Uma remasterização que quase pode ser considerada como um remake e um videojogo que pouco mudou, marcam o regresso de Dead Rising à ribalta.
A sétima geração de consolas trouxe uma verdadeira mudança de paradigma para a indústria dos videojogos. Se a Nintendo Wii dominava o mercado casual, com a sua introdução aos controlos por movimento e o regresso de Link com The Legend of Zelda: Twilight Princess, a estreia da indústria na alta definição – momento esse que introduziu na cultura popular siglas como HDMI, LCD e solidificou a popularidade das lojas e serviços digitais – viu a queda da Sony e a ascensão da Microsoft. Contra todas as expetativas, a Xbox 360 chegou ao mercado com um estrondo, roubando antigos exclusivos da gigante japonesa e garantindo novos exclusivos que suplantavam o catálogo reduzido da PlayStation 3. Em 2006, escolher entre a PlayStation 3 e a Xbox 360 não era fácil para quem acompanhava as consolas da PlayStation desde meados dos anos 90, e, pela primeira vez, muitos fãs foram convertidos à oferta da Microsoft. Entre os exclusivos da Xbox 360, nenhum se estacou tanto como Dead Rising, o então novo título da Capcom, também ele focado nos mortos-vivos e na sobrevivência. Mas ao contrário de Resident Evil, que se preparava para receber o quinto título da série, o bebé de Keiji Inafune apostava em grande no género de sobrevivência e decidiu testar quantos zombies podem e devem estar simultaneamente em campo. A resposta foi “muitos”.
Existe um antes e um depois de Dead Rising, e mesmo que o seu legado esteja hoje mais esquecido – fruto de sequelas aquém do esperado e do seu abandono por parte da Capcom –, o impacto foi sentido durante a sua estreia e acredito piamente que ajudou a cimentar a crescente popularidade da Xbox 360 face aos seus rivais. Mas 18 anos depois, terá Dead Rising a mesma força? Essa é a pergunta que a Capcom promete responder com Dead Rising Deluxe Remaster, a versão atualizada e modernizada – mas não em demasia, já que muitas das mecânicas e level design mantêm-se intactos – do clássico de terror e sobrevivência, agora renascido através do impressionante RE Engine.
Para todos os efeitos, é o mesmo jogo, só que mais acessível, com uma jogabilidade mais limada, ainda que pouco variada, assente num sistema de progressão por níveis que incentiva não só ao combate, como à captura de fotografias, onde Frank West, o protagonista mais icónico da série, pode colocar os seus dotes de fotojornalista à prova. Sejam personagens secundárias, alguns dos psicopatas que temos de enfrentar ou então as enchentes de mortos-vivos espalhados pelo centro comercial de Willamette, tudo serve de motivo para uma excelente e bem pontuada fotografia, que se traduzirá por pontos que, por sua vez, desbloquearão melhores habilidades, inventário e atributos.
Um dos elementos mecânicos mais emblemáticos da série Dead Rising é a corrida contra o tempo. Frank West tem apenas três dias, ou 72 horas, para descobrir o que se passa em Willamette. A pequena cidade norte-americana está interdita e as suas ruas escondem as hordas de morto-vivos que caçam os sobreviventes. Mas quem foi o culpado pela propagação do vírus? Quem está a tentar esconder a verdade? Enquanto ajuda os sobreviventes, Frank tem de descobrir o que se esconde por trás da fachada e tem apenas meras horas para o conseguir. Se Frank não conseguir resolver todos os mistérios de Willamette, ele poderá ainda escapar com a ajuda de Ed, que o trouxe de helicóptero no início da campanha. Mas se Frank perder a sua boleia, ele ficará, tal como a verdade sobre os acontecimentos na pequena cidade, para sempre esquecido e deixado à sua sorte.
Com 72 horas, Frank tem de ser rápido. Não só rápido, como também seletivo e capaz de gerir o seu tempo – o que é quase impossível numa primeira tentativa. O centro comercial de Willamette é enorme, dividido por várias secções, lojas e zonas exteriores, cujas alas continuam repletas de mortos-vivos e outros perigos que dificultam a missão de Frank. É preciso conhecer o centro comercial, memorizá-lo e tecer os vários atalhos que interligam as suas zonas principais, e isso é possível devido ao design meticuloso da Capcom e à direção de arte das secções temáticas. Num primeiro contacto, o centro comercial é labiríntico, lojas dentro de lojas, cuja mobilidade é agravada pelos zombies constantes e a falta de meios para lidarmos com as suas hordas, mas à medida que jogamos e recomeçamos as missões, compreendemos melhor o layout do espaço. As secções temáticas, as escadas que ligam os vários andares das lojas, a zona exterior do jardim que dá entrada para mais do que uma zona interior e as plataformas que se transformem entre placas de madeira e andaimes de construções que nunca foram concluídas.
Com a compreensão do espaço vem a luta pela gestão dos sobreviventes e dos vários casos que Frank tem de concluir, todos eles dependentes de um limite de tempo nem sempre confortável. Enquanto exploramos Willamette e memorizamos o seu layout, temos acesso às missões principais, que podem ficar ativas só em determinados dias e horas do dia, mas também aos vários sobreviventes ainda perdidos pelo centro comercial. O resgate dos sobreviventes, tal como a finalização das missões secundárias têm de ser alcançados a tempo e se não o conseguirmos fazer, então perdemo-los para sempre. Um sobrevivente pode desbloquear novas armas e recompensar-nos com Prestige Points (PP), que influenciam a evolução de Frank, o que significa que a sua perda afeta até a progressão da campanha. Então é preciso coordenar missões, o tempo que temos e depois encaminhar os sobreviventes até à zona segura – um processo que está ligeiramente melhor quando comparado ao original devido a melhor AI e controlos, o que é uma bênção.
Uma coisa é certa: é impossível fazermos tudo à primeira. Por melhor que joguem, vocês vão perder uma missão, deixar sobreviventes morrerem ou então serão obrigados a recomeçar a campanha porque tudo correu mal. Essa é a experiência Dead Rising até dominarmos o seu loop mecânico e conseguirmos gerir melhor o tempo que temos à disposição. Um limite temporal é um entrave à diversão para quem está de fora e eu já estive do outro lado, já que é um sistema de progressão que nem sempre aprecio, mas consigo ver que todos os elementos de Dead Rising – mecânicas, sistema de progressão, level design, estrutura da campanha – estão equilibrados e direcionados para aproveitar esta suposta barreira de progressão da melhor forma. A nova versão toma ainda mais proveito do limite temporal porque simplifica algumas das mecânicas do lançamento original, encurta tempos de loading e facilita a evolução de Frank com PP mais constante e em maior número. Mas falhar não é uma opção: é uma certeza.
As 72 horas são uma pressão constante até dominarmos mecanicamente tudo o que Dead Rising tem para nos oferecer, mas isso não significa que é um jogo desprovido de divertimento, antes pelo contrário. Dead Rising chega a ser um sandbox, só que limitado ao centro comercial, com várias missões, atalhos e uma panóplia de armas, peças de roupa e até revistas que melhoram os atributos de Frank. Apesar do limite temporal, Dead Rising pede para ser descoberto e reconhecido, pois todos os seus recantos escondem algo. As armas quebram-se com a utilização, mas existem tantas opções que nunca sentimos que estamos em desvantagem e temos a vantagem de quase todos os objetos disponíveis funcionarem como uma arma. Uma bancada? Perfeito. Um vaso? Atirem-no contra os mortos-vivos. Também temos acesso a armas mais convencionais, como machados, martelos e pistolas, mas há sempre algo para qualquer situação e nunca sentimos que estamos em desvantagem. Como não se trata de um remake, assim o diz a Capcom, não posso criticar a ausência de um sistema de combinação de armas, introduzido em Dead Rising 2, mas teria sido interessante ver essa opção no primeiro jogo.
Dead Rising Deluxe Remaster apresenta-se com um novo motor de jogo, mas com o mesmo chassis de 2006. A jogabilidade pode ter sido limada e aprimorada, até facilitada em partes, mas a experiência é a mesma. As missões são as mesmas, o ritmo é semelhante, as personagens não foram alteradas – fora os atores que lhes dão vozes e alguns redesigns – e o centro comercial mantém-se inalterado na sua estrutura. Não acredito que esta versão mude a vossa opinião sobre a série Dead Rising se nunca apreciaram o seu foco nos limites de tempo e na repetição da campanha, ainda que seja objetivamente mais acessível. Se são fãs do original, este remaster já deverá fazer parte da vossa coleção e vocês conhecerão melhor do que eu o impacto desta nova versão. E em que campo fico? No campo daqueles que conseguiram finalmente jogar Dead Rising e cumprir uma promessa que estava pendente desde 2006.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Ecoplay.