Everdeep Aurora é uma boa ideia que se destaca pela sua apresentação visual e personagens adoráveis, mas que raramente é divertido e envolvente enquanto exploramos o seu mundo subterrâneo.
Deitada num banco de jardim, a pequena Shell acorda sozinha. O céu é escuro, a lua vermelha capta a nossa atenção, grande e imponente, ao ponto de nos distrair da chuva de meteoritos que cai sobre a terra. Para Shell, esta é a sua realidade. Os meteoritos aproximam-se cada vez mais do seu planeta e a única hipótese de sobrevivência é escavar até ao subsolo em busca de uma nova vida. Mas não é o receio do fim do mundo que assombra Shell: é a ausência da sua mãe. Ao seu lado, pousada sobre o mesmo banco de jardim, Shell encontra uma nota da mãe, que lhe pede para não esperar por ela. O ponto de encontro é o “lugar do costume”, seja onde isso for. Sozinha e assustada, Shell não sabe o que fazer, mas Ribbit, um simpático sapo – a primeira ajuda que encontramos neste mundo de seres antropomórficos –, empresta-lhe uma perfuradora para se aventurar pelo subsolo. Agora Shell só tem de perfurar o solo, fazer amigos e finalmente encontrar a sua mãe antes que os meteoritos caiam.
Em Everdeep Aurora, é difícil ficar indiferente perante a estética nostálgica e repleta de personalidade que a Nautilus Games conseguiu injetar num estilo visual que parece ser o melhor dos 8 e 16bits em simultâneo. As personagens são cativantes, com idle animations diferentes e design exagerados, mas de fácil leitura devido às suas silhuetas bem trabalhadas e adaptadas aos limites do seu estilo visual. Os cenários também são representados com imensa personalidade, cheios de pormenores estéticos e de elementos decorativos que reforçam o quão se trata de um mundo vivido, tão melancólico, como belo. As cinemáticas mantêm este registo e chegam a ser adoráveis devido às reações felinas de Shell, com a Nautilus Games a reforçar a juventude e ingenuidade da protagonista sem precisar de lhe dar uma voz ao longo da narrativa. Everdeep Aurora é um jogo muito visual e poderia ainda ser mais impactante se não depositasse tanta atenção nos diálogos, por vezes longos, que surgem ao longo da campanha.
Talvez este foco nos diálogos já seja um primeiro sinal dos verdadeiros problemas de Everdeep Aurora, nomeadamente a sua falta de guias visuais e de um melhor entendimento sobre os nossos objetivos principais. O grande foco mecânico é a perfuradora que Shell transporta consigo ao longo da campanha. O mundo de Everdeep Aurora é maioritariamente subterrâneo, construído por zonas principais e algumas salas secretas – que escondem tesouros e colecionáveis, quase sempre antecedidos por sequências desafiantes de plataformas –, mas igualmente fechado. À semelhança de Steamworld Dig e até Pepper Grinder, nós temos de criar o nosso próprio caminho. Com a ajuda da perfuradora, podemos destruir pedras, criar plataformas e descobrir novas zonas enquanto gerimos a energia e recursos à nossa disposição. Everdeep Aurora não seria um jogo de aventura sem um leque de habilidades e melhorias para Shell, e não só temos de garantir o funcionamento da perfuradora, como podemos desbloquear novas formas de mobilidade que procuram expandir a navegação para caminhos anteriormente inacessíveis e até cortar a necessidade de estarmos sempre a perfurar à procura de uma saída.
O problema? Fora a existência de algumas missões secundárias, que encontramos regularmente, não senti urgência ou necessidade de explorar o mundo subterrâneo. Não senti satisfação, mistério ou uma recompensa mecânica e narrativa para perfurar novos caminhos. Shell está à procura da sua mãe e do seu ponto de encontro, mas a nível mecânico, essa busca não é sentida da mesma forma. Por mais próximos que estejamos das personagens, parece que existe um bloqueio constante entre “faz o que quiseres” e “não há muito para ver”. Apesar de sentir liberdade na exploração e perceber que esse foi um dos focos da Nautilus Games, acabei por me sentir mais perdido do que investido porque nunca encontrei um propósito para as viagens subterrâneas.
Este foi um sentimento que me perseguiu durante as minhas primeiras sessões com Everdeep Aurora e que não consegui verbalizar. Na minha cabeça, algo estava a correr mal, mas o quê? A nível estético, Everdeep Aurora é muito envolvente, as animações são boas e a jogabilidade é bastante funcional, ainda que pouco inventiva ou variada, mas a minha diversão não evoluía. Então fui pesquisar e ler mais sobre o jogo, e foi aí que me deparei com a opinião da colega Jenni Lada, do site Siliconera, que finalmente colocou a limpo esta sensação que ambos partilhamos: não há direção, não há uma sensação de crescimento e o jogo adora perder tempo com elementos mal introduzidos e que pouco servem a jogabilidade a curto prazo.
Durante as minhas horas com Everdeep Aurora, senti-me constantemente dividido. Por um lado, o título da Nautilus Games é muito consistente a nível visual, o design das personagens é memorável e aprecio imenso o trabalho que fizeram com as cinemáticas. Por outro, não me consegui cativar pela jogabilidade e raramente encontrei momentos em que estava investido na exploração e na resolução das missões secundárias. A falta de foco é um problema que me afastou do jogo e é preciso fazer a distinção entre ausência de foco e ausência de objetivo – não são a mesma coisa. A missão de Shell era clara, mas o porquê de perdermos tanto tempo a explorar e a falta de recompensas mecânicas e narrativas prenderam-me a loop de insatisfação. Por fim, depois de várias horas à procura de um sentido, esqueci-me que o jogo não tem gravações automáticas. Um erro meu, puramente humano, admito. Quando regressei a Everdeep Aurora, apercebi-me que perdi horas de progresso. Itens desapareceram, melhorias e habilidades evaporaram-se, os caminhos apagaram-se. Este foi o meu castigo – e ainda dizem que o karma não existe.
Cópia para análise (Nintendo Switch) cedida pela Ysbryd Games.