A Square-Enix termina a trilogia Erdrick ao revisitar os primeiros Dragon Quest, adicionando novos momentos narrativos, maior acessibilidade, opções de dificuldade e um melhor equilíbrio entre o design clássico e um certo modernismo sem perder a jogabilidade clássica da série.
Durante décadas, especialmente na Europa, o sucesso da série Dragon Quest era quase como um mistério por resolver. Criado por Yuji Horii e editado pela Enix, Dragon Quest nunca recusou o seu classicismo. Em comparação com outros títulos da época, e até quando equiparado à evolução gráfica de outras séries, Dragon Quest não se preocupou em ser mais acessível ou convidativo, quase como se fosse o produto de uma era esquecida. Esta leitura não está longe da realidade, já que Horii procurou recriar a experiência de Wizardry e outros dungeon crawlers para um público mais vasto, traduzindo as mecânicas de exploração e combate, popularizadas no PC e microcomputadores, para a Famicom e os seus limites de processamento. A determinação de Horii levou-o a fazer escolhas, a alterar ligeiramente a fórmula e a encontrar um meio-termo entre a influência D&D, muito sentido na narrativa rudimentar dos primeiros títulos, e um novo sistema de combate por turnos, cujo mundo se expandia através de um mapa mais extenso, caraterizado por várias cidades, masmorras, aliados e criaturas monstruosas. E mesmo assim, Dragon Quest foi um enorme sucesso no Japão.
Durante anos, Dragon Quest recusou a modernização dos seus sistemas e jogabilidade. A base mecânica manteve-se muito próxima aos originais, com melhorias incrementais, alguns novos sistemas, mas a experiência procurou antes a harmonia mecânica e uma sensação de iteração controlada, que cimentou a identidade visual e interativa de Dragon Quest enquanto série, do que a revolução forçada. Se Final Fantasy procurou reinventar-se entre títulos, especialmente nos saltos geracionais entre plataformas, apostando em mecânicas únicas e por vezes descartadas entre jogos, Dragon Quest é a sua antítese. Então fomentou-se a ideia de estagnação e de recusa à evolução, ignorando o potencial da série, como se a revolução gráfica fosse o único medidor de qualidade nos 1990. Mas lentamente, Dragon Quest cresceu e deu passos que viriam a colocar os seus rivais em xeque. Primeiro ao cimentar a estrutura do género, depois ao adicionar histórias mais emocionais e, por fim, ao introduzir mecânicas de captura de criaturas que ficariam populares anos depois.
O género RPG seria muito diferente sem a influência de Dragon Quest e esta é uma verdade que se tornou mais presente na cultura popular ao longo dos anos. A suposta estagnação de Dragon Quest foi progressivamente desmistificada e o nome ganhou peso fora do Japão. Os valores de produção podiam ser menores, as cinemáticas quase sempre relegadas para segundo plano e as suas aventuras não necessitavam de se expandir por vários CD ou DVD para criar uma sensação de epopeia. Yuji Horii descobriu a fórmula de sucesso desde cedo e conciliou a dificuldade do combate com o mistério da exploração, apostando lenta, mas seguramente em narrativas mais pessoais e emocionalmente impactantes para dar vida ao mundo que se edificava ao longo das décadas. Como seria a indústria japonesa se, por exemplo, Dragon Quest III ou Dragon Quest V nunca tivessem sido produzidos? E poderemos dizer o mesmo sobre Final Fantasy IV, Final Fantasy VI ou Final Fantasy VII? Talvez não, mas é melhor não provocar uma luta ideológica entre os fãs das séries mencionadas.

É interessante notar que o classicismo de Dragon Quest, que, anos antes, era visto como um problema, é hoje um dos seus grandes trunfos. Ainda é cedo para saber o que nos espera em Dragon Quest XII, o próximo grande lançamento da série, mas a receção calorosa de Dragon Quest III HD-2D Remake e agora de Dragon Quest I & II HD-2D Remake revelam como a comunidade está muito mais recetiva ao tradicionalismo de uma das séries mais importante do género. Mesmo com o trabalho de renovação visual, com os cenários e modelos adaptados ao estilo HD-2D – uma combinação que ainda é peculiar por funcionar tão bem, ainda que tenha de admitir que as personagens não são tão impressionantes visualmente como esperava –, a jogabilidade e a estrutura das campanhas mantém-se próximas às originais. A Square-Enix e a Artdink procuraram equilibrar a dificuldade, o rácio de combates por turno, RNG e até a percentagem de pontos de experiência para facilitar o processo de evolução ao longo da campanha. As novas adições não ficaram apenas pela jogabilidade e podemos encontrar novas sequências de história nos dois jogos, onde podemos sentir os efeitos de um olhar mais moderno em especial no primeiro Dragon Quest. A narrativa solitária do herdeiro de Erdrick não foi profundamente trabalhada para se assemelhar aos títulos mais recentes da série, tal como Dragon Quest III HD-2D Remake, mas encontramos mais momentos com personagens secundárias e somos ocasionalmente acompanhados por parceiros temporários ao longo da campanha.
Será a nostalgia a toldar-nos a perceção? Apesar de ser impossível separar estes dois títulos do seu impacto cultural, penso que o sucesso desta coleção revela antes o quão sólidos são as mecânicas e sistemas que regem a série. Mesmo ao recusar a ideia de remake, Dragon Quest mantém-se estranhamente fresco e até atual, funcionando dentro do seu minimalismo mecânico ao demonstrar uma segurança reconfortante. As duas campanhas são previsíveis e apresentam problemas de ritmo, que os remakes não resolveram a 100%, mas a experiência Dragon Quest já é visível na sua estrutura e as novas versões embelezam e tornam acessíveis dois jogos clássicos que merecem ser descobertos pelos seus fãs.
Dragon Quest II é um jogo mais arrojado e é certamente um ponto de viragem para a série, introduzindo uma campanha mais extensa e novas mecânicas que se tornariam emblemáticas da saga. A possibilidade de termos uma equipa até três personagens, a utilização de vários métodos de transporte, que ficam disponíveis ao longo da campanha e que abrem novas zonas anteriormente inacessíveis, até a utilização de puzzles e mensagens crípticas são apenas algumas das novidades da sequela. No entanto, Dragon Quest II foi uma evolução que expandiu artificialmente a fórmula, ao ponto de perder o rumo. Em vários aspetos, este é o equivalente a Final Fantasy II, onde ambas as séries procuraram crescer além do sucesso do seu antecessor, mas com filosofias diferentes. Se Final Fantasy II mudou demasiado, Dragon Quest II cresceu demasiado.

Com o remake , a Artdink limou os vários problemas de Dragon Quest II e equilibrou aquele que é, apesar dos seus defeitos, um ponto evolucionário importante na série. Se gostam de Dragon Quest III, a primeira sequela será certamente o jogo que procuram, mas eu defendo que Dragon Quest é o jogo mais interessante desta coleção, nem que seja como um espelho para o passado. Quase 40 anos depois do seu lançamento, o primeiro Dragon Quest retém a base familiar da série, já contando com grande parte das criaturas e monstros que se tornariam icónicos, mas é uma experiência ainda mais minimalista e solitária do que os restantes títulos da trilogia Erdrick. Esta é a verdadeira demanda do cavaleiro escolhido contra as forças do mal, sozinho na sua luta, mas irredutível no seu dever enquanto descendente de Erdrick.
Não existem equipas, lutamos sozinhos. Os combates centram-se em torno do protagonista e é ele que tem acesso às habilidades, magias e equipamentos que podemos comprar, desbloquear ou então encontrar espalhados pelo reino de Alefgard – algo que viria a ser repensado logo na sequela, com a introdução da equipa de protagonistas.
Os combates são mais dinâmicos e desafiantes do que esperava. Apesar de só controlarmos uma personagem, o ritmo não é propriamente lento – ao acelerarmos a velocidade, admito – e deparei-me com momentos de verdadeira tensão por estar sozinho naquelas batalhas. Mesmo com um mundo mais limitado, com uma campanha que pode ser completada em 10 a 12 horas, acredito que Dragon Quest acerta onde é mais importante e é na batalha constante contra as adversidades numa aventura solitária. A grandiosidade da sua banda sonora e o design colorido de Akira Toriyama criam uma tonalidade mais reconfortante e nostálgica, mas defendo que este é possivelmente o único Dragon Quest que comunica quase exclusivamente pelas suas mecânicas. Somos nós contra a natureza, a descobrir um mundo invadido por monstros, guiado por uma lenda e obrigado a lutar sozinho. Há algo puro na sua jogabilidade, que me deixa com vontade de descobrir mais sobre as origens do género RPG e conhecer as influências de Horii antes da criação de Dragon Quest.
Com Dragon Quest I & II HD-2D Remake, a memória da série é revitalizada. A trilogia Erdrick está completa, renovada e disponível para todos os jogadores. Não estamos perante versões 100% fiéis às originais, existiram melhorias mecânicas e novas opções de acessibilidade que simplificaram alguns sistemas e tornaram a jogabilidade mais imediata. A estrutura e narrativa mantém-se, no entanto, muito próximas às versões originais e é possível sentir o charme que acompanha a série Dragon Quest desde 1986. A coleção poderá ter os seus detratores, que não ficaram convencidos com o novo estilo visual e a modernização de certos sistemas, mas é, acima de tudo, mais uma iteração sobre a jogabilidade da saga. Décadas depois, Dragon Quest mantém a sua identidade intacta, naquela que poderá ser a série mais fiel às suas origens, mais determinada em criar um universo coeso e facilmente reconhecível no género RPG.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Square Enix.
