Aproveitemos então este sol cinematográfico em pleno inverno nacional, em que os cartazes estão cheios de caras de atores com ar sério em roupa de época ou fotografia a preto e branco, ao invés das omnipresentes explosões e cinzas pelos ares.
Green Book: Um Guia Para a Vida está confortável neste cenário, e a mão cheia de nomeações para Óscares de 1ª linha (filme, ator, ator secundário, argumento original e edição), demonstram-no bem.
Aqui acompanhamos a relação entre Tony Lip, um afamado segurança do mítico Copacabana, que se vê sem ocupação durante alguns meses enquanto o clube noturno está em obras, e o Dr. Don Shirley, afamado pianista negro que se prepara para uma tournée de oito semanas que o levará ao Sul do EUA, onde em 1962 ainda prevalecem as leis de segregação de Jim Crow.
À procura de ganha-pão para a sua numerosa família, Tony acaba por responder a um anúncio para ser motorista do culto e sofisticado Don. Segue-se um conjunto de paragens com várias peripécias nos locais dos concertos, em que a presença do racismo e a aplicação prática da segregação às coisas mais triviais do dia-a-dia, como fazer compras numa loja, ou ir a um quarto de banho, é uma constante.
A relação entre os dois personagens funciona como a trave-mestra para todo o filme, e a química entre Viggo Mortensen e Mahershala Ali funciona a grande nível. Mortensen mantém a sua capacidade de ameaça física, a lembrar, por vezes, o seu papel no seminal Promessas Perigosas (cena numa sauna incluída), mas agora num mais relaxado contexto nova-iorquino, incluindo um apetite sem fim e uma linguagem de bairro, enquanto Ali balança o lado mais histriónico da sua contraparte, destilando autoridade e elegância estóica perante a adversidade constante.
Estes ótimos atores são a grande mais-valia do filme, mas Peter Farrelly mostra-se ágil na câmara (a cena inicial em que percebemos a personalidade de Tony Lip é exemplar), e o seu timing de humor garante diversos momentos em que o diálogo e a linguagem corporal dos protagonistas providenciam leveza num cenário à partida difícil, a constante descriminação que Don sofre. A humanidade na reação a estes momentos, e a subtileza de Mortensen e Ali na demonstração de sentimentos como orgulho e arrependimento perante o outro, garante uma boa dinâmica no crescimento desta amizade, tornando-a num gosto para observar, e garantindo que a aposta está ganha.
É quando se sai desta dinâmica e se entra nos supostos climaxes dramáticos ou em momentos de contextualização histórica – como nas referências ao clã Kennedy (curiosamente viria a ser o texano Lyndon Johnson a assinar a Lei dos Direitos Civis em 1964) que o filme sofre mais, tornando-se, por vezes, lento e moralista, em vez de moral. É bastante improvável que este tenha sido um dos oito melhores filmes que tenham sido projetados num cinema do condado de Los Angeles durante o ano de 2018, mas não é isso que irá prejudicar o tempo bem passado que Green Book: Um Guia Para a Vida providencia aos espectadores.
Bom para revisitar o tema clássico da amizade entre opostos, retratado no ambiente de uma questão central da história recente e atual.