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A “Valhalla” dada não se olha os dentes.

O facto de não ser muito fã de roguelikes e roguelites fez com que não me juntasse à euforia coletiva na receção de Valhalla, a nova expansão gratuita para God of War Ragnarök. Em condições normais, este género de jogo afasta-me a vontade de pegar em experiências dessas e, com isto em mente, apesar de apreciar este miniprojeto da Santa Monica Studio de aparente sucesso, espero que não seja o futuro da saga. Ainda assim, há elementos que gostaria de ver implementados no futuro.

É fácil ficarmos extremamente entusiasmados com Valhalla. Especialmente por tratar-se de uma expansão, lançada quase de surpresa e de forma gratuita para todos os jogadores. É absurdo e bizarro olhar para o estado da indústria, onde atualizações para a geração atual são pagas e, em alguns jogos, uma simples skin custa tanto como um jogo – e a própria PlayStation, por vezes, normaliza estas estratégias anti-consumistas. Por isso, e se, por um lado, é fácil ficarmos desconfiados, por outro, é também fácil ficarmos emocionados quando a prenda é real. E se há coisa que quero continuar a ver na indústria, é isto: conteúdos grátis. Afinal de contas, enquanto consumidores, já depositámos a nossa confiança ao comprar o hardware e o jogo que, muitas vezes, vem inacabado no lançamento. Mas adiante.

Para quem tem God of War Ragnarök na sua biblioteca e tem interesse na saga, certamente que já descarregou o novo conteúdo, já o jogou e sabe do que se trata. Para quem anda um pouco mais fora desta esfera, Valhalla é uma expansão para o jogo base que vem dar continuidade à jornada de Kratos, com um novo fio narrativo, pequenas anedotas e que entrega aos jogadores a oportunidade de se divertirem usando e abusando das habilidades de Kratos e das mecânicas de combate tão bem polidas no jogo mais recente. É, no fundo, um modo arcade, com incentivos mais do que suficientes para pegar no comando vezes e vezes sem conta.

Esta abordagem roguelite não é nova para a Santa Monica Studio. Em God of War de 2018, já tinha explorado algo semelhante no reino de Niflheim, ao apresentar-nos uma área do jogo com desafios surpresa e áreas dinâmicas, com sequências de combate compostas por hordas de inimigos aleatórios e, até, armadilhas. Era uma região praticamente opcional de se explorar, mas que apimentava a experiência de jogo, que dava a oportunidade de os jogadores poderem treinar a sua destreza ao controlo de Kratos e, até, de acumular recursos para desbloquear melhor equipamento. De forma semelhante, God of War de 2018 também nos entregou os Trials de Muspelheim, com desafios de combate específicos, algo que foi também explorado com uma versão “2.0” em God of War Ragnarök.

God of War Ragnarök Valhalla bebe muito destas experiências, adaptando-as assim ao formato de tentativa e erro, e aliada a uma nova narrativa, onde o jogador terá que completar vários ciclos, numa sequência de níveis e desafios, assentes na aleatoriedade e na escolha da “próxima porta a abrir”, onde cada vez que falha terá que começar de novo o ciclo. Pessoalmente, tenho um problema com este formato. Simplesmente não é dos meus favoritos. Não tem propriamente a ver com a dificuldade proposta, mas com a dificuldade amplificada pela exaustão da repetição. Falhar significa começar de novo e descobrir que a próxima peça do puzzle narrativo fica em pausa, assim como possíveis melhorias de equipamento, já que parte do progresso é perdido.

God of War Ragnarök Valhalla é tão desafiante como o jogo base e até oferece uma nova dificuldade para os mais destemidos – que não é o meu caso. Passei o DLC de forma tranquila e divertida, mas não consigo afastar a frustração e a vontade de parar de jogar nessa sessão ao morrer eventualmente na fase final de um ciclo. Esta expansão não é muito longa e bastam 2-3 horas, talvez menos, para a completar, dependendo do nível de empenho e de sucesso de cada um. Oferece ainda vários argumentos para embarcar em ciclos, sendo o maior deles uma nova narrativa que expande a jornada e o perfil de Kratos, ainda assombrado pelos fantasmas de uma trilogia passada.

Sempre achei que o legado de Kratos foi explorado de forma tímida ou apenas referenciada em diálogos nos jogos mais recentes da Santa Monica Studio, mas aqui esse passado ganha maior destaque. Kratos, ao ser convidado por um anfitrião surpresa para a costa de Valhalla, é desafiado a revisitar os vários reinos nórdicos e outras áreas do passado com inimigos antigos, tudo fruto da projeção das suas memórias. Com isto, a Santa Monica Studio arranja assim uma forma válida de revisitar o legado da saga, ainda de que forma contida, quase em jeito de fan-service – razão pela qual eu acredito que tenha deixado tanto fã deliciado. Afinal de contas, a nostalgia vende, mesmo quando é grátis.

Infelizmente, para mim, a história aqui apresentada disse-me pouco. Mesmo agarrando no passado de Kratos com alguma surpresa, a forma como Valhalla apresenta a narrativa é desinteressante e colide com a natureza da série, apostado fortemente na exposição, que é por vezes fácil de se perder quando Kratos e Mimir falam enquanto escolhemos objetivos e habilidades para o sucesso do novo ciclo. E é um pouco trágico, quando vi os créditos a passar e refleti sobre a importância do que a Santa Monica Studio quis fazer com a história de Kratos, relegando esta resolução a um pedaço de conteúdo extra, e opcional, da saga.

O facto de revisitarmos várias vezes as mesmas áreas, com uma cadência consistente, cria uma sensação de repetição que, apesar da reduzida extensão desta experiência, representa rapidamente desgaste. Para algo assente na aleatoriedade e na surpresa, até o terminar esperava encontrar percursos mais variados e diferentes. Infelizmente, as áreas são quase sempre as mesmas, apenas com as remisturas de inimigos e as escolhas do nosso equipamento a ditarem as diferentes experiências. Ainda assim, gostei imenso como toda a gestão de habilidades e equipamentos foi feita em Valhalla, com a Santa Monica Studio a redesenhar este sistema de uma forma digna para um jogo completamente novo, especialmente se, como eu, já não pegavam em God of War Ragnarök desde o seu lançamento e já tinham perdido a destreza na jogabilidade.

É um começar de novo, com as habilidades básicas de Kratos, dando assim a oportunidade de recomeçar a habituação mecânica dos controlos, à medida que vamos desbloqueado melhorias permanentes e experimentando diferentes habilidades especiais, sempre aleatórias, cada vez que iniciamos um ciclo. Aqui, o gear é apenas estético, dando-nos a liberdade de darmos a Kratos e ao seu equipamento o estilo que quisermos – importante para os adeptos da fotografia, que infelizmente não veem melhorias nesse modo. As stats, como nível de vida, rage, sorte, energia e afins são atualizações permanentes, tornando-nos mais fortes a cada sucesso. Já os ataques de cada arma e respetivas melhorias são aleatórias e fornecidas à medida que avançamos por ciclo.

Valhalla dá-nos, assim, a oportunidade de experimentar tudo o que God of War Ragnarök ofereceu, e até mais. Se, no jogo base, após desbloquearmos tudo, há uma tendência em ficarmos confortáveis à nossa gear favorita por causa das stats, e aos nossos ataques favoritos que nos conferem um estilo de jogo muito pessoal, em Valhalla estamos constantemente a remisturar e, por extensão, a conhecer ataques e combos que, se calhar, não conhecíamos antes. E isto foi o mais interessante e motivante de fazer a cada ciclo, pelo menos para mim.

O apelo à experimentação, a simplicidade de gestão e de progressão são coisas genuinamente difíceis de afinar, e a maior prova disso foi a forma como God of War Ragnarök evoluiu os seus elementos RPG do jogo anterior. E, aqui, volta a experimentar coisas novas, adaptadas ao formato roguelite, que sinto que podem ser interessantes para o futuro da série, mantendo a sua profundidade mecânica. O que espero no futuro da série é que não se torne num roguelite completo – que não vai acontecer, eu sei – e que mantenha aquela qualidade cinemática, numa dança entre narrativa e incríveis sequências cinemáticas que não foram tão prevalentes em Valhalla.

Mas como já dizia o velho ditado: a cavalo dado, não se olha o dente.

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