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We Live in Time é um testemunho da força do cinema que transcende a simplicidade da sua história com uma abordagem comovente e complexa aos temas centrais da existência humana.

Por cada centena de filmes visualizada, existe outra centena perdida pelo meio. Dito isto, é raro acontecer-me passar ao lado do mesmo realizador e/ou argumentista tanta vezes, mas tal sucedeu com John Crowley (Brooklyn) e Nick Payne (The Last Letter from Your Lover) ao longo destes anos, sendo We Live in Time a minha primeira experiência com estes cineasta. No entanto, as expetativas eram altas devido às reações iniciais, apesar de (felizmente) ter entrado para a sala de cinema sem qualquer conhecimento prévio da história, nem da estrutura não-linear.

We Live in Time segue Almut (Florence Pugh) e Tobias (Andrew Garfield), dois adultos unidos por um encontro inesperado que muda as suas vidas. Através de momentos capturados ao longo da sua vida em conjunto – ao apaixonarem-se, construírem um lar, formarem uma família – há uma revelação chocante abala os alicerces dessa relação. Ao embarcarem num percurso desafiado pelos limites do tempo, aprendem a valorizar cada momento do caminho pouco convencional que a sua história de amor seguiu.

Pulp Fiction, Memento, Eternal Sunshine of the Spotless Mind, Inception, Arrival, Fight Club… A quantidade de obras que empregam uma maneira não linear de contar a sua história é imensamente vasta. A sensação de novidade encontra-se gasta, mas o sucesso deste tipo de filmes não depende deste mecanismo narrativo. Depende, sim, da execução e da intenção dos cineastas: se o objetivo de utilizar uma estrutura incomum é apenas confundir o espetador, geralmente a ideia cai por terra; se o objetivo passa por aproveitar os períodos temporais diferentes para explorar ainda mais os temas centrais, o potencial para uma obra memorável é enorme.

Felizmente, We Live in Time pertence ao último grupo. Não deixa de ser uma narrativa ordinária contada de forma extraordinária, mas a não linearidade serve de complemento emotivo e oferece um certo fator de interesse a uma história que seria demasiado genérica e previsível, fosse esta contada cronologicamente. A grande diferença passa pela autenticidade, pois, ao revelar nos primeiros minutos o que define cada linha temporal, deixa de existir uma exploração fútil da dor verdadeira do luto em prol de entretenimento barato.

Crowley confia que os espetadores tenham interesse em descobrir como a relação chegou aos seus pontos distintos apresentados no primeiro ato, em vez de aproveitar-se de um valor de choque superficial para entregar revelações e twists exagerados. É estranho afirmar que a remoção do fator surpresa — decisão criativa arriscadíssima — beneficia We Live in Time, mas a verdade é que este estudo sobre luto, resiliência, tempo, memória e a fragilidade da felicidade é muito mais poderoso e impactante com os espetadores na mesma posição, ou até à frente, dos protagonistas.

Os arcos de Almut e Tobias não podiam ser mais completos e profundos, divididos em camadas complexas que levam a várias interações do casal onde nenhum elemento se encontra do lado correto ou errado. Os pontos de vista e argumentos trazidos à mesa por ambos levam a análises instigantes de elementos da vida humana incontroláveis, assim como ideologias e desejos pessoais que mudam consoante os eventos e pessoas que vão preenchendo o nosso dia a dia. O legado que deixamos é igualmente um ponto crucial do terço final de We Live in Time, onde novamente o público é levado por um estudo provocativo e reflexivo sobre o que realmente importa na vida.

Podia facilmente mencionar alguns pontos específicos dos seus arcos e da narrativa geral, mas acredito genuinamente que We Live in Time é daqueles filmes que merece ser visto com o mínimo conhecimento possível do seu enredo e até da sua estrutura. É uma história de coragem e uma carta de amor à vida e ao amor. A música de Bryce Dessner (The Two Popes) contribui imenso para as lágrimas que a vasta maioria dos espetadores não vai conseguir evitar, mesmo considerando que a conclusão é algo propositadamente previsível, o que comprova o impacto narrativo e emocional do argumento de Payne.

No fim, os elogios são muitos, mas sem Garfield e Pugh, We Live in Time não funcionaria da mesma maneira. É fácil referir que os atores possuem química genuína e que se entregam de corpo e alma às suas personagens, mas o que realmente se destaca das inúmeras interações distintas ao longo da obra é o timing de entrega das falas respetivas. A tensão gerada pelos segundos extra para respirar mais uma vez ou para pensar novamente no que vão dizer, serve como dispositivo de suspense para compensar a falta de fator surpresa.

Apesar de sabermos o que as personagens vão revelar, o choque de tais afirmações é tal que chega a ser extremamente inquietante vermos Almut e Tobias tão nervosos e ansiosos por poderem vir a estragar o amor que tanto lutaram para manter intacto. Garfield e Pugh merecem nomeações durante a temporada de prémios que se avizinha. We Live in Time gerará opiniões negativas sobre a sua estrutura não linear e, com certeza, muitos criticarão esta decisão como um “truque” para esconder o facto de a história ser bastante simples. Pessoalmente, considero que enriquece uma narrativa que explora honestamente temas sensíveis da vida humana e que não deixarão ninguém indiferente.

VEREDITO

We Live in Time é um testemunho da força do cinema que transcende a simplicidade da sua história com uma abordagem comovente e complexa aos temas centrais da existência humana. John Crowley e Nick Payne entregam uma narrativa onde a forma e o conteúdo se complementam, utilizando a estrutura não linear não como um mero artifício estilístico, mas como um convite à reflexão sobre como o tempo, as memórias e as escolhas pessoais constroem quem somos e quem amamos. Com interpretações sublimes e emotivas de Andrew Garfield e Florence Pugh, os espetadores seguem um estudo delicado e autêntico sobre o amor, o luto e a fragilidade das nossas conexões. No final, fica uma sensação agridoce: a recordação da efemeridade e beleza dos momentos partilhados e da inevitabilidade do tempo que tudo molda, tudo desgasta.

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