Juicy Fields. Um dos maiores esquemas de pirâmide dos últimos tempos

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Tal como outras “oportunidades” do passado, também a Juicy Fields conseguiu milhares de investidores, que acabaram por ficar sem nada.

A chegada da Internet mudou a nossa vida. Quando o seu uso passou a ser geral, as coisas nunca mais foram as mesmas. E com isso, vieram boas e más oportunidades: as boas, em que muitos negócios foram surgindo, conseguindo criar milhares de milhões de postos de trabalho, e as más, em que burlões se aproveitam da ingenuidade de outros para enriquecer sem o devido valor.

Aqui no Echo Boomer vamos, de vez em quando, dando destaque a burlas, de modo a que consigamos alertar o nosso público. Mas curiosamente, nunca abordámos esquemas de pirâmide… até hoje. Damos agora destaque à Juicy Fields, uma empresa que alegadamente terá ludibriado milhares de utilizadores, onde se incluem milhares de membros portugueses.

Juicy Fields: cultivar plantas de cannabis e lucrar com isso

Prometia ser o investimento mais seguro de sempre. Afinal de contas, quem é que não se sente aliciado com a possibilidade de ter lucro facilmente, ainda para mais quando somente é preciso uma ligação à Internet (além do investimento)? Milhares de pessoas, certamente. E são precisamente esses milhares que acabam por ser burlados.

Porquê? Porque os esquemas em pirâmide funcionam assim mesmo. Se pagam? Sim. Mas esses montantes somente são pagos a quem entra primeiro no esquema e, depois, vai investindo e referindo pessoas. É com o dinheiro a circular que os membros mais antigos vão sendo pagos, para dar aquela sensação de credibilidade. Mas esquemas destes nunca são verdadeiramente rentáveis devido à sua alta rentabilidade para os membros, o que faz com que, eventualmente, todos os envolvidos não recebam nem mais um cêntimo.

Foi o que aconteceu com a Juicy Fields, empresa de growfunding. O selling point era a possibilidade de investimento em plantas de cannabis medicinal, com a empresa, neste caso os seus parceiros, a ficarem responsáveis pela plantação, extração, acondicionamento e, finalmente, a venda. Os lucros chegavam em 108 dias, ou seja, nem três meses e meio.

Por exemplo, era possível comprar uma planta que custava 50€ para, em somente 108 dias, receber até 80€. Portanto, um lucro de 30€ em cerca de três meses e meio sem qualquer ação por parte da pessoa que comprava. Bastava esperar. Tendo em conta esta possibilidade, várias pessoas começaram a fazer contas à vida, investindo e investindo para que, em pouco tempo, conseguissem uma excelente rentabilidade. Bom demais para ser verdade.

Como referimos, a plataforma chegou efetivamente a pagar, o que fazia com que os interessados investissem cada vez mais. Para ajudar, a Juicy Fields enviava vários emails que mostravam as plantas – sendo que essas fotografias foram divulgadas indevidamente -, dizendo que estavam saudáveis e a crescer bem, além de referir que a plataforma ia tendo cada vez mais utilizadores.

Adicionalmente, a empresa tinha uma forte presença nas redes sociais. Além de se promover em festas, exposições e eventos, onde o ex-CEO e funcionários surgiram, também participava em webinars com os supostos parceiros.

O suporte ao cliente também era um dos destaques. Cada erro ou bug que surgisse era rapidamente solucionado, sendo que o mesmo acontecia para as dúvidas, que eram facilmente esclarecidas.

Transferências eram feitas para bancos internacionais ou com criptomoedas

Os clientes tinham essencialmente duas formas de fazer investimentos: via transferência bancária ou com criptomoedas. Se, com criptomoedas, a possibilidade de burla é ainda maior, com transferência bancária pode sempre existir uma investigação, ainda que, neste caso, a empresa pedisse transferências bancárias para contas em países como Chipre, Lituânia e Estónia. Os utilizadores achavam estranho, mas não ficavam desconfiados, pois consideravam que era demasiado dinheiro para uma empresa ter num só banco.

No entanto, uma coisa era garantida aos membros: independente da forma de pagamento, as plantas eram “suas”.

500 mil utilizadores em 2022… 500 mil problemas

Os esquemas de pirâmide são todos iguais. Começam a crescer, enganam uns quantos utilizadores e, chegando a determinado patamar, subitamente desaparecerem sem deixar rasto. Foi o que aconteceu com a Juicy Fields, em que tudo pareceu funcionar bem durante dois anos.

Chegou aos 500 mil utilizadores e, pouco tempo depois, surgiram os primeiros problemas. Primeiro foi o website, que ficou offline dois dias. Mas regressou, os utilizadores ficaram novamente confiantes… e voltaram a investir.

Já em maio, o então CEO Alan Glanse, cidadão americano com naturalidade russa, abandonava a empresa, alegando motivos de saúde. O seu lugar era assumido por Willem van der Merwe, e aí os utilizadores estranharam, pois não havia indícios – pelo menos que soubessem – que algo estaria mal. Pelo contrário.

Pouco tempo depois, os investidores receberam um estranho email a dar conta de uma greve de funcionários, referindo ainda que os levantamentos estavam bloqueados. Ou seja, a partir daí, já não era mais possível levantar qualquer quantia para a conta bancária. Pior: já ninguém conseguia aceder ao site com os seus dados de login.

O que muitos não sabiam, claro, era que movimentações já estavam a acontecer dentro da empresa. Além de Alan Glanse, também saiu de cena o diretor de inovação, Daniel Gauci.

Ao programa A Prova dos Factos, que podem (e devem) ver aqui, uma das ex-funcionárias referiu que nunca existiu qualquer greve na empresa e que não sabia, e continua sem saber, o que aconteceu, mas que isso não a impediu de receber muitas ameaças por parte dos lesados. As pessoas querem vingança e estão a focar atenções em pessoas que somente estavam a fazer o seu trabalho, sem saberem ao certo que se tratava de um esquema em pirâmide.

Os sinais de fraude estavam todos lá

Como conta Pol Pareja, jornalista de investigação do El Diario, ao A Prova dos Factos, efetuar uma transferência bancária era facílimo. Dois cliques e estava feito. A plataforma não pedia nenhuma identificação, não exista um protocolo, nada, algo que é básico nos produtos financeiros ou investimentos. E estamos a falar de transferências de milhares de euros.

Além disso, a alta rentabilidade, como já demos a entender, era logo um red flag. A curto-médio prazo dá problemas.

Em 2020, especialistas alemães avisavam que havia fortes indícios de fraude. A Juicy Fields é gerida pela Juicy Grow GmbH, criada somente em fevereiro de 2020 com sede em Berlim. Tem um único administrador: Viktor Bitner. O objeto de negócio nada refere o termo growfunding, crowdgrowing ou cannabis, e não há qualquer supervisão financeira da marca.

Em maio desse ano, quando soaram os alarmes em Espanha, o jornal El Diario dava conta da utilização de várias contas bancárias em paraísos fiscais, sendo que a sede fiscal ia mudando constantemente de país. Para Pol Pareja, “nunca houve plantas”, embora fosse possível ir a campos ver plantas, mas isso não significava necessariamente que fossem dos investidores da Juicy Fields.

Ao programa A Prova dos Factos, o jornalista referiu que falou com pessoas que confirmaram que se pagava a essas empresas para dizerem que tinham um acordo com a Juicy Fields e para colocarem o logótipo da Juicy Fields nos campos, tudo para se poder fazer visitas a esses campos de cultivo. Mas lá está, tal não significava que as plantas fossem da Juicy Fields.

Perdas milionárias

O mal já estava feito, o dinheiro já tinha sido “investido”. Uns perderam 14.000€, outros 100.000€, 200.000€, 400.000€ e até um milhão de euros. Há quem tenha vendido casas, carros, tudo para investir. No fim, e lamentavelmente, algumas pessoas decidiram por termo à vida após este escândalo.

O programa A Prova dos Factos contactou todos os alegados parceiros e, curiosamente, os que responderam ou disseram que, de facto, foi feito um primeiro contacto, mas que não voltou a existir resposta; ou que os logótipos foram utilizados indevidamente e sem autorização. Esta situação lembra-nos o recente escândalo que aconteceu com os pseudo festivais LGBT+ Music Festival e Trace Made in Africa, que chegaram a anunciar exclusividade de uso de hotéis para os festivaleiros, quando efetivamente nenhum acordo ficou selado.

No meio de tudo isto, o programa A Prova dos Factos falou com um produtor de cannabis medicinal que se encontrou com o ex-CEO Alan Glanse, que lhe fez uma proposta… suspeita, tudo porque a Juicy Fields já estaria a aceitar investimentos, e também a a dar retorno aos investidores, mas não contava com nenhuma localização para cultivar as plantas.

Por estes dias, Alan Glanse alega inocência, atirando responsabilidades para os novos donos da empresa. Diz não saber de nada e que nunca tocou em qualquer dinheiro de investidores, até porque não tem acesso às contas dos bancos. Diz ainda que familiares e amigos também perderam dinheiro.

Uma coisa é certa: o dinheiro está a ser transacionado, logo alguém está a mexer nestes montantes, mas os lesados continuam sem os seus investimentos. O prejuízo é de vários milhões de euros.

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