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Daqueles concertos de ficar quietinho num canto e apreciar todo o mundo à nossa volta.

Letícia Novaes faz de tudo. Escreve, canta, compõe, atua – com estampa da Rede Globo. Carioca de gema, a ex-membro dos Letuce assinou em nome próprio Letrux em Noite de Climão em 2017 e gerou boas críticas na especialidade de uma certa intelligentsia brasileira que nunca mais a deixou. Após a festa de Climão, 2020 trouxe Letrux Aos Prantos, menos disco, mais abertamente sentimental, e indicado ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa, coerente com o apoio da Lei Rouanet (Lei de Incentivo à Cultura).

E é claramente das franjas mais ligadas à cena que a fila para entrar do Musicbox, cenário que com certeza foi a papel químico do que aconteceu na quinta-feira anterior, dia 28 de julho. Muitas t-shirts de Luiz Inácio Lula da Silva e um quase exclusivo de uma coleção de sotaques com açúcar (apanhámos identificações de São Paulo a Pernambuco). Ao lado da fila principal, um conjunto importante de satélites a querer entrar por estarem na lista, diversos dos quais acabaram por bater na atmosfera e voltar para trás.

É assim, em cenário em ebulição, que finalmente se entra no corredor e depois nos arcos do Musicbox, com Letrux plena de lantejolas e acompanhada pelo teclista Arthur Braganti, de barba e boina Che Guevara plenas de intenção, a guitarrista Natalia Carrera e a percussionista Jéssica Zarpey, participante do pagode da Gigi, na Vila Aliança, em “Bangu”, a música que mais se destaca no conjunto.

A vocalista questiona quantos maluquinhos estão em modo deja vu. São poucos, expectável perante a dificuldade em arranjar entradas. Entra em jogo “Hypnotized”, do álbum de 2017, música de aliança anglo-portuguesa, num início calmo, mas em crescente euforia. Há partilha de histórias sobre o contacto do pai de Letícia com os contactos das redes sociais a ela, da necessidade de passar a energia libidinosa não gasta para os espetáculos ao vivo, em rácio generoso de conversa com o público versus canções tocadas, o que logicamente se traduz em “Fora da Foda” de Letrux aos Prantos, breve pincelada referencial a Three Imaginary Boys, dos The Cure, para dar densidade. “Me Espera”, colaboração com Mulú, é hino de Verão celebrado pela audiência que está ali a achar Letrux maravilhosa, faltando só o mega bass da Sony para trancar o cenário em trinta anos atrás.

Após apelos a “vota bem” – eleições brasileiras de 2022, o elefante na sala, embora não se imagine quem na sala fosse ter uma discussão qual a cor do paquiderme a apoiar, há versão de Madonna – artista óbvia de inspiração com pergunta prévia aos espectadores sobre se sabiam de que se tratava de artista famosa com ligação a Portugal. Neste caso, “Secret” é até uma escolha pouca óbvia, direitinha de Bedtime Stories, de 1994.

Apesar da obra mais recente ter tido boa receção oficial, Letrux em Noite de Climão é de caretas o disco festa a ser usado no Musicbox.  Há “Flerte Revival”, plena de disco, a letra “Eu te vi nas artes plásticas / ‘Cê mexeu demais comigo / Tu é o revival do marinheiro / ‘Cê sabe circular”, é com certeza a fala mais contagiosa da carreira de Letrux e gritada em uníssono pelos presentes.

Já “Ninguém Perguntou Por Você” é a coroa de glória com o seu início calmo e repetição que nos agarra, hino de vida impossível de se estar com o outro, impossível de não se estar com. A certos momentos, até a fazer lembrar os momentos mais internacionais dos Smoke City e de “Underwater Love”.

Daqueles concertos de ficar quietinho num canto e apreciar todo o mundo à nossa volta.

Fotos: Musicbox

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