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Um roguelike para fechar o ano de 2023.

Apesar de ter analisado vários roguelikes ao longo de 2022 e 2023, não me considero um “expert” no género. Mesmo com as suas semelhanças mecânicas, tais como sistemas incontornáveis ao que consideramos como a experiência roguelike – como a campanha assente no recomeço e repetição, ora a evolução passiva e nem sempre permanente –, existem cada vez mais escolhas de design que criam verdadeiras brechas entre alguns dos títulos mais populares. As convenções são fáceis de identificar, mas o foco narrativo de Hades, a estrutura metroidvania de Dead Cells e o foco na movimentação do cenário de Loot River demonstram como o género é capaz de se expandir além dos seus sistemas basilares. Para Have a Nice Death, a novidade passa pelo conceito em si e pela forma como a Magic Design Studios criou uma realidade cheia de personalidade através do foco num cast divertido e muito colorido.

Claro que Have a Nice Death não funcionava se a jogabilidade não estivesse à altura do seu mundo, mas é fácil depreender que a ideia desta realidade burocrática surgiu primeiro que as mecânicas. Talvez esteja errado, mas o mundo do jogo, onde seguimos uma Morte saturada por todo o trabalho burocrático do além, presa a uma missão para devolver alguma ordem ao submundo, é tão detalhado, bem pensado e animado que arrisco-me a dizer que foi o foco inicial da equipa. Um conceito tão forte, ainda que pouco original, que poderia ter funcionado em qualquer género, mas a aposta nos roguelikes é mais do que lógica devido ao foco no recomeço neste mundo protagonizado por alma penadas. O humor é uma aposta forte e é o elemento que une a estética gótica com os diálogos e desenhos cartoon das personagens.

O conceito é tão forte que quase desculpa algumas das escolhas menos interessantes, nomeadamente a ausência de combinações mais complexas nos ataques e o design algo vazio dos níveis. Have a Nice Death destaca-se na movimentação da personagem, sempre rápida e responsiva, com um dash muito eficaz e o cancelamento de ataques a equilibrar a utilização de ataques rápidos com as armas secundárias e habilidades temporárias. Existem várias opções que desbloqueamos entre tentativas que melhoram substancialmente os combates, com a fluidez dos controlos sempre em destaque, mas senti falta de maior variedade nos ataques básicos e nas opções disponíveis para as armas secundárias. Os combates acabam por não encontrar um equilíbrio constante entre a movimentação fluída com os ataques repetitivos, ainda mais quando os inimigos surgem com padrões mais interessantes e desafiantes do que os nossos.

Os níveis registam a mesma falta de profundidade. Se conceptualmente relembram o design de Dead Cells, com a sua combinação entre salas com vários pontos de entrada e zonas de perigo – como armadilhas e grupos de inimigos escondidos -, as zonas são muito repetitivas e pouco interessante a nível de mobilidade e opções de combate. Have a Nice Death procura dar aos jogadores maiores secções de plataformas e destreza, mas as mecânicas roguelike obrigam-no a seguir uma maior linearidade onde a exploração é reduzida ao combate e pouco mais – até quando temos algumas salas escondidas pelos níveis.

No entanto, o jogo esmera-se na forma como estrutura dos seus níveis principais ao proporcionar salas diferentes entre os andares do seu mundo burocrático. Uma adição convencional, já que muitos outros roguelikes apresentam a mesma estrutura, mas funciona muito bem em Have a Nice Death porque deixa-nos escolher como queremos abordar a nossa nova tentativa. Queremos sair no andar onde os inimigos deixam cair mais recursos? Será que preferimos ir a uma das lojas para trocarmos habilidades? Ou será que é mais inteligente abdicar de tudo e apenas apostar na “furnace” para evoluirmos as nossas armas? Estas são pequenas decisões que podemos fazer entre momentos de ação, mas Have a Nice Death, à semelhança de Dead Cells – ainda que, mais uma vez, sem o design metroidvania que tornou a sua exploração muito mais divertida e a sua estrutura mais personalizável, permite-nos até escolher as zonas que queremos visitar. Isto significa que é possível criar campanhas diferentes entre tentativas, uma escolha que procura reduzir a repetição inerente à progressão do jogo.

Não podemos esperar encontrar sempre novidades no género roguelike. Esta é uma lição que aprendo sempre que regresso ao género e me deparo com boas ideias que nem sempre são bem executadas. Não podemos pensar que vamos encontrar constantemente o próximo Hades, Dead Cells, Loot River ou até experiências mais arrojadas como Inscryption ou Loop Hero. Por vezes, o que importa é compreender se o loop de jogabilidade, evolução e combate são divertidos e no caso de Have a Nice Death, esse loop é quase sempre interessante. Mas o “quase” é pesado e impossível de ignorar.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Gearbox Publishing.

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