimes e mistérios, só tenho isso a dizer. A relação da dupla é em parte engraçada, em parte forçada, mas de fervura lenta para alguns momentos enternecedores.

Demoramos a ganhar carinho à personagem porque começa como uma folha em branco e só ao longo dos capítulos é que começa a moldar a sua personalidade. Mas tudo evolui com Yuma, dos casos que vamos desvendando aos camaradas que rodam e nos emprestam as suas capacidades, Forte, para abordarmos os capítulos de maneira diferente, daí ter dito que o jogo melhora exponencialmente. E se cada detetive é um condimento nesta caldeirada bizarra, os vilões são, também, qualquer coisa. E é bom que não se afeiçoem a ninguém…

O jogo está dividido por capítulos. Cada capítulo aborda um caso diferente, mas caminha para o mistério de Kanai Ward. E esse caminho é feito em duas fases: exploração/investigação e o Mystery Labyrinth, onde resolvemos os casos. A primeira é simples: exploramos a cidade para aceitar pedidos secundários ou investigamos as cenas dos crimes, onde interagimos com tudo para ganharmos pontos de investigação para desenvolver as competências e os atributos do nosso Yuma. Há aqui um travo de RPG no ar que também se espalha pelo labirinto, com os corredores e puzzles a adaptarem-se ao mistério do capítulo. Um pouco como em Persona 5. Existem outras piscadelas ao género, o que torna tudo tão engraçado quando as topamos. É um visual novel, mas que podia bem ser um JRPG.

Debater e refutar argumentos ou provas vai para além do diálogo. Neste jogo, empunhamos uma espada para cortar acusações e ripostar com as nossas provas — o “Objection” ou “Hold It” da concorrência. A ideia é boa na teoria, mas consegue ser frustrante na prática, onde cada movimento errado custa HP. Evoluir os atributos do Yuma permite-nos aguentar mais estes erros ou reduzir o número de provas erradas à disposição. Existem outros puzzles de torcer o nariz, mas não os senti intrusivos depois daquele prólogo. A minha mentalidade passou a ser: “porquê resolver tudo a conversar se podemos complicar em segmentos vistosos?”

E outra coisa: se só quisermos ver a história sem ligarmos às mecânicas, podemos ignorar tudo o que for opcional. É difícil perder ou “morrer” neste jogo e se acontecer, nunca ficamos muito afastados e temos um botão de avançar para acelerar o jogo. E é bastante válido querermos ignorar o entulho para nos focarmos na história porque é um dos pontos fortes de Master Detective. Se tivermos uma boa tolerância às tropes dos anime, somos recompensados com bons momentos, e pesados, mas sem esquecerem a leveza do estilo e da comédia pontual.

Apesar de não ser tão acessível como o The Great Ace Attorney para ser jogado como um livro ao deitar, joguei bastante em modo portátil da Nintendo Switch. Os problemas de desempenho e a resolução inconsistente são os mesmos problemas são os habituais que já encontramos em muito jogos desta fase da vida da Nintendo Switch. O que é uma pena, porque este jogo com a sua arte distinta e paleta de cores é perfeito para a consola e ainda melhor para quem tirar proveito da versão OLED da consola. Notei também problemas de dessincronização de som ao jogar em inglês, o que me obrigou a mudar as vozes para japonês para não quebrar a imersão.

Ainda assim, é a melhor plataforma para o jogar e não recomendaria noutra, mas também é exclusivo. Joguem Master Detective Archives: Rain Code, estranhem todo o ambiente, deixem-no entranhar e partam à descoberta dos restantes trabalhos da equipa. Pessoalmente, já me sinto vacinado para sair da caixa com Danganronpa.

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Cópia para análise (versão Nintendo Switch) cedida pela Spike Chunsoft.

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