Hogwarts Legacy

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Hogwarts Legacy chega-nos com a ambição de entregar a derradeira experiência de feiticeiro no mundo de Harry Potter, e consegue. Mesmo que acompanhado com uma narrativa pouco interessante.

Começo com um desabafo: Nunca fui um grande fã de Harry Potter, seja em formato de livros ou de filmes. Este foi, obviamente, um universo que me acompanhou de alguma forma durante minha a infância e juventude – como aconteceu com toda a minha geração -, mas até colocar as mãos em Hogwarts Legacy, nunca tinha pensado muito no quanto esta saga, afinal, não vivia lá muito na minha mente sem pagar renda.

Em Hogwarts Legacy há nomes, expressões, palavras e sopas de letras atiradas de um lado para o outro, algo que, para alguns aspirantes a feiticeiros que aguardam pela sua carta, será bastante fácil de entender, mas que, para este muggle curioso, deixaram-no por vezes confuso – algo que o levou a visitar a “Wikipotter” por várias vezes, uma vez que esta aposta da Avalanche Software, apesar de tudo o que oferece, peca pela falta de um simples códice e outros auxílios contextuais para “não-fãs.”

Escusado será dizer que Hogwarts Legacy não é só um denso e rico jogo expansivo do universo criado pel@ autor@ cujo-o-nome-não-merece-ser-mencionado (mas que segundo a F.A.Q. oficial do título não está envolvid@ no seu processo de criação), é também puro fan-service sem qualquer pingo de vergonha, apenas pura confiança. E, ainda assim, consegue ser uma delícia para quem se quiser aventurar neste universo pela primeira vez.

Um dos aspetos que até torna Hogwarts Legacy convidativo é o seu setting. É, segundo os produtores, “território desconhecido”, convidando os jogadores a visitarem Hogwarts durante o século XIX, onde poderão interagir com um elenco de personagens originais e visitar localizações bem familiares, mas numa era completamente diferente às que conhecemos até agora noutros meios. Não há grandes dependências narrativas e, para quem entrar aqui de paraquedas (ou de hipogrifo), terá tempo suficiente para estudar, aprender, explorar e até investigar este mundo aberto cheio de mistérios e magia.

Para quem esteve a viver debaixo de uma pedra nos últimos anos, Hogwarts Legacy é um Action-RPG de altas produções com uma simples promessa: deixar que os fãs do mundo Potter vivam as fantasias de serem feiticeiros em Hogwarts. E muito resumidamente, Hogwarts Legacy cumpre essa missão de forma magnífica. Após a criação de uma personagem através de um criador bastante robusto (mas que não permite a alteração de mais nada a não ser de penteados durante o jogo), as minhas primeiras horas em Hogwarts Legacy foram de puro encanto. Mesmo não sendo o maior fã, a nostalgia atingiu-me como um Stupefy, graças à densidade, riqueza e interatividade que o castelo de Hogwarts e Hogsmeade oferecem.

Dei por mim perdido entre corredores e ruas, olhando de lado para portas fechadas à espera de levar com um Alohomora em cima, enquanto me distraia com quadros animados, fantasmas, estátuas e armaduras interativas, paredes e escadas transformáveis, objetos que operam sozinhos e um impressionante número de NPCs espalhados por todos os cantos. Em cima disso, uma extraordinária qualidade gráfica conseguida com o Unreal Engine fizeram-me sentir que estava num museu virtual onde todos os objetos e adereços foram meticulosamente trabalhados e espalhados pelo jogo, com informações que se materializam no ar através de um elegante Revelio, fornecendo a sua história e relevância para este universo. Absolutamente incrível.

Se os interiores de Hogwarts são fantásticos, o que dizer do extenso mundo aberto que me impressionou pela sua escala? Na PlayStation 5, Hogwarts Legacy faz-se sentir um jogo de nova geração que, dentro do seu género, talvez só seja rivalizado por Red Dead Redemption 2 (ironicamente da geração passada). Seja a pé ou montado numa vassoura, o horizonte aparece ser sempre visível, sem perder detalhe e com muitas raras instâncias de pop-in de objetos e edifícios. É um pormenor que, para muitos, poderá não fazer muita diferença, mas que, para mim, ajudam imenso na imersão de jogo, especialmente quando ao perto tudo é tão rico, denso e detalhado, ao ponto de merecer ser fotografado. Com muita pena minha, tal não é possível, pois Hogwarts Legacy não abre oficialmente as portas a esse hobby da fotografia digital.

A apresentação do jogo é também fantástica durante as cinemáticas principais bem realizadas que avançam com as narrativas oferecidas, quebrando esta ilusão de consistência apenas nas tradicionais falas de plano-contra-plano, com NPCs e personagens secundárias. Ainda assim, aplaudo de pé e fico surpreendido com a solidez de Hogwarts Legacy. Não só é visualmente muito coeso – não me confrontei com bugs ou glitches notórios ao longo das minhas 30 horas de aventura -, como não apresenta problemas de desempenho que mereçam apontamentos. É algo que merece destaque uma vez que, infelizmente, tais problemas são hoje em dia tão comuns em jogos deste calibre durante o seu lançamento.

E por falar em desempenho, Hogwarts Legacy ofereceu-me três modos de jogo: O de Desempenho – que reduz a qualidade gráfica em prol da fluidez; o modo de Qualidade – que aposta da fidelidade visual e na resolução a troco dos 30FPS; e o modo Qualidade com Ray-Tracing. Dos três, optei e recomendo o uso do terceiro. A resolução é, aparentemente, dinâmica, para garantir a boa fluidez a 30FPS, mas é um modo que aposta na maior quantidade de objetos no ecrã, melhores geometrias e, acima de tudo, numa melhor iluminação. O Ray-Tracing é usado para alguns reflexos e na forma como a luz é espalhada nos cenários ou como as sombras operam, dando uma maior consistência e realismo visual à imagem. Já ao testar o modo de desempenho, saltei logo desse barco ao reparar que até simples vegetação perto da câmara era inexistente. Quanto ao modo de Qualidade normal, pareceu-me redundante.

Outro aspeto que me impressionou e que já esperava que fosse bom, foi a jogabilidade. Seja na simples exploração, em atividades secundárias ou no combate, o uso das magias ao nosso dispor é simplesmente divertido. O Revelio é uma habilidade básica que nos permite descobrir pontos de interesse em nosso redor e funciona quase como o “modo detetive” deste tipo de jogos. O facto de ser usado apenas quando queremos e não algo que fica “ligado” torna a exploração incentivante, especialmente quando alguns segredos só são revelados quando estamos mesmo bem perto deles. Outras habilidades podem ser usadas tanto em exploração – durante fantásticos e muito bem desenhados puzzles que culminam em satisfatórios “big brain moments”-, como durante combate, com recurso a habilidades mais destruidoras para derrubar paredes e queimar vegetação, ou o Reparo para refazer objetos e passagens. E, por fim, temos todo o “arsenal” de habilidades para usar durante os combates em incríveis combos.

O meu fanatismo cego por Mass Effect leva-me rapidamente a comparar a jogabilidade de Hogwarts Legacy com a do mal-amado Mass Effect Andromeda. É rápida, ofensiva e fluida, onde é possível combinar feitiços para criar sequências de ataques mais fortes, criar “perfis” que podem ser alterados em tempo real com habilidades específicas para cada tipo de inimigo, e onde é possível, de alguma forma, “brincar com a comida”, experimentando em tempo real diferentes combos de acordo com o momento. Tudo isto é suportado por incríveis animações badass do nosso protagonista, por excelentes efeitos visuais a cada ataque e por um fenomenal trabalho áudio que amplifica a sensação de força dos ataques e defesas.

Combates, exploração, turismo virtual, corridas, apanha de “Pokémon” e resolução de puzzles ambientais fazem apenas uma fração das atividades que Hogwarts Legacy oferece para nos fazer sentir como verdadeiros feiticeiros neste mundo. Já no que toca à história, sinto que Hogwarts Legacy precisava de maturar mais um bocadinho.

Hogwarts Legacy segue a jornada de um mago que se junta à escola de Hogwarts já no quinto ano e que precisa urgentemente de se manter a par dos colegas, juntando-se assim às divertidas aulas em Hogwarts. Este mago, que é um avatar criado pelo jogador, é especial. Possui a habilidade de ver e controlar Magia Antiga e é confrontado com a responsabilidade de como a deve usar. Isto também coloca um alvo nas suas costas, com um poderoso Goblin e um Feiticeiro negro que conspiram uma rebelião contra o mundo dos feiticeiros atrás de si. E temos, assim, um plot que serve de suporte e de mera justificação para visitar este mundo com “algum” sentimento de risco.

Infelizmente, esse sentimento é quase inexistente, assim como a urgência em travar os dois vilões, cuja presença real apenas acontece no início e no fim da jornada principal. Ao todo, Hogwarts Legacy apresenta uma narrativa de sequela/prequela forçada de estúdio, onde 80% do tempo são conversas de exposição e de ameaças e os restantes 20% são um culminar de eventos forçosamente espetaculares, cheios de CGI na batalha final. Ou assim seria se descrevesse Hogwarts Legacy como um filme.

Já enquanto jogo, a jornada é feita de coisas boas e coisas más. Enquanto que a jornada principal é composta por investigações e missões-desafio para desbloquear informações e mistérios que nos levam ao combate final, quero destacar as missões secundárias, desde as aulas em Hogwarts que nos permitem ir desbloqueando habilidades ao embalo de pequenas missões episódicas, às missões de personagem dedicadas a uma seleção de amigos com os seus dramas e problemas pessoais, como a história de Poppy Sweeting e o resgate de criaturas fantásticas, ou a tragédia de Sebastian Sallow que procura uma cura para a sua irmã amaldiçoada. Hogwarts Legacy conseguiu cativar-me com algumas destas histórias, ao ponto de avançar na história principal só para ter mais um episódio secundário novo.

Outro aspeto na progressão que destaco como negativo é a estrutura da missão principal do jogo e como se apresenta cheia de bloqueios. Alguns deles com fetch quests chatas que requerem soluções complicadas (normalmente, literais TPCs) e algum grind de recursos para que possamos ter habilidade X para continuar. Foi curiosamente numa destas missões onde senti que os fãs mais dedicados de Harry Potter iriam ter a vida facilitada, ao ser pedido para ir a uma determinada localização que eu ainda não tinha desbloqueado no mapa. Felizmente, a Harry Potter Wiki atirou-me na direção certa.

30 horas foi o tempo que atingi ao completar a história de Hogwarts Legacy e aquilo que considero uma boa porção do resto do jogo. Ainda assim (e numa outra nota que se pode revelar um pouquinho negativa para forma como o jogo trata a história), é impressionante a quantidade de regiões do mapa que me faltam explorar, dado que as missões principais concentram-se muito em torno do castelo. Dá quase para imaginar que Hogwarts Legacy foi desenhado como um jogo multi-jogador, com raids em conjunto para fazer e itens lendários para apanhar. Talvez tenha sido assim que começou, talvez seja essa a direção e o futuro do jogo, mas, para já, contento-me com imenso conteúdo para descobrir.

Hogwarts Legacy é um jogo ambicioso e surpreendentemente sólido que cumpre a sua missão de entregar um verdadeiro “simulador de feiticeiro” dentro do mundo de Harry Potter. Tem carinho, é autêntico e é gigante. Apenas peca pela sua narrativa genérica, com uma progressão artificial e pela falta de ambição em contar uma história única e emocionalmente ressonante, com este aspeto a tornar-se em algo meramente secundário.

Hogwarts Legacy pode ser jogado no PC, PlayStation 5 e Xbox Series X|S.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Warner Bros.

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