Venom: The Last Dance termina a trilogia mantendo o espírito irreverente da saga, embora não consiga propriamente superar as limitações que sempre a acompanharam.
Costumo afirmar que o cinema tem espaço para todo o tipo de filmes e histórias. Da mesma maneira que o grande ecrã pode, e deve, entregar narrativas provocantes que deixem os espetadores a refletir sobre o que acabaram de assistir durante vários dias, a Sétima Arte também pode, e deve, oferecer obras de entretenimento puro e simples para agradar a uma audiência mais vasta. A agora-trilogia Venom, encaixa-se claramente na última categoria, mas, mesmo assim, não consegui entrar no comboio “tão mau que é bom” relativo aos dois primeiros filmes. Dito isto, havia alguma réstia de esperança para Venom: The Last Dance, a conclusão da saga que dividiu críticos e público.
Kelly Marcel contribuiu para o argumento dos dois primeiros filmes e agarra agora a oportunidade de fechar a história de Eddie Brock (Tom Hardy) e de Venom na sua estreia enquanto realizadora de longas-metragens. Venom: The Last Dance continua imediatamente a seguir aos eventos de Let There be Carnage, com os protagonistas considerados fugitivos de um crime passado. Perseguidos pelos mundos respetivos e com o cerco a apertar, o duo é forçado a tomar uma decisão devastadora que encerrará a “última dança” entre Eddie e Venom.
Sejamos sinceros: todos sabemos as razões pelas quais esta franchise tem obtido sucesso com o público geral e falhado em conquistar a maioria dos críticos. Venom é uma saga guiada por ação recheada de efeitos visuais e humor simples com foco nas conversas constantes entre Eddie e Venom, sem grande profundidade temática, narrativa e até de personagem, para além de seguir as fórmulas habituais do género, inovando pouco ou nada. Com a exceção da dupla principal, todas as outras personagens são meras cópias baratas e superficiais de variações genéricas de vilões e seus braços-direitos.
Para espetadores que não costumam ir ao cinema frequentemente ou que apenas desfrutam de géneros específicos, Venom: The Last Dance é precisamente aquilo que desejam experienciar no cinema. Para críticos cujo trabalho implica assistir a centenas de novos lançamento por ano, facilmente narrativas genéricas se tornam extremamente previsíveis, aborrecidas e frustrantes. Pessoalmente, pertencendo ao último grupo, as expetativas não eram propriamente positivas à entrada para a sessão, mas eis que saí da mesma com um sorriso inesperado.
O maior destaque e grande fator positivo de Venom: The Last Dance mantém-se idêntico aos filmes anteriores: as interações bem-humoradas entre Eddie e Venom – Hardy merece muitos elogios pelo papel duplo interpretado ao longo da trilogia. A discussão infindável entre os dois seres incapazes de serem honestos e partilharem o amor que têm um pelo outro é o elemento narrativo que mais contribui para o valor de entretenimento da obra, sendo que, desta vez, as consequências são verdadeiramente sérias, e não apenas problemas sem consequências reais. A sensação de despedida é palpável, sendo que Marcel consegue aproveitar esse imprevisibilidade única na saga até então para gerar mais tensão e suspense no terceiro ato.
A comédia é, no geral, mais eficiente em Venom: The Last Dance que nas obras antecessoras e, apesar do último ato cair na armadilha típica do género em abusar de sequências pesadas nas suas quantidades de efeitos computorizados, o departamento de efeitos especiais e a direção de Marcel mantêm a ação fluída, energética e relativamente fácil de se seguir, para além de um determinado ponto de enredo trazer alguma criatividade aos estilos de luta aplicados. No entanto, o argumento contém tantas personagens e linhas narrativas secundárias desinteressantes, e até irrelevantes, que é possível chegar-se aos últimos minutos já sem energia para desfrutar dos mesmos.
Venom: The Last Dance é estruturalmente trapalhão, introduzindo novas personagens do nada com metade da duração total percorrida e, consequentemente, tornando a sua história demasiado recheada e frustrantemente lenta. Existe um excelente estudo sobre identidade, moralidade, alienação e sacrifício pessoal no meio de toda esta confusão narrativa, mas o foco principal é constantemente “atacado” por desvios desnecessários em vez de alocar toda a atenção no bromance entre Eddie e Venom. As escolhas criativas relativas ao “vilão” são incompreensíveis e parecem claramente requerimentos do estúdio, tal é a falta de recompensa para o presságio repetitivo e inconsequente.
No fim, o que realmente importa é o impacto emocional da obra com os espetadores. Venom: The Last Dance possui os mesmos atributos e defeitos dos filmes anteriores, mas não só reduz os últimos, como finalmente aproveita o que tem de bom, culminando numa conclusão surpreendentemente comovente que serve de prova irrefutável que Marcel, Hardy e companhia genuinamente desejavam encerrar este capítulo das suas carreiras da melhor maneira possível. Não é, nem será, uma trilogia memorável, mas não me queixarei deste final e não ficaria chocado se, um dia, voltasse a assistir a esta última aventura de Eddie e Venom.
VEREDITO
Venom: The Last Dance termina a trilogia mantendo o espírito irreverente da saga, embora sem conseguir propriamente superar as limitações que sempre a acompanharam. Apesar da tentativa genuína de aprofundar as emoções e sacrifícios de Eddie e Venom, o filme acaba por seguir as mesmas fórmulas e clichés previsíveis, sofrendo muito com demasiadas personagens e enredos desnecessárias. Dito isto, não só o terceiro ato guarda alguns trunfos relativos à ação, como Kelly Marcel entrega uma despedida funcional e surpreendentemente comovente que irá agradar aos fãs da saga. Não chega nem perto de ser um ponto alto do género respetivo, mas encerra a jornada de Eddie e Venom com um último suspiro de entretenimento simples e uma sequência final admitidamente memorável.