Elemental pode ser simples e previsível, mas é tão tematicamente rico e apresenta personagens tão emocionalmente relacionáveis que, no fim, encontrei-me a lutar contra as lágrimas. Uma história de amor “inter-elemento” visualmente deslumbrante misturada com uma jornada bonita de auto-descoberta.
No que toca ao meio da animação, não existe estúdio mais popular que a Pixar. O infame estereótipo “animação é só para crianças” tem sido quebrado ao longo dos anos e muito desse trabalho deve-se ao estúdio conhecido por histórias emocionalmente poderosas com mensagens impactantes para qualquer geração. Ultimamente, apesar da receção se manter positiva, os novos filmes não têm conseguido alcançar o mesmo tipo de sucesso tanto a nível comercial como financeiro. Pessoalmente, não compreendo esta tendência, continuando a desfrutar imenso das narrativas recentes, incluindo o último de Peter Sohn: Elemental.
No que toca ao meio da animação, não existe estúdio mais popular que a Pixar. O infame estereótipo “animação é só para crianças” tem sido quebrado ao longo dos anos e muito desse trabalho deve-se ao estúdio conhecido por histórias emocionalmente poderosas com mensagens impactantes para qualquer geração. Ultimamente, apesar da receção se manter positiva, os novos filmes não têm conseguido alcançar o mesmo tipo de sucesso tanto a nível comercial como financeiro. Pessoalmente, não compreendo esta tendência, continuando a desfrutar imenso das narrativas recentes, incluindo o último de Peter Sohn: Elemental.
O cineasta já faz parte da “mobília da casa”, sendo uma voz criativa com cada vez mais importância desde 1999. Apesar dos inúmeros contributos como artista narrativo, produtor ou animador, a verdade é que Elemental é apenas a segunda longa-metragem enquanto realizador – a sua estreia foi com The Good Dinosaur. Já lá vai algum tempo desde que entrei numa sala de cinema completamente ignorante sobre o filme que ia assistir. Total falta de conhecimento sobre o tipo de história, elenco e até visuais, visto que apenas me deparei com uma ou outra foto ao longo destes últimos meses.
Elemental acaba por se tornar numa das visualizações mais surpreendentes do ano, precisamente pelas circunstâncias que me levaram a ver a mesma. Uma obra com mais coração do que criatividade narrativa – argumento algo genérico e previsível – onde a diversidade de temas e personagens relacionáveis é o maior destaque. Desde os riscos e sacrifícios de emigrar à representação de vários tipos de discriminação, passando pelas barreiras criadas por ideais familiares datados e a importância de tradições culturais, os argumentistas John Hoberg e Kat Likkel (My Name is Earl) e Brenda Hsueh (Disjointed) não deixam nenhum tópico de lado.
No entanto, a história principal gira à volta de uma pergunta bastante direta: podem elementos opostos como água e fogo viver juntos? Será que, de facto, os opostos atraem-se? Elemental cria um paralelismo claro com uma relação íntima interracial ao juntar Ember (Leah Lewis), um elemento de fogo, e Wade (Mamoudou Athie), um elemento de água, abordando todas as complexidades naturais que surgem de um envolvimento deste tipo. Com tanto assunto por explorar, os tópicos secundários acabam por sofrer uma exploração superficial, mas ainda assim, eficiente e instigante sobre os cenários que apresenta.
Já a relação amorosa e a jornada de auto-descoberta de Ember não podiam ter recebido melhor tratamento. Ambas as personagens têm personalidades incrivelmente humanas, cada uma com as suas qualidades e defeitos, assim como uma infância e adolescência completamente diferentes devido às famílias também elas distintas na maneira de viver. Se a família de Ember viu-se obrigada a emigrar para melhorar as suas condições de vida e a esforçar-se diariamente para conseguir construir o seu próprio negócio e casa, Wade nasceu num “berço de ouro”, no centro da cidade, onde todos os membros familiares são altamente bem-sucedidos.
Se Ember e os seus pais viram-se alienados por uma cidade em nada aberta ou acessível a elementos de fogo, Wade nunca teve problemas de adaptação a um ambiente onde sempre foi privilegiado. Seria de esperar que a família de Wade fosse mais mente-fechada e não aceitasse elementos de fogo no seu seio familiar e comunidade, mas Elemental joga de forma inteligente com as expetativas da audiência e troca caraterísticas que normalmente seriam associadas a determinado grupo de pessoas apenas porque vêm de uma certa cultura ou forma de viver.
Elemental é, no fundo, uma história de amor e as interações entre Ember e Wade são mais cativantes à medida que o enredo se desenrola. A facilidade com que Ember cede aos seus nervos e se exalta acaba por a levar a encontrar um Wade exageradamente dramático, gerando não só uma barreira física devido à sua natureza, mas também um obstáculo emocional. Os arcos bonitos que cada personagem atravessa são extraordinariamente realistas e qualquer espetador conseguirá conetar-se com ambos os elementos.
É verdade que tudo acontece de maneira muito óbvia, sendo que o fator surpresa é quase nulo. Daí Elemental ser um exemplo perfeito do quanto a ligação emocional do público para com os protagonistas da história é mais impactante do que qualquer limitação narrativa do género ou do argumento em si. Pessoalmente, fiquei genuinamente chocado com o facto de ter de lutar contra as lágrimas durante a conclusão do filme, mesmo antecipando todo o desenvolvimento da mesma.
Existem imensos pormenores, tanto visuais como narrativos, com os quais me consigo relacionar muito profundamente devido a como os últimos anos da minha vida decorreram e, quando tal acontece, problemas como argumentos formulaicos tornam-se insignificantes. Para além disso, Elemental mantém a tendência do estúdio em ser bastante educacional ao demonstrar como os elementos diferentes que compõem o nosso planeta interagem e reagem entre si. Estes detalhes em particular são fascinantes e é sempre impressionante notar o esforço fenomenal dos animadores no grande ecrã.
Elemental é muito parecido ao mundo real, pelo que o world-building de Sohn e companhia acaba por não surpreender pela sua imaginação, mas sim pela facilidade em criar paralelismos e comparações com o nosso mundo. A qualidade de animação da Pixar mantém-se soberba e as prestações de voz do elenco contribuem para a tal ligação emocional com as personagens – Lewis (How to Deter a Robber) e Athie (Jurassic World Dominion) destacam-se claramente. Não existe tanto humor quanto esperava, mas os poucos momentos de comédia são altamente eficazes, arrancando gargalhadas bem audíveis, especialmente com os elementos de água.
É, sem dúvidas, um filme com muito mais coração do que impacto narrativo. Elemental não manda aquele murro emocional de deixar uma sala de cinema inteira a chorar baba e ranho, nem contém mensagens arrebatadoras de fazer espetadores pensarem na sua vida durante dias a fio. Mas Sohn executa todas as suas ideias com uma intenção clara e incrivelmente pessoal. E, num mundo onde qualquer razão irrelevante serve para deitar abaixo uma obra, sabe bem poder desfrutar tanto de um filme com alguns defeitos, mas com tanto, tanto coração.
VEREDITO
Elemental pode ser simples e previsível, mas é tão tematicamente rico e apresenta personagens tão emocionalmente relacionáveis que, no fim, encontrei-me a lutar contra as lágrimas. Uma história de amor “inter-elemento” visualmente deslumbrante misturada com uma jornada bonita de auto-descoberta. O world-building notável volta a ser um destaque, assim como os inúmeros detalhes visuais excecionalmente informativos sobre a interação entre os diferentes elementos. Emigração, discriminação e ideais familiares são alguns dos vários temas essenciais abordados. Não entendo as críticas em redor da suposta “queda da Pixar”. Vou continuar a desfrutar destas histórias e recomendo que os espetadores tentem fazer o mesmo, sem se preocuparem com a comparação incessante com o passado.