Entre fragmentos de vídeo e espaços vazios, Dead Take constrói uma experiência contida e atmosférica, com um nível de surrealismo que atenua o peso dramático das suas inspirações mais sérias.
Depois de explorarmos Tales of Kenzera: Zau, um metroidvania 2.5D bem divertido, mas muito emocional, inspirado na experiência pessoal de perder o pai, Abubakar Salim (ator de voz de Bayek em Assassin’s Creed Origins e Alyn of Hull em House of the Dragon) e a sua equipa da Surgent Studios levam-nos a sítios completamente novos, mas sem descartar inspirações reais. Dead Take é o nome do seu novo jogo e trata-se de um título de horror psicológico, passado numa mansão em Hollywood, que explora, de forma exagerada e muito dramática, os horrores da indústria do entretenimento, revelando o que se passa para lá das cortinas, quando o ego e a ambição ultrapassam a decência e a moral.
É uma aposta completamente original e, em parte, tematicamente arriscada, com Salim e um elenco recheado de nomes conhecidos da indústria dos videojogos, composto maioritariamente por amigos pessoais do produtor, a contribuírem para um processo criativo altamente crítico do estado da indústria em que estão inseridos. “Enquanto atores, tanto em jogos como noutros meios, eu, o Neil e o Ben apoiámo-nos mutuamente em momentos extremamente difíceis”, afirma Salim em comunicado oficial sobre o jogo. “Foi nesses momentos que partilhámos algumas das histórias mais negras que acabaram por servir de base para este jogo. Para além do talento que trazem ao projeto, ajudaram também a criar um espaço onde todos pudemos ser verdadeiramente autênticos e honestos. Mal posso esperar que vejam a qualidade das interpretações deles em Dead Take.”
Os mencionados Neil e Ben são dois dos nomes mais populares do voice acting em videojogos atualmente, Neil Newbon (Baldur’s Gate 3, Resident Evil Village) e Ben Starr (Final Fantasy XVI, Clair Obscur: Expedition 33) são os protagonistas de Dead Take, que dão um pouco mais de si do que a simples voz, com Salim a tentar convergir o live-action com o videojogo, mas um pouco diferente do espírito do que conhecemos como FMVs.
Dead Take é uma história de busca desesperada pelo paradeiro de alguém querido, uma história de rivalidades e uma história de traumas, tudo injetado num jogo na primeira pessoa que é, em parte, uma narrativa linear, um jogo point-and-click à antiga e um escape room. Tudo se passa numa mansão vazia, claramente após uma festa, onde o jogador, na pele de Chase Lowry (Starr), procura por Vinny Monroe (Newbon), que não responde às mensagens e de quem se assume que algo de muito errado se passou.
Ao chegarmos a essa mansão, entramos em modo de exploração e investigação. Dead Take não é propriamente um jogo muito denso em elementos interativos, portanto acaba por ser uma viagem relativamente segura e simples, de mãos dadas, onde quase todos os objetos e itens interativos têm um propósito importante para o avanço da narrativa. Há claramente um enorme cuidado em evitar que o jogador perca o fio à meada, mas isso não significa que seja uma investigação isenta de algum exercício mental e saltos de lógica que nos podem levar a implorar por um guia. Algo a que recorri exatamente duas vezes durante esta aventura.
Toda a jornada decorre dentro da mansão e de um pequeno anexo com piscina e sauna. Ao longo de 4 a 5 horas, vamos abrindo novas portas, explorando divisões e recolhendo itens para fazer a história avançar, e a narrativa é contada de formas bastante interessantes. Para além de documentos e textos encontrados aqui e ali, ou acessíveis via smartphone, é a narrativa visual que se destaca, quer pelo ambiente e o que os adereços, decorações e outros elementos contam sem palavras, quer pelo elemento central da experiência: os trechos live-action.
Apesar da linearidade de Dead Take, vamos dar muitas voltas aos mesmos sítios, o que confere ao jogo um lado de exploração refrescante sempre que encontramos algo novo num espaço já familiar. Um dos locais que revisitamos mais vezes é uma sala de cinema e uma sala de projeção, que serve de refúgio mental, uma vez que não há inimigos a perseguirem-nos. Na sala de projeção, temos um mapa de pistas pendurado numa parede, que nos mantém atualizados na investigação, e uma máquina que controla o projetor. É nesta máquina que inserimos pens USB que vamos encontrando, e que desbloqueiam os trechos live-action para assistir na sala de projeção.
Estes trechos são audition tapes (testes de audição) e entrevistas com Chase, Vinny e todo um outro elenco de personagens, que inclui atores como Jane Perry (Baldur’s Gate 3, Dragon Age: The Veilguard) e Alanah Pearce (Cyberpunk 2077, V/H/S/Beyond) e com cameos de Laura Bailey (The Last of Us: Part II), Matthew Mercer (Critical Role, Final Fantasy VII: Rebirth), Sam Lake (Alan Wake II, Max Payne), Travis Willingham (Star Wars Jedi: Fallen Order) e CDawgVA (Honkai: Star Rail). O que inicialmente pode não revelar o verdadeiro potencial de cada um destes nomes em frente à câmara, torna-se impressionante quando nos recordamos, ou vamos assistir ao YouTube, testes de audição das nossas séries filmes e séries favoritos, percebendo assim o nível de realismo e, por extensão, a incrível entrega de cada ator nestes cenários.
Newbon e Starr respiram e vivem estas personagens, que apresentam múltiplas personalidades dependendo do contexto em que se encontram, ou quando quebram a sua própria personagem de forma extremamente meta dentro do jogo. Do súplico inocente por uma oportunidade, passando à representação de personagens, até culminar em explosões de ego e narcisismo assustador, o nível de credibilidade é extraordinário.
Estes momentos variam entre câmaras estáticas durante entrevistas e edições mais estilizadas, cada vez mais perturbadoras e cinematográficas, algo que se torna mais frequente à medida que exploramos uma mecânica bastante interessante do jogo. Para além dos vídeos que vamos descobrindo, podemos emparelhá-los e, quando compatíveis, somos presenteados com um novo clipe. Nem todos os vídeos têm pares, mas o jogo faz um bom trabalho ao indicar o que pode corresponder a quê, através de indicadores visuais como cortes súbitos, sensação de conteúdo em falta ou simples glitches. Este elemento de edição e investigação é importante não só porque avança a história, revelando novos detalhes, mas também por servir de base para soluções de puzzles e pistas principais e secundárias.
Apesar destas formas interessantes e interativas de contar uma história, a componente narrativa de Dead Take não é propriamente excelente. É certamente interessante, com um toque de surrealismo e dramatização que lhe retira algum do peso realista das suas inspirações. O que podia ser um thriller tenso, com consequências que nos deixassem a pensar ou a questionar a instituição que é Hollywood e a sua máquina por trás, acaba por ser apenas uma pequena spooky tour, em parte também suportada por uma ótima apresentação.
Dead Take faz um ótimo trabalho a criar uma atmosfera tensa e desconfortável, com salas vazias e escuras, uma abordagem eficaz à estética dos liminal spaces e um uso inteligente de iluminação e adereços para provocar claustrofobia e a sensação de que algo nos observa. Não é um jogo visualmente rico, mantendo uma qualidade muito “indie”, mas extremamente eficaz, especialmente quando começam a surgir manequins suspeitos.
Tirando alguns momentos mais frustrantes, Dead Take acaba por ser um passeio no parque, que é por vezes desafiante, outras vezes demasiado claro e transparente. Duas qualidades que também podem ser atribuídas à sua história, progressivamente mais previsível. Ainda assim, é um passeio interessante e delicioso, especialmente para quem for fã do género de jogo e do seu elenco, que é, sem dúvida, o aspeto mais forte da experiência.
Dead Take tem lançamento no PC via Steam e Epic Games Store, por 13,99€.
Cópia para análise cedida pela Pocketpair Publishing.