Com inspirações claras noutros jogos de ação e aventura, Lost Soul Aside até encontra uma identidade própria, mas fá-lo pelos piores motivos, resultando numa experiência enfadonha e amadora.
Lost Soul Aside é um mau jogo. Com esta afirmação sinto que esgotei o resto da energia e da vontade que tinha em lhe dar atenção, mas sentiria um enorme peso na consciência se não tentasse elaborar a minha opinião e explicar porque sinto que Lost Soul Aside é um mau jogo. Como a Internet é um oceano de piadas e memes, que se enche sempre que um novo jogo vira alvo de chacota, é preciso remar contra a maré, por mais que me custa. A “fava” saiu agora a Lost Soul Aside, as opiniões são conhecidas, os vídeos já se espalharam pelas redes sociais e o tribunal da opinião pública chegou à sua conclusão.
Eu joguei Lost Soul Aside até me fartar por completo dele. Não vi os créditos finais, não penso sequer ver os restantes capítulos no YouTube ou na Twitch. O que eu quero é escrever este texto e desinstalar o jogo. Mas também não escondo que passei mais tempo a rir do jogo do que a jogá-lo. Uma quantidade saudável de gargalhadas, não porque Lost Soul Aside tenha elementos humorísticos, mas porque o resultado final e as escolhas de produção são acidentalmente hilariantes e insólitas. No entanto, Lost Soul Aside também me mete pena. Genuína pena. Porque é um projeto de alguém que, tal como eu, adora jogos, e que, diferente de mim, tem o mínimo de conhecimento e aptidões para brincar e materializar as suas visões, de alguma forma. Um processo que, ao longo da última década, permitiu que Yang Bing atraísse a atenção da comunidade e de investidores, e levasse à criação de uma pequena equipa que o ajudou a criar este jogo, a UltiZeroGames. Histórias e projetos destes têm algo de ternurento, que admiro e apoio.
No que toca a Lost Soul Aside, é um jogo que, apesar de muitas inspirações claras, tem definitivamente uma alma. Este transporta-nos para um mundo bem atmosférico, com uma fantástica banda sonora a embalar-nos na navegação e no combate, e com uma legião de inimigos com designs e animações absolutamente fantásticas. Infelizmente, é um jogo onde as ambições e as suas qualidades objetivas são atropeladas por um camião TIR de amadorismo e de falta de experiência, onde sentimos que existia uma visão muito mais ambiciosa e que foi recortada ao longo de anos de produção, tornando Lost Soul Aside naquilo que defini ao abrir este artigo: um mau jogo. E porque é mau, eu decidi não terminá-lo. Joguei o tempo suficiente para me sentir confortável a largá-lo com uma impressão sólida. Diria até que joguei mais tempo de Lost Soul Aside do que aquilo que este projeto merecia. Joguei até duas vezes as suas primeiras horas, nas duas versões lançadas, PlayStation 5 e PC, e logo desde o início do jogo houve muitíssimo pouco que me convencesse que Lost Soul Aside merecia o meu tempo.
Lost Soul Aside começa com uma sequência muito rápida e caótica, que tenta apresentar um conflito milenar com entidades divinas, ao mesmo tempo que nos coloca ao controlo de uma personagem muito poderosa. E faz absolutamente nada com isso. O que poderia servir de tutorial compreensivo das mecânicas centrais do jogo, reduz-se a uma sequência de button smashing de cinco segundos a despachar, uma tentativa de nos apresentar um pouco do seu lore. Este início não ajudou sequer a contextualizar a narrativa ou o worldbuilding do jogo, e posso dizer isto depois de ter repetido a sequência duas vezes: pouco deu para reter, além de clichés e tropes do género.
Recordo-me, no entanto, da introdução do nosso protagonista, que é igualmente vazia. Kaser simplesmente surge num barco, com a personalidade de uma tábua e o aspeto de um emo giga chad, que se destaca hilariantemente dos restantes NPCs, com o seu longo casaco e trajes sombrios, e é recebido por uma jovem que, pela descrição no códice do jogo, adotou Kaser e tornou-se na sua “big sister”. E, meus amigos, eu já vi anime suficiente para perceber quais são as inspirações desta escrita. Rapidamente, somos apresentados a Louisa, também irmã de Kaser, mas desta vez real. Embora, pela forma como ela trata o irmão, chamando-lhe repetidamente de “mano” com imenso entusiasmo, eu ache que ela desejaria ser a sua irmã adotada. É estranho!
Certo, gigante tangente no último parágrafo, mas acho que ajuda a estabelecer a estranha relação que criei com este jogo, onde desde o início quase tudo parecia ser digno de uma observação jocosa. O problema é que não se fica por aqui, ao demonstrar a sua escrita, direção e restante execução extremamente amadoras. Poderia dar mais exemplos, mas aqui relembro que as redes sociais já estão cheias de bons exemplos: com vídeos de cinemáticas mal realizadas, onde a câmara não para um momento, onde a edição tem cortes que não fazem grande sentido, onde as personagens são mal colocadas e estão a olhar para o vazio – para não falar do horrível (tão mau que é bom) trabalho de vozes, pelo menos na dobragem em inglês, e do texto tanto nas cinemáticas como nas expressões repetidas durante o combate.
A história também parece extremamente desinteressante, numa colagem de conceitos e ideias resgatadas de outras produções, apresentando uma sociedade com um regime opressivo e os temas básicos do “bem contra o mal”. Isto, por si só, não é propriamente mau, mas, se nas primeiras horas Lost Soul Aside não cria oportunidades para nos convencer a ficar no seu mundo e descobrir os seus mistérios, tem logo aqui um problema. E toda a apresentação já mencionada, obviamente, ofusca tudo isso. O que fiquei a saber é que Kaser parte numa aventura para acordar a irmã de um coma e salvar o mundo (acho eu).
O que há de positivo em Lost Soul Aside não faz o suficiente para satisfazer. Quero com isto dizer que consigo ver aqui coisas boas à distância, ideias que acabam por ser mal-amanhadas. Até porque Lost Soul Aside tinha um potencial enorme para ser a lufada de ar fresco necessária dentro do género de jogos de ação e aventura, saturados por RPGs expansivos e por soulslike. Lost Soul Aside não é nem um nem outro, o que é essencialmente bom, e tão-pouco procura cativar a nossa atenção com exploração de cenários com objetivos redundantes ou com confrontos que vão testar a nossa paciência com dificuldades imperdoáveis. Mas não se livra de oferecer uma experiência enfadonha.
Lost Soul Aside é um jogo com uma falta enorme de noção de ritmo, com um equilíbrio entre uma navegação linear ao estilo de um platformer e momentos de ação com arenas e bosses. Ora, volta e meia temos um trecho dedicado à navegação de ponto A a ponto B, terminando com um boss, como rapidamente o jogo coloca a quinta e parece que temos bosses atrás de bosses, quase sem tempo para “descansar”. Esta é a fórmula que popularizou séries como Devil May Cry e Ninja Gaiden, que foram fortes influências para Yang Bing, mas Lost Soul Aside não encontra um bom equilíbrio entre a exploração e os combates, ao ponto de tentar compensar esta falha com combates visualmente ricos e frenéticos. Os efeitos visuais que lhe trouxeram tanta atenção há 9 anos, durante a sua revelação, são agora um dos seus maiores inimigos, criando uma sensação de desgaste que nunca supera.
A dependência por efeitos de partículas, relâmpagos, cristais que rebentam e outros elementos visuais brilhantes que, em teoria, são belos, acaba por criar demasiado ruído à ação que vemos no ecrã porque afeta a leitura e fluidez de combate. Para o bem ou para o mal, há uma linguagem visual muito bem definida em Lost Soul Aside, que quer que cada confronto seja espetacular e cinemático, mas o polimento deixa a desejar. Adicionalmente, por muito espetacular que a ação queira ser, também é afetada por uma falta enorme de impacto e feedback nos ataques, em inimigos que são autênticas esponjas e demoram a cair. O que poderiam ser combates incríveis e divertidos, salvando o pouco que Lost Soul Aside tem para oferecer, acaba por ser um tédio, o qual nenhuma das habilidades especiais ou armas que vamos desbloqueando parecem eliminar.
E, claro, temos todo o aspeto técnico de Lost Soul Aside, que reflete muito melhor aquela sensação de um jogo que necessitava de muito mais tempo no forno. Não se trata de um desastre técnico como muitas dezenas de jogos AAA se revelam. Trata-se, sim, de um jogo com uma clara falta de polimento, dando a sensação de que estamos a jogar um produto inacabado, prestes a desmoronar-se com glitches e bugs que raramente chegam a acontecer – onde voltamos a sentir, mais uma vez, como o jogo parece ter sido recortado e encolhido ao longo dos anos. Felizmente, não me confrontei com muitos problemas que considere significativos, mas confrontei-me com um jogo com problemas de fluidez, com quebras constantes, estranhas pausas entre jogo e menus e, por vezes, ausência de sons que parece que não carregam. Estes problemas estão inerentes ao jogo em si e encontrei-os tanto na versão da PlayStation 5 como na versão para PC, onde tive alguns crashes.
Com quase uma década de desenvolvimento, Lost Soul Aside parece que merecia, pelo menos, mais meia no forno. É um jogo que, noutro contexto, enquanto projeto independente e em early access, se calhar era passível de críticas severas e escrutínio. Mas, com a antecipação alimentada ao longo dos anos e o desejo da comunidade em receber um jogo que, pelos trailers, parecia espetacular, polido e a transbordar de paixão pelo género, é infeliz que acabe por não fazer justiça às suas ambições. As atualizações podem chegar, polir alguns aspetos e tornar o jogo melhor, mas temo que nada altere a sua essência extremamente amadora. Quem tiver curiosidade em experimentar Lost Soul Aside antes de o comprar pelo seu preço premium de 69,99€, pode sempre passar os olhos e as mãos pela demo.
Cópia para análise (versão PC e PlayStation 5) cedida pela PlayStation Portugal.