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A profundidade temática, aliada à animação deslumbrante e a um elenco de voz excecional, transforma The Wild Robot num dos filmes mais marcantes do ano.

A DreamWorks Animation sempre foi considerada a grande rival da Disney/Pixar, mas, apesar de algumas sagas memoráveis como Shrek, How to Train Your Dragon e Madagascar, a verdade é que o estúdio raramente conseguiu entregar obras originais isoladas com o mesmo impacto cultural de muitos dos filmes do último. Dito isto, existe uma voz no centro do sucesso de ambas as corporações: Chris Sanders, criador de Lilo & Stitch, How to Train Your Dragon, The Croods e com outros créditos artísticos em obras-primas que marcaram a Era do Renascimento da Disney na década de 90. E, agora, o cineasta adapta o livro de Peter Brown de mesmo nome, The Wild Robot, sendo que as expectativas à entrada para o cinema eram altíssimas devido à excelente receção global.

O filme segue a mesma premissa da obra original, contando a aventura da unidade 7134 da ROZZUM, cujo diminutivo é “Roz” – um robô que naufraga numa ilha desabitada e que tem de adaptar-se ao ambiente adverso, estabelecendo gradualmente relações com os animais da ilha, eventualmente tornando-se mãe adotiva de um ganso órfão. The Wild Robot conta com um elenco de luxo, liderado por Lupita Nyong’o (Us) como protagonista, sendo acompanhada por atores de renome como Pedro Pascal (The Last of Us), Catherine O’Hara (Beetlejuice Beetlejuice), Mark Hamill (Star Wars), Ving Rhames (Mission: Impossible), entre outros.

The Wild Robot torna-se facilmente num dos melhores filmes de 2024, encontrando-se mesmo à frente de Inside Out 2 como a minha obra de animação favorita do ano. O argumento de Sanders é, tal como o livro de Brown, aparentemente simples, mas, na verdade, é extremamente desenvolvido, detalhado e complexo, explorando inúmeros temas profundos e diversos. Sobrevivência e adaptação, identidade e auto-descoberta, empatia e conexão, comunidade e interdependência, parentalidade, discriminação, responsabilidade ambiental, inteligência artificial… nenhum destes tópicos é simplificado ou apresentado de forma superficial nos seus estudos narrativos.

Dito isto, acima de tudo, no centro de The Wild Robot encontra-se a justaposição entre tecnologia e natureza: através das interações entre Roz – um produto do avanço tecnológico humano que se encontra num mundo sem tecnologia -, e a ilha selvagem, que se geram oportunidades atrás de oportunidades para gerar discussões provocantes sobre todos os tópicos mencionados anteriormente. Roz é obrigado a adaptar-se a um ecossistema desconhecido para sobreviver e Sanders aproveita este conflito para questionar a presença da tecnologia em ambientes naturais: Será um elemento perturbador ou harmonizador?

No entanto, The Wild Robot não retrata a tecnologia como algo propriamente maligno. Roz aprende a viver com os animais, não através de domínio físico, inteletual ou mecânico, mas a partir da sua capacidade de se incorporar no atmosfera natural, simbolizando o potencial para uma coexistência mais equilibrada entre estas duas componentes da nossa vida. A sobrevivência de Roz (física, emocional e psicológica) depende, assim, da sua aprendizagem das leis da natureza e da construção de relações com os animais da ilha, demonstrando a importância da resiliência e da capacidade de aprender com os erros.

Pessoalmente, o arco com maior impacto é, naturalmente, a jornada de auto-descoberta de Roz e a gradual criação de empatia nos “cabos elétricos” dentro do robô teoricamente incapaz de sentir. The Wild Robot menciona e destaca várias vezes a “programação”, “diretrizes” e “tarefas” com as quais Roz foi construído para servir os humanos. Pois bem, sem humanos à volta, nenhum destes requisitos pode ser aplicado, levando o robô a descobrir por si mesmo o que significa viver, ser livre e selvagem, enquanto procura o seu lugar e propósito neste novo mundo.

O amor, cuidado e responsabilidade fazem parte do desenvolvimento de Roz enquanto ser empático. Inicialmente, conceitos relativos a emoções, sentimentos e até respeito são incompreensíveis, mas através das conexões e experiências com os vários animais que vai encontrando, especialmente com Brightbill, o ganso que acaba por adotar, despertando um papel maternal dentro do robô – Roz aprende a importar-se com os seres que o rodeiam. The Wild Robot utiliza a ligação transformadora entre Roz e Brightbill para representar a ideia de família e o impulso universal de proteger e cuidar dos outros.

Finalmente, ao longo do filme, Roz também descobre a importância de viver em comunidade e depender de outros para sobreviver. O ecossistema delicado da ilha leva Roz a procurar a sua função no mesmo, conseguindo apenas prosperar através de cooperação, compreensão e respeito pelo próximo, independentemente da espécie e origens de cada um – mensagem que permanece pertinente aos dias de hoje. The Wild Robot aborda também, de forma mais subtil, a necessidade de respeitar a ordem natural do mundo orgânico, defendendo a sustentabilidade do meio ambiente e trazendo à mesa preocupações sobre as mudanças climatéricas, assim como questões sobre AI e a definição de “ser com sentidos”.

Feita a análise temática, que fique claro: The Wild Robot é um filme recheado de entretenimento, com uma camada de humor incrivelmente eficiente que torna os momentos emotivos ainda mais poderosos. Recomendo levar um pacote de lenços para o filme, não só para limpar as lágrimas de tanto rir, mas também o lago debaixo dos pés de tanto chorar. O equilíbrio de tom é perfeito, tal como o ritmo adequado de Sanders que reconhece quando deve desacelerar para transmitir uma mensagem importante e quando deve inserir mais energia e ação para voltar cativar os espetadores mais infantis.

The Wild Robot contém das animações mais deslumbrantes da história da DreamWorks Animation, com um mistura fascinante e imersiva entre 2D, 3D e pintura única. As expressões dos animais são tremendamente vivas, tal como as cores de uma obra que se destaca visualmente, mas também através da banda sonora inesquecível e merecedora de muitos prémios de Kris Bowers (The Color Purple). A música de Bowers é apenas o exemplo mais recente do quanto este elemento cinemático pode transformar um filme por completo, elevando todas as sequências que pretende intensificar com melodias comoventes ou épicas.

Não se costuma abordar cinematografia em filmes animados, mas é impossível não elogiar o trabalho de Chris Stover (Puss in Boots: The Last Wish). The Wild Robot conta com artistas visuais fenomenais, incluindo animadores e Stover. Horas após assistir ao filme, foram várias as imagens belíssimas que permanecem na minha imaginação como se fossem paisagens reais que experienciei pessoalmente. Tecnicamente, narrativamente e tematicamente, não tenho nada a criticar, sendo que a cereja no topo do bolo encontra-se no trabalho de voz fantástico de um elenco que não desilude, nem um bocadinho.

VEREDITO

The Wild Robot oferece muito mais do que apenas visuais imersivos, música emocionante e momentos de entretenimento – é um história profundamente reflexiva que aborda temas complexos e pertinentes com um equilíbrio delicado entre coração e humor. Através da jornada de auto descoberta do protagonista robótico, Chris Sanders explora a interseção entre tecnologia e natureza, tocando em tópicos como identidade, empatia, comunidade, entre outros. Esta profundidade temática, aliada à animação deslumbrante e a um elenco de voz excecional, transforma a aventura de Roz num dos filmes mais marcantes do ano, mas também num estudo provocante sobre coexistência, adaptação e o que significa verdadeiramente viver em harmonia com o mundo que nos rodeia.

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