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A aglutinação que origina do título de Evotinction, o novo projeto da Spikewave Games – apoiado pelo programa China Hero Project – é mais simbólica do que aparenta ser.

A junção das palavras “evolution” e “extinction” não só revela uma tentativa de profundidade temática que ainda hoje associamos à sétima geração de consolas, com a narrativa a transportar-nos para o futuro marcado por AI e vírus tecnológicos que ameaçam a existência da Humanidade – temas desenvolvidos com o cuidado e delicadeza que associamos a títulos como Inversion, Quantum Theory e Mind Jack –, como determina que se trata de um projeto que procura conciliar ideias e tentar dar-lhes um sentido. Há muito pouco de original em Evotinction e na sua aproximação ao género de ação furtiva, mas dentro da imitação e apropriação, nasce um jogo suficientemente sólido, que desafia os seus limites de orçamento para proporcionar-nos momentos sinceros de complexidade mecânica e uma certa harmonia de design que revela um poço de boas ideias, ainda que a finalização não seja consistente.

A aglutinação não se resume ao título, mas também ao género e mecânicas de Evotinction e não é preciso explorarmos muito do seu mundo de tecnologia e temáticas aparentemente filosóficas ou conhecer a fundo a sua jogabilidade para determinarmos quais foram as suas inspirações. Desde o design de Dr. Thomas Liu, o protagonista de Evotinction, caracterizado por um fato futurista que inclui uma máscara e mochila relembra o estilo de Yoji Shinkawa, até ao UI e ao tipo de letra utilizado, começamos a sentir lentamente o ADN e influência de Hideo Kojima neste jogo de ação furtiva – ao ponto do radar de Liu, que se encontra sobre o seu ombro direito, relembrar-nos momentaneamente do sensor Odradek, de Death Stranding, devido à cor e posicionamento. O género de Evotinction poderia ser a primeira pista, mas, curiosamente, a aproximação ao estilo de Kojima é muito mais sentido nos menus, missões secundárias, sistemas de evolução simples, uma certa gamificação assumida de elementos decorativos em jogo e até na realização das cinemáticas, com zooms que relembram a direção de Ground Zeroes e The Phantom Pain.

No entanto, Evotinction não é e nem procura ser Metal Gear Solid, assumindo uma estrutura ainda mais linear e dividida por zonas fechadas, quase como missões distintas – e que até podemos repetir através de missões de VR, outra influência da obra de Hideo Kojima. A campanha coloca-nos no papel de Liu em busca de uma cura para o vírus RED, que afeta toda a tecnologia e robots presentes no laboratório HERE. Com apenas a ajuda do seu assistente virtual, 0z, Liu tem de explorar os corredores e salas abandonadas do laboratório para encontrar uma forma de parar o vírus RED. No entanto, Liu não está inteiramente sozinho e é perseguido pelo sistema de segurança da estação, que inclui um leque muito limitado de robots. Controlados por IA, estes robots, intitulados Genie, são os nossos inimigos principais, à exceção dos bosses ocasionais, e é necessário evitar a sua atenção enquanto ajudamos Liu a completar várias tarefas ao longo de níveis curtos, mas que funcionam com um sistema de checkpoints limitado e que poderá enfurecer os menos pacientes.

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Evotinction (Spikewave)

A estrutura de Evotinction divide-se por zonas de segurança, onde podemos gravar e desenvolver novas ferramentas e habilidades para Liu, e as missões de furtividade. Apesar de não existir uma divisão definitiva entre as várias fases da campanha – e podemos, inclusivamente, voltar a algumas das zonas depois de terminadas -, é possível sentir o seu formato quase individual devido ao já mencionado e limitado sistema de gravação. Cada zona de ação é marcada por um objetivo que precisamos de completar e que requer navegar através de um cenário extenso, onde é imperativo evitar os robots sentinelas. Se formos apanhados, temos a oportunidade de fugir ou então contra-atacar – mais um sistema levantado de The Phantom Pain, com a ação a entrar em câmara lenta para que tenhamos a possibilidade de ripostar antes de sermos efetivamente descobertos –, mas sem os recursos necessários para criar alguma distância dos robots, tal como o design quase sempre claustrofóbico das zonas – que não são propriamente fáceis de navegar num cenário de fuga –, a descoberta é quase sempre um prelúdio ao recomeço do último checkpoint.

No entanto, Evotinction não determina que perdemos sempre que formos descobertos e existe a possibilidade de ripostarmos, se tivermos os recursos necessários para o fazer. Não se trata de um jogo de furtividade pura e há espaço para arriscar e até para corrigir os erros que cometemos, onde podemos aproveitar os vários estados de alerta dos robots para fugirmos. ­­­A campanha não se resume, portanto, a evitar os cones de visão dos robots e existem métodos para contra-atacarmos. Evotinction apresenta várias mecânicas de hacking e permite-nos atordoar os robots, incapacitá-los por completo, infetá-los com vírus informáticos – que se podem espalhar por vários robots em simultâneo, se estiverem interligados – e ativar interruptores e computadores à distância através do nosso visor. Temos à nossa disposição uma arma de energia, cuja utilização é limitada pelo número de bateria que temos, e é o pico das habilidades ativas de Liu, conseguindo destruir os robots por completo.

O loop de Evotinction constrói-se, assim, entre a navegação dos cenários, a descoberta dos pontos de interesse e a gestão dos inimigos em campo, tal como a análise dos seus padrões. Os confrontos não são obrigatoriamente diretos, dependentes da arma de energia e das habilidades de Liu, e temos à disposição um leque de alternativas que permitem uma abordagem mais indireta ao combate. Através de hacking, podemos afetar os robots à distância ao interagirmos com alguns objetos e aparelhos em campo. Por exemplo, as condutas de ventilação, que permitem reduzir a visibilidade dos robots e até estagnar a sua movimentação, ou os chuveiros automáticos, que, uma vez ativados, incapacitam rapidamente os Genie. Também podemos influenciar as correntes elétricas, alterar a transparência dos vidros e utilizar um pequeno robot, quase como um roomba, para movimentarmos objetos em campo – que podem ser posicionados, por exemplo, em locais que afetam a visão dos outros robots. Apesar da limitação dos cenários e da sua claustrofobia, a falta de variedade nos robots e a rigidez na estrutura devido à utilização de zonas fechadas, Evotinction apresenta mais profundidade do que aparenta ter durante as primeiras horas.

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Evotinction (Spikewave)

A estrutura de Evotinction constrói-se sobre a experiência de ação furtiva, mas Kojima não é a única influência da Spikewave Games. Se a campanha é maioritariamente composta por segmentos de furtividade, onde a nossa descoberta poderá ditar o fim, as batalhas contra bosses assumem toda uma nova funcionalidade. Nestes confrontos, a furtividade é praticamente eliminada e somos levados a enfrentar os bosses robóticos sem entraves. O primeiro boss, por exemplo, muda de tal maneira a jogabilidade de Evotinction que Liu passa a ter acesso a uma habilidade de dash para se desviar os ataques e a arma de energia quase parece uma metralhadora futurística. Os bosses apresentam pontos de fraqueza bastante visíveis, somos obrigados a utilizar as nossas armas proeminentemente ao longo dos confrontos e o ritmo altera-se de tal forma que pode ser um choque para quem se tinha habituado ao cuidado meticuloso de procurar as rotas certas sem levantar alarmes.

Outro desvio na estrutura de Evotinction, ainda que menos conseguidos do que os combates acima mencionados, são os trechos de aventura de texto. Sobre um ecrã escuro ou com animação mínima, vemos a história de Liu a desenrolar-se através de simples descrições em texto. Estes trechos refletem o passado, mas também a personalidade de Liu e culminam em escolhas narrativas que procuram definir melhor o nosso protagonista. São momentos interessantes que procuram dar maior contexto aos acontecimentos de Evotinction, mas precisavam de maior impacto narrativo e de um propósito mais saliente na jogabilidade. Também acredito que estes momentos são uma homenagem à série Nier, de Yoko Taro, ou então ao Lost Odyssey, da Mistwalker, que utilizam o mesmo formato para dar vida ao backstory das suas narrativas, mas posso estar enganado.

Evotinction é uma mescla de influências e ideias que nem sempre funcionam em harmonia. A história é previsível e a localização para inglês nem sempre é perfeita – especialmente na descrição dos troféus -, mas sentimos uma certa dedicação ao tema e narrativa através dos diálogos – onde podemos destacar facilmente a prestação dos atores que dão voz a Thomas Liu e a 0z -, ainda que não funcionem tão bem como deveriam. A jogabilidade também apresenta algumas mecânicas interessantes e o hacking torna-se intuitivo, até quando desbloqueamos novas habilidades e ferramentas. No entanto, Evotinction demonstra as suas limitações na otimização e nas oportunidades de furtividade, adotando um estilo muito mais comedido e seguro do que poderia ser. Apesar dos problemas, e para minha surpresa, Evotinction surpreendeu-me pela positiva e funciona dentro do aglomerado de inspirações e corta-e-cola de outros títulos. Uma boa opção para fãs do género na PS5.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Perp Games.

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