A sua arte pode ser adorável e a sua narrativa conter vários momentos emocionantes e até mais humorísticos, mas a jogabilidade de Crypt Custodian é o verdadeiro destaque e é aqui que se esconde um metroidvania mais desafiante do que aparenta ser.
Horas antes, Pluto era um gato como qualquer outro, perdido no conforto do seu lar e sob o cuidado dos donos que o resgataram das ruas. Uma pequena fuga, para ver o mundo exterior, longe do conforto, bastou para mudar a vida de Pluto. A última coisa que viu foram as luzes dos faróis, entre os pingos da chuva forte que caia. Quando despertou, Pluto estava noutro mundo. Uma realidade de espíritos, entre a vida e morte, onde todas as almas são julgadas pelo seu passado. Pluto parecia ter tudo para entrar no Palácio, o equivalente ao paraíso do reino animal, mas a sua natureza felina atraiçoou-o. Antes de conhecer Kendra, a guardiã das almas, Pluto partiu alguns vasos para encontrar o seu caminho. Isto foi o suficiente para ser atirado para as zonas exteriores, onde recebeu, como castigo, a tarefa de limpar o além e servir como guardião até ao final do tempo.
Ainda confuso com o julgamento e a descobrir a nova realidade para onde foi atirado, o jovem gato é transformado numa versão antropomórfica, um novo “eu” para uma nova vida. Munido de uma vassoura, Pluto devia contentar-se com a sua nova existência e manter a ordem nas zonas exteriores do Palácio, mas algo não bate certo. Por mais almas que cheguem à região, o lixo continua a materializar-se, acompanhado por criaturas que atacam todos aqueles que tentem navegar através das várias zonas do além. Para Pluto, não há outra solução senão encontrar uma saída e demonstrar a Kendra que ele merece uma segunda oportunidade, não só para entrar no Palácio, mas também para se despedir dos seus donos por uma última vez.
O ato de limpar e cuidar do outro do mundo espiritual acaba por ser apenas o contexto para a aventura tradicional que encontramos em Crypt Custodian. Com uma estrutura semelhante aos metroidvania, onde o progresso é determinado por habilidades que desbloqueiam novas zonas e regiões anteriormente inacessíveis, mas numa perspetiva top down – quase relembrando um dungeon crawler em formato light -, a aventura de Pluto é envolvente e até inventiva na forma como aborda os seus puzzles e alguns dos combates mais exigentes. É uma combinação interessante entre Castlevania, Hyper Light Drifter, Death’s Door, mas com uma vertente mais melancólica e pessoal devido às histórias pessoais das personagens e aos temas que descortinamos ao longo da campanha. Crypt Custodian é uma história sobre a amizade, o luto e a aceitação, tudo envolto num mundo onde animais procuram uma segunda oportunidade longe daqueles que amavam.
O mundo de Crypt Custodian, dividido por várias zonas distintas, é um dos destaques e está construído em torno de atalhos bem implementados e métodos de travessia que adicionam variedade aos puzzles e aos desafios mais intensos da jogabilidade. Como metroidvania, o jogo demonstra as suas influências ao apresentar vários caminhos principais e secundários, muito deles fechados ou inacessíveis, construindo uma teia de opções que torna o backtracking muito mais empolgante. Mesmo sem pontos de interesse, a não ser que queiramos comprá-los no Sinner’s Inn – que funciona como a loja do jogo e o centro do mundo -, raramente me senti perdido e frustrado pela progressão da campanha, com o mundo a prestar um auxílio essencial à navegação e ao retrocesso quando é necessário. Apesar de se tornar um pouco repetitivo a nível visual, com inimigos e cenários semelhantes – fora a adição de alguns elementos decorativos e uma paleta de cores ligeiramente diferente, tal como animações que adicionam muita alma às personagens -, o level design encontrou um ponto estável entre a curta duração e a densidade de situações de combate, plataformas e puzzles.
Os puzzles e as diferentes opções de mobilidade são imprescindíveis à experiência de Crypt Custodian, ao ponto de unificarem todos os parâmetros de design das suas zonas. Cada região apresenta um novo tipo de puzzle simplificado, que exige mais destreza motora do que propriamente um pensamento lógico. Mas estes desafios estão sempre presentes e representam mecanicamente as regiões exteriores, adicionando momentos em que temos de encontrar as chaves para abrir um portão antes que o tempo termine; controlar plataformas para alcançarmos zonas mais distantes; comandar espíritos para que possam chegar ao interruptor certo, até colocá-los em chamas para acender fogueiras; entre outros desafios. Estes momentos são suficientemente fortes para adicionar alguma intensidade à jogabilidade porque exigem sempre algum combate ou então destreza na navegação das plataformas para que possam ser resolvidos. Já as opções de mobilidade são menos empolgantes, mas também adicionam alguma variedade, criando momentos em que temos de navegar um barril sobre a água enquanto evitamos projéteis ou então temos de manusear plataformas que nos disparam em velocidade.
O sistema de combate é menos inventivo e constrói-se sobre um leque muito limitado de mecânicas. Pluto é capaz de atacar, saltar, desviar-se e utilizar um ataque especial. Ao longo da campanha, podemos colecionar novas habilidades, tal como seria de esperar, que podemos utilizar para resolver puzzles e quebrar as barreiras que limitavam a nossa progressão. Mas o combate mantém-se simples e não existe propriamente um sistema de evolução como encontramos em Castlevania ou Ender Lilies: Quietus of the Knights. A evolução determina-se pela descoberta e aquisição das já mencionadas habilidades, que podemos equipar nos pontos de gravação, cuja utilização limita-se ao número de pontos de upgrade que temos disponíveis – e que podemos aumentar se explorarmos o mundo de Crypt Custodian e concluirmos alguns dos seus desafios adicionais.
Apesar de utilizar um número limitado de mecânicas, Crypt Custodian é um jogo que nunca para de evoluir e surpreender, adicionando novos sistemas à jogabilidade sem nunca deambular demasiado sobre eles. Por exemplo, é possível combinar habilidades com mecânicas dos puzzles e mobilidade para atingirmos áreas anteriormente inacessíveis. Com o bumerangue, é possível alcançar interruptores à distância, mas o seu alcance não é infinito. Então podemos combiná-lo com as bolhas de transporte, que Pluto pode utilizar para se mover no ar, e garantir que o bumerangue chega ainda mais longe. O mesmo aplica-se à utilização de uma cópia espiritual do Pluto, que pode ajudar-nos a ativar alavancas e que só estão disponíveis através de painéis escondidos nos cenários. A jogabilidade melhora a cada habilidade e atributo conquistado, e torna-se cada vez mais divertida ao podermos combinar poderes ativos e passivos em combate, mas também na forma como abordamos os puzzles e a navegação das zonas. Muito mais profundo do que parecia durante as primeiras horas.
O que não é tão simples e convidativo são os vários tipos de inimigos que encontramos no mundo de Crypt Custodian. Apesar de algumas criaturas serem meramente distrativas adicionando pouco ao combate em termos de dificuldade, outras são absolutamente mortíferas. Entre inimigos voadores, áreas de ataque complexas, monstros que se transformam em projeteis quando são derrotados, as criaturas apresentam padrões de ataque que exigem uma mobilidade constante. Crypt Custodian apresenta momentos em que ficamos fechados numa arena com vários inimigos e a combinação entre os vários tipos de criaturas é divertida por ser desafiante, mas nunca injusta. Não chegamos à dificuldade de Death’s Door, mas os bosses são intensos e representaram um pico constante na jogabilidade, apresentando padrões mais complexos e ataques que parecem ter saído de um bullet hell.
Crypt Custodian não é propriamente inovador ou exigente na sua abordagem ao género, mas há uma enorme harmonia nas suas mecânicas. É o tipo de jogo que nunca queremos largar quando começamos a jogar, com a exploração a oferecer-nos regularmente novas zonas, desafios, colecionáveis e confrontos para conquistarmos a um ritmo sempre satisfatório. A inclusão de um sistema monetário, representado pelo lixo que recolhemos enquanto derrotamos inimigos e quebramos objetos em campo, adiciona uma nova camada de personalização e motiva-nos a lutar e a explorar mais para que possamos comprar todas as habilidades. O equipamento destas habilidades ser limitado a pontos específicos também é uma forma inteligente de adicionar alguma personalização estratégica ao loop da jogabilidade e é bem-vindo. Talvez lhe falte algo que o torne intemporal, mas Crypt Custodian é, sem dúvidas, um bom metroidvania e merece o vosso tempo.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Top Hat Studios.