Diário de Bordo: Diablo IV

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A série Diablo regressa com mais uma sequela de peso, que se destaca pelo seu loop mecânico, mas é também uma boa medida de comparação para o que se perdeu ao longo dos anos.

Diablo foi o primeiro jogo que comprei para PC. Na verdade, comprei Diablo antes de ter o meu primeiro PC, o que foi um feito. Não me podem censurar. Os meus pais estavam a dar todos os sinais possíveis, aquele PC estava mais do que garantido. Eu ia finalmente receber o meu primeiro Pentium, algures entre o II e o III, e a minha verve juvenil levou-me a cometer o erro de comprar primeiro e pensar depois. Com dinheiro no bolso, corri até à Worten mais próxima, analisei o catálogo de jogos PC e afinquei a minha atenção sobre um dos títulos que mais quisera jogar até ali: Diablo. Compra feita, jogo no bolso dos calções, pronto para chegar a casa e abrir o meu primeiro PC. Nada de PC, demasiado Diablo em mãos.

Só tinha uma alternativa: convencer os meus primos a jogar Diablo no seu PC. Um Compaq genérico, daqueles que víamos nos filmes, mas capaz de correr Diablo sem problemas. A minha banha da cobra foi indicar-lhes que seria uma atividade perfeita para fazermos em conjunto, entre brincadeiras na rua, quando éramos obrigados a voltar a casa. Assim foi. Bastou uma hora para ficarmos vidrados em Tristram e na longa masmorra que se desenvolvia no subsolo. As teorias começaram a tecer-se, as estratégias foram montadas e o nosso guerreiro determinado em matar Diablo. Esta aventura acontecia apenas aos fins de semana e nos dias em que visitava os meus primos. A antecipação adocicava ainda mais os momentos em que podíamos, de facto, jogar Diablo.

Recordo-me de ficar progressivamente dececionado com o jogo. Quando a magia desvaneceu, agora que já tinha jogado o meu primeiro jogo de PC, comecei a compreender que Diablo não era o que tinha antecipado. Ao contrário dos RPG que jogava na PlayStation, o seu mundo era tão pequeno e restrito. Não existiam aldeias, cidades, campos ou montanhas para explorar. Não conhecíamos novas personagens, não aumentávamos a nossa equipa e muito menos tínhamos acesso a modos cooperativos. A ação centrava-se apenas em Tristram e no seu leque de NPC, que serviam, quase exclusivamente, como guias e lojistas para os jogadores.

O foco numa única masmorra também estava a condicionar perpetuamente o meu divertimento, como se me estivesse a ser negado uma experiência que havia idealizado na minha mente. Talvez Diablo II já tivesse nas lojas, ainda que inacessível para o tamanho da minha carteira da Reebok, e os vídeos, imagens e críticas revelavam que a sequela expandia significativamente a fórmula da série. Em Diablo, exploramos masmorras cinzentas, escuras, muito repetitivas e sem grande discernimento entre andares, a não ser quando atingimos os níveis mais infernais. A jogabilidade e a dificuldade mantinham a minha mente ocupada, com o clique da movimentação e do ataque a criarem dopamina suficiente para alegrar o nosso grupo, mas os longos dias de espera deram lugar ao desapontamento.

Sabem qual é a maior ironia? Eu nunca joguei Diablo no meu PC. Anos depois, quando abri finalmente o meu Pentium – agora sim, um IV, para compensar o tempo de espera –, já Diablo estava escondido numa das minhas prateleiras. Passei logo para o Diablo II, quando este já não era recente, e também não o demorei a abandonar. Com a chegada de Diablo III, o entusiasmo voltou, mas esperei pelo lançamento nas consolas. Diablo III foi, à semelhança da minha experiência com o primeiro jogo, uma aventura cooperativa, agora ao lado de amigos. Quatro contra Diablo, todos com classes diferentes e vontade em explorar todos os novos recantos deste RPG de ação. Também não demorámos a parar. Não estava destinado a terminar Diablo. E aqui estamos nós.

Sempre que volto a Diablo IV, agora na PS5, lembro-me das tardes a jogar o primeiro jogo. Uma só cidade e uma masmorra enorme que se expandia em vários níveis. Um conceito tão simples, mas sofisticado, sem distrações ou ruído. Em Diablo, somos nós contra um monstro supostamente impossível de derrotar, capaz de eliminar qualquer exército humano. Enquanto exploramos a masmorra, as hordas de Diablo ficam mais desafiantes e nós sentimos o poder deste senhor das trevas. Se as suas tropas são assim, imaginem o que é lutar contra o verdadeiro Diablo em todo o seu esplendor. Há tensão, há estratégia e há destreza na forma como abordamos cada nível da masmorra. Mas também há falta de liberdade, enormes trechos de repetição e um sistema de combate que pouco evolui à medida que equipamos o nosso herói com armas, armaduras, poções e as míseras habilidades que desbloqueamos.

É injusto comparar Diablo a Diablo IV, mas existe aqui poesia. A evolução da série é notória e o foco da Blizzard é um reflexo das escolhas que moldaram aquele que já é o seu maior lançamento de sempre. Diablo IV é tudo o que veio para trás, introduzido desde Diablo II até aos seus rivais nos últimos anos, mas refinado, com uma campanha mais livre, assente na exploração e na personalização. Um jogo pensado para ser jogado durante centenas de horas, através de várias personagens e modos de dificuldade, ao ponto de algumas pessoas considerarem-no como “live service” devido à sua aposta em atualizações constantes e micro-transações. O que era assustador em Diablo, como a descoberta da masmorra e a tensão das criaturas que lá se escondiam, em Diablo IV é fonte de diversão, onde nós queremos descobrir mais cavernas, celeiros e masmorras abandonadas para aumentarmos o nosso nível e pormos à prova a build da nossa personagem.

Diablo IV é a dopamina personificada e está pensado para ser assim. É um jogo onde temos constantemente novas missões para concluir e zonas para desbravar, que se multiplicam ao longo do mapa e dividem-se por eventos únicos e masmorras. Enquanto exploramos Sanctuary, podemos encontrar hordas de inimigos, tesouros raros – e até outros que necessitam de chaves especiais para serem abertos –, atividades e locais secretos. Não existem momentos mortos. Os monstros e criaturas estão sempre a fazer respawn, às vezes até automaticamente – basta afastarmo-nos um pouco -, os pontos de experiência aumentam a toda a velocidade, o loot cai por todos os lados e sentimos que há sempre algo novo à nossa espera. O jogo é tão eficaz em ser viciante que me senti em piloto automático, a querer conhecer e ver mais, mas também a sentir que não estava a ver e a conhecer mais: apenas a passar de tarefas em tarefas, a ver barras a aumentarem e a experimentar novas habilidades para compreender o que funciona no meu Bárbaro.

Mas esta é a experiência Diablo e eu respeito isso. Saudosismo à parte, a série banha-se agora nos excessos e está a agarrar um novo público à conta dessa mudança. Respeito imenso o que eles fizeram com a exploração e com a abertura dos mapas, tal como um maior equilíbrio nos níveis dos monstros, onde podemos ir para qualquer ponto a qualquer momento. A presença mais palpável de aldeias e cidades, que podemos descobrir enquanto desbravamos por Sanctuary, criam uma realidade mais vivida, ainda que sempre banhada pela melancolia e horror que caracterizam a série. Há mais para conhecer, mas tudo serve o propósito de manter-nos investidos em tarefas mundanas e repetitivas. Até as masmorras estão pensadas para dar eventos constantes aos jogadores, algumas demasiado desafiantes e que requerem uma aposta na cooperação.

O sistema de combate nunca foi tão acessível, responsivo e personalizável como é agora – pelo menos pela minha experiência. Não foi desta que saí da minha zona de conforto e dediquei-me a uma personagem que não fosse focada em combate corpo a corpo, mas pude compreender como existem mais opções de ataque em Diablo IV. A árvore de habilidades é extensa e a combinação entre poderes ativos e atributos passivos deixam a porta aberta à possibilidade de criarmos uma personagem mais distinta e não tão previsível como em títulos anteriores. Mas o meu destaque vai para a personalização das habilidades e para a combinação entre vários tipos de armas.

Talvez esteja a falar sem saber, é o mais certo, mas sinto que é a primeira vez que tenho acesso a três tipos de armas diferentes e que posso utilizar em simultâneo. No caso do Bárbaro, tive à disposição duas armas rápidas/curtas, como machados e espadas (double handed); uma “marreta” mais pesada; e um machado de duas mãos, com um raio de ataque muito maior. À medida que desbloqueamos novas habilidades, podemos definir as armas que queremos associar e isso muda, em parte, a forma como estas habilidades funcionam. Qual é a sua velocidade, zona de impacto, número de dano, etc. As habilidades estão limitadas a alguns tipos de armas, é verdade, mas há espaço para experimentar e criar novas combinações, o que foi refrescante. Só o facto de poder mudar entre armas rápidas e outras mais pesadas foi satisfatório, pois senti-me mais em controlo e com a capacidade para alternar estratégias entre os vários tipos de monstros em campo.

Isto não é uma análise. Não é um olhar objetivo sobre as qualidades e defeitos de Diablo IV porque sinto que é preciso jogar as centenas de horas que a Blizzard quer que joguemos para ver o quadro completo. Diablo IV vai persistir na indústria como Destiny 2 e Warzone, com novas atualizações, modos e formas de roubar dinheiro àqueles que se sentem presos ao seu flow viciante de conteúdos e combate. Este é o futuro e funciona. As zonas são expansivas, mais detalhadas, há vida neste mundo e o foco na cooperação parece retirar forças nisso. O que é igualmente estranho para mim, que cresci na masmorra do primeiro jogo, sem companhia a não ser a ajuda física dos meus primos. Agora vejo jogadores estranhos a correrem por Sanctuary como se fossem reis e senhores do jogo. É um novo mundo, há que adaptar, mas não escondo o feitio de Velho do Restelo e as saudades de tempos mais simples.

Cópia (versão PlayStation 5) cedida pela Activision.

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