The Starling Girl aborda o impacto da religião na vida de jovens mulheres, abordando particularmente como sexualidade, amor, liberdade e identidade pessoal se relacionam com ensinamentos fundamentalistas.
Um dos aspetos mais frustrantes de cobrir o Sundance Film Festival passa pelo simples facto de ser necessário selecionar determinados filmes e deixar o resto para outra altura, sendo que a vasta maioria das obras não têm qualquer contrato com distribuidoras nem campanhas de marketing associadas. Com tempo limitado e centenas de filmes por escolher, acabei por perder a estreia da cineasta Laurel Parmet em longas-metragens, algo que agora me arrependo. The Starling Girl pode não ser uma pérola, mas é uma surpresa bastante agradável.
Religião não faz parte da minha vida, de todo. Naturalmente, respeito a maneira de viver de todos os seres humanos e é-me completamente indiferente se a pessoa é cristã, judaica, budista ou de qualquer outra comunidade religiosa. No entanto, premissas como a de The Starling Girl cativam-me frequentemente. Parmet explora conceitos fundamentalistas de famílias cristãs e a relação entre os mesmos e a sexualidade, amor, liberdade e identidade, tudo através da perspetiva feminina, apesar de muitas das mensagens servirem para todos os géneros.
Mesmo sendo um espetador não-religioso, nenhum dos comportamentos e ensinamentos extremos presentes em The Starling Girl me chocam. Aliás, apenas relembram o público do quanto as mulheres eram – e ainda continuam a ser de outras formas – ensinadas e, em muitos casos, obrigadas a esconderem os seus desejos, virtudes, sentimentos… tudo o que seja fora da norma bíblica. No fundo, Parmet entrega um coming-of-age onde os obstáculos prendem-se essencialmente com um arco de auto-descoberta da protagonista, Jem (Eliza Scanlen).
The Starling Girl não foge às barreiras narrativas deste tipo de histórias – previsibilidade e repetitividade são quase inevitáveis – mas Parmet executa brilhantemente a sua visão sobre os temas centrais. O arco de Jem é aprofundado de tal maneira que é possível perceber as suas intenções e emoções através de movimentos de câmara ou pequenos pormenores visuais. A relação gradualmente afetiva com Owen (Lewis Pullman), um pregador jovem que encoraja Jem a libertar-se das amarras ideológicas transmitidas pelos pais, é igualmente tratada com um cuidado de louvar.
Apesar de Parmet não se aventurar pelo debate sensível sobre relações de pessoas mais velhas com menores de idade, existe um respeito tremendo pelo assunto e em nenhum momento a cineasta perde o controlo da situação. The Starling Girl demonstra que, por vezes, a vontade de encontrar algo que nos faça sentir vivos e humanos é tão avassaladora que interpretamos determinados sentimentos de maneira mais irracional, levando-nos a tomar decisões impulsivas que pensamos ser o que queremos quando, na verdade, são apenas atalhos para aquilo que verdadeiramente desejamos: liberdade de podermos ser nós próprios.
Dito isto, existe um enredo secundário relacionado com o pai de Jem, Paul (Jimmi Simpson), que merecia mais tempo de ecrã. The Starling Girl foca-se na protagonista, mas há vários pontos em comum na viagem que Jem se encontra a realizar e na vida que Paul já viveu. Senti sempre a falta de um par de diálogos que explorassem o passado de Paul, o seu refúgio no álcool e como o próprio se deixou levar pelos mesmos ensinamentos fundamentalistas, deixando a sua essência humana para trás. Paul é, de inúmeras maneiras, um exemplo de caução para Jem que, no fundo, sabe onde pode terminar se seguir o mesmo caminho.
Resta mencionar as prestações soberbas de um elenco extremamente subvalorizado. Scanlen já tinha demonstrado em Little Women e The Devil All the Time o seu incrível potencial, mas é em The Starling Girl que oferece a sua melhor performance da carreira. É verdade que é acompanhada por um Pullman charmoso – nem parece o mesmo ator de Top Gun: Maverick – e por pais que representam os seus papéis fenomenalmente – Simpson e Wrenn Schmidt – mas se a jovem atriz continuar a crescer desta maneira, é uma questão de tempo até começar a receber nomeações atrás de nomeações.
VEREDITO
The Starling Girl aborda o impacto da religião na vida de jovens mulheres, abordando particularmente como sexualidade, amor, liberdade e identidade pessoal se relacionam com ensinamentos fundamentalistas. Uma estreia sólida de Laurel Parmet em longas-metragens, aprofundando um arco de auto-descoberta de uma protagonista que representa inúmeras mulheres educadas e obrigadas a esconder e a recear muito daquilo que as define como seres humanos com sentimentos, desejos e sonhos. Uma história de emancipação e educativa elevada por um elenco subvalorizado, incluindo a melhor prestação da carreira de Eliza Scanlen.